quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 19ª Parte


ESSE DIVÓRCIO HOMÉRICO

Seatle, Washington,
Setembro de 1992 - Janeiro de 1993

"Esse divórcio homérico é uma grande chateação."
De "Serve the Servants".

DOIS DIAS DEPOIS DA PREMIAÇÃO DA MTV, Kurt, Courtney e
Frances — além de Jamie e Jackie — chegaram a Seattle, onde o nirvana
estava promovendo um show beneficente para combater um projeto de lei de
censura musical apresentado na Assembléia Legislativa do estado de
Washington. Na noite anterior, eles haviam tocado num show em Portland
em prol dos direitos dos homossexuais. A decisão da banda de participar de
shows beneficentes — principalmente em favor de organizações de
homossexuais e de defesa do direto ao aborto — lhes havia rendido uma
bagagem extra que Kurt não esperava: ele agora estava recebendo ameaças
de morte. "Eram principalmente shows pelo direito á vida", lembra Alex
MacLeod. "Passamos a usar detectores de metais." Um dos telefonemas
advertia que Kurt seria baleado no momento em que pisasse no palco. Essa
perspectiva era bastante assustadora, mas igualmente aterrorizante era
estar de volta a Seattle, onde ele veria seus parentes pela primeira vez desde
o nascimento do bebê.
Kurt chegou ao Seattle Center Coliseum, já com seus 16 mil
lugares esgotados, e encontrou Wendy, Kim e a meia-irmã Brianne em seu
camarim. Era a primeira vez que eles viam Kurt com Frances. "Ele estava tão
entusiasmado e parecia um paizão!, lembra Kim. "Ele simplesmente adorava
Frances. Ele fazia qualquer coisa para fazê-la sorrir ou dar risadas."
Enquanto a família idolatrava Frances, Kurt ouvia noticias frescas
de seu empresário de excursão. Mais ameaças de morte haviam sido
recebidas; o Fitz of Depression encontrara problemas na passagem de som (é
claro que Kurt havia insistido que eles abrissem o show); e havia dezenas de
jornalistas esperando para entrevistá-lo. Kurt acabou condescendo.
Entretanto, exatamente quando julgava que havia se livrado de todos os
problemas, Kim chegou correndo em pânico com uma crise que kurt não
esperava. "Papai está aqui"", exclamou ela. "Que porra ele está fazendo
aqui?", praguejou Kurt.
Don conseguia acesso aos bastidores mostrando sua carteira de
motorista e identidade da Patrulha Estadual a um segurança. "Mas está
tudo certo", disse Kim, tranqüilizando Kurt. "Eu disse a ele que não estavam
deixando ninguém entrar nos camarins." Claro que era uma mentira, já que
até bandas secundárias da Sup Po estavam andando por ali tomando cerveja
de graça. Kim advertiu o chefe de segurança para não deixar Don chegar
perto de Kurt. Fazia oito anos que Kurt não via o pai e não falava com ele
desde fevereiro de 1991. Don tentara entrar em contato com Kurt, mas a
relação entre ambos estava tão distante que ele nem sequer tinha o numero
de telefone do filho. Chegou a deixar recados com vizinhos e recepcionistas
da gravadora.
Don entrou no camarim com Chad, o meio-irmão de Kurt. "Ah, oi,
papai". disse Kurt, mudando seu tom de voz para esconder a raiva que ele
havia demonstrado momentos antes. Pela primeira vez numa década, os
quatro Cobain originais — Don, Wendy, Kurt e Kim — estavam juntos em
uma sala. O clã agora incluía mais dois meio-irmãos, Courtney e um casal
de empregados de Kurt. Frances Bean Conain, com três semanas de vida —
arrulhando e resmungando enquanto era passada de um parente a outro —,
era a única indiferente a toda essa tensão: para todos os demais, era como a
sessão de pesagem para uma controvertida luta de boxe.
A novela da família Cobain não desapontou os espectadores.
Quando Don viu Wendy segurando Frances, disse: "Ora, ola, vovó",
enfatizando o "vovó" como se fosse uma ofensa. "Como se sente em ser
vovó?" "Ótima, vovó", respondeu Wendy no mesmo tom sarcástico. "Eu adoro
isto, vovó". O que em muitas famílias poderia ter sido uma conversa bemhumorada
ou sentimental se convertia em um incômodo confronto. Mais de
dezoito anos haviam se passado desde que Don e Wendy tinham se
divorciado, mas, de repente, a família original voltara emocionalmente a rua
First, 1210, leste, em Aberdeen, e a relação entre mãe e pai estava inalterada
Para Kurt, era uma junção de sua nova família com as feridas da
original. "Era tipo "Ai, meu Deus, de novo não", lembra Kim. A única
dinâmica diferente era o papel de Kurt — ele não era mais o garoto pequeno
e desamparado. ele tinha se tornado — com 16 mil fãs apaixonados
esperando do outro lado da parede — o patriarca.
Courtney nunca havia encontrado Don antes e ficou muda
observando o quanto ele se parecia com o filho — Don tinha a beleza rude de
um Steve McQueen de meia-idade. Kurt, porém, não estava sem palavras,
particularmente para seu sósia mais velho: "Você, cale essas maldita boca",
gritou ele para o pai, com a maior energia com que já havia falado em sua
vida, usando uma imprecação que em sua infância ter resultado em um
"safanão" na têmpora. "Não fale com ela desse jeito. Não a humilhe."
Rapidamente, Wendy, Kim, Courtney e Brianne saíram da sala.
"Nossa, você parece velho", disse Kurt a seu pai quando se acalmou. Ele
imediatamente supôs que Don estava ali para pedir dinheiro. "Eu não queria
nada", lembra Don. "Eu só queria estabelecer contato com ele. Eu disse: "Se
você está contente, se divertindo, isso e ótimo. Só não deixe de tentar manter
contato."
Kurt assinou um cartaz para seu meio-irmão Chad — que Kurt
apresentou a todos como "seu meio-irmão", para grande consternação de
Don —, e quando o gerente de produção Jeff Mason o encaminhou para o
palco, Kurt teve apenas alguns segundos para deixar a família para trás e se
tornar "Kurdt Kobain", o astro do Rock, seu alter ego. Ele estava prestes a
pisar no palco do mesmo auditório em que havia visto seu primeiro concerto
de rock, Sammy Hagar com o Quarterflash, apenas dez anos antes, embora
parecesse uma eternidade. Mason e Kurt sempre usavam essas breves
caminhadas para discutir detalhes do show ou entrar no clima — esta era
uma das poucas vezes que Kurt fez aquele longo percurso até o refletor em
silêncio absoluto.
O show em si foi fenomenal, o melhor que o Nirvana já havia feito
em Seattle. Desaparecera o ar antiquado de Reading e Kurt parecia um
homem com um desejo ardente de converter todos os descrentes. Centenas
de garotos surfavam na platéia, desabando das barricadas com lemingues de
cima de um precipício.
Durante um intervalo, Krist contou a história de como ele havia
sido "expulso para sempre" do Coliseu por se embebedar num concerto de
Neil Young: nos bastidores ele havia encontrado uma foto de si mesmo num
mural de pessoas cujo acesso ao local não deveria ser permitido.
Depois do show, Kurt rejeitou todos os pedidos de entrevista,
exceto um: o da Monk, uma revista de viagem de publicação irregular.
Quando Jim Crotty e Michael Lane, da Monk, se dirigiram ao seu camarim,
encontrar — no vazio, exceto por Kurt e Frances. "Havia um impressão",
lembra Crotty, "semelhante que cada movimento é tão dissecado que na sua
cabeça essa pessoa assume uma importância incrível.
Havia toda aquela atividade lá fora e, então você abre a porta, e lá
está Kurt Cobain segurando uma criança numa sala vazia. Ele parecia tão
sensivel, exposto, vulnerável e terno segurando a criança!" Enquanto a
entrevista de Hilburn o havia encontrado num humor grave, essa conversa
foi a maior sessão de fabricação de mitos da vida de Kurt. Quando indagado
sobre Aberdeen, ele contou uma história de quando havia sido expulso da
cidade: "Eles me perseguiram até o castelo de Aberdeen com tochas,
exatamente como o mostro de Frankenstein. E eu escapei em um balão".
Quando Crotty perguntou se havia um lugar que fosse "o supra-sumo de
Aberdeen" em sua memória, ele disse: "debaixo da ponte". Ele descreveu sua
comida favorita como "água e arroz". Quando perguntado se acreditava em
reencarnação, respondeu: "Se você realmente é uma pessoa má, você voltará
como mosca e comerá cocô". e Quando Crotyy perguntou a Kurt que titulo
ele daria a sua autobiografia, sua resposta foi: "Eu Não Estava Pensando", de
Kurt Cobain".
Naquele outono, Kurt e Courtne — com Frances, Jamie e Jackie a
reboque — passaram a maior parte do tempo em Seattle, morando no hotel
Sorrento e em dois outros hotéis quatro estrelas. Eles se registravam como
"Simon Ritchie", o nome verdadeiro de Sid Vicious. Ele haviam acabado de
comprar uma casa de 300 mil dólares com um terreno de 44 mil metros
quadrados perto da Carnation, a pouco menos de cinqüenta quilômetros de
Seattle. A casa — que tinha uma árvores crescendo dentro dela — estava tão
decadente que eles começaram a construir uma nova na propriedade. Foi
ainda em Seattle que Kurt descobriu que duas mulheres da Inglaterra
estavam escrevendo uma biografia sua não autorizada. Na esteira do perfil
publicado pela Vanity Fair, isto o deixou furioso, uma vez que sua tia Judy
já havia sido entrevistada para o livro No dia 22 de outubro, Kurt Courntey,
tia Judy e Dave Grohl telefonaram para a Co-autora Victoria Clarke e
deixaram uma série de recados cada vez mais ameaçadores. "Se sair alguma
coisas neste livro que atinja minha esposa, eu vou acabar com você",
advertiu Kurt. Em outro recado, ele vociferava: "Eu estou cagando e andando
se ficar gravado que eu estou ameaçando vocês. Imagino que eu poderia
jogar fora algumas centenas de milhares de dólares para você sumirem, mas
talvez eu tente primeiro a via legal". As mensagens encheram a fita da
secretária eletrônica de Clarke, que ela entregou á policia. Indagado pelo
New York Times sobre as ameaças, Danny Goldberg disse: "Kurt nega
absolutamente a idéia de que ele ou algum outro membro da banda tenham
feito tais ligações". Mas depois Kurt Admitiu que as fez. Ele também
escreveu uma carta para Clarke (Nunca Enviada) que incluía venenos como:
"Vocês duas são asquerosamente ciumentas e asquerosamente horríveis.
Não estão escrevendo um livro sobre minha banda, estão escrevendo um
livro sobre o quanto têm ciúme de minha esposa inteligente, bonita, sensual
e talentosa, pois vocês não são nada disso. Se um único comentário ou
declaração isolada, pasquineira ou negativa com relação a minha esposa
figurar em seu livro, eu vou (com o maior entusiasmo que jamais tive em
minha vida) dedicar cada maldita hora de vigília de minha vida para tornar a
vida de vocês impossível de viver. Se isso não funcionar, bem, não
esqueçamos que eu trabalho para a Máfia".
Discutindo o assunto alguns meses depois, Kurt ainda não se
arrependia: "Se algum dia eu me vir pobre e tiver perdido minha família, não
hesitarei em me vingar das pessoas que me ferraram", contou ele a Michael
Azerrad. "Sempre fui capaz disso. Já tentei matar pessoas antes, num acesso
de raiva, quando me envolvia em brigas... Quando as pessoas me ferram a
troco de nada, não consigo deixar de pensar em bater nelas até matar." um
Mês antes, ele havia recebido ameaças de morte — agora ele as estava
fazendo.
Telefonar tarde da noite se tornou comum para Kurt, embora a
maioria fossem gritos de socorro levemente velados. Todos, desde seu
advogado até os membros da equipe, recebiam ligações ás quatros da
manhã, Certa vez ele ligou para tia Mari ás duas e meia da manhã com uma
proposta empresarial: ele queria produzir um disco para ela. "Bem que eu
poderia usar minha influência por ai enquanto a tenho", explicou ele.
Kurt freqüentemente ligava para Jesse Reed no meio da noite — ele
sabia que Jesse sempre seria um ouvido solidário. Tinha havido uma
mudança gradual nas amizades de Kurt á medida que crescia sua fama e
seu consumo de drogas. Kurt e Dylan eram mais íntimos do que nunca, mas
muito de seus velhos amigos haviam ficado á beira do caminho — muitos
agora eram incapazes de contatá-lo devido ás barreiras de sua fama e á
programação de viagens. Os velhos amigos de Kurt se queixavam de que
Courtney havia se tornado uma cunha; ás vezes, quando eles ligavam, ela
desligava o telefone, achando que eles eram parceiros de droga e querendo
proteger Kurt do vicio.
Para conselhos e amizades, Kurt dependia cada vez mais daqueles
a quem contratava. O co-empresário Danny Goldberg assumia um papel
mais importante, tal como Alex MacLeod e Jef Mason, membros da equipe.
Mas suas confidências raramente se estendiam agora aos outros integrantes
do Nirvana. O relacionamento entre Krist e kurt havia mudado depois do
casamento: embora os dois falassem de assuntos da banda, o tempo de
interação social havia terminado." Eu me lembro de ter entrado em grandes
brigas com Kurt pelo telefone", diz Krist, "e ao final do telefonema ele dizia:
"Bem, as coisas vão melhorar", E eu respondia: "É, as coisas vão melhorar.
Era nesse ponto que concordávamos, só para nos sentimos melhor com as
coisas." E embora Dave e Kurt tivessem sido como irmãos quando moraram
juntos, ao final de 1992, Kurt falava abertamente em demitir Dave sempre
que estava descontente com algo que o baterista havia feito, fosse dentro ou
fora do palco.
Uma das amizades mais incomuns que Kurt formou em 1992 foi
com Buddy Arnold, um auto-intitulado "ex-drogado baterista de jazz judeu
esquisitão", Arnold administrava o Programa de Ajuda a Músico, que
fornecia indicações de tratamento. Na primeira vez que se encontraram em
1992, Kurt olhou desconfiado para o senhor de idade, calvo e magro, e
perguntou: "Você já usou drogas?". "Só heroína", respondeu Arnold, "e
apenas por 31 anos." Isso foi o bastante para cimentar a confiança de Kurt.
Quando estava em Los Angeles, Kurt passava pelo condomínio de Arnold,
mas raramente queria conversar sobre tratamento: o que ele mais queria
ouvir falar era de Charlie Parker, Billie Holiday e outras legendas que Arnold
havia conhecido.
Arnold tentava introduzir passagens de alerta sobre com as drogas
os haviam destruído. Kurt escutava educadamente, mas sempre levava a
conversa de volta aos grandes artistas.
No dia 24 de outubro, Kurt voltou a se reunir com krist e Dave
para começarem a trabalhar no próximo disco. Haviam decidido voltar a
fazer demos com Jack Endino na mesma mesa de mixagem utilizada em
Bleach. Embora trabalhassem em seis canções, apenas "Rape Me" avançou
bastante.
Courtney e Frances passaram pelo estúdio na sessão da segunda
noite, Kurt fez a tomada final para "Rape me" com frances sentada em seu
colo. A sessão terminou quando chegou um paciente terminal de dezessete
anos de idade, da Fundação Make-A-Wish, e a banda comprou pizza para ele
Encerraram o mês de outubro com um show em Buenos Aires de
50 mil fãs. As ofertas para participarem desses mega concertos envolviam
quantias enormes e Kurt agora ocasionalmente as aceitava. Mas o show era
sofrido, tanto para a banda como para a platéia: o Nirvana tocava os acordes
de aberturar de "Teen Spirit", mas não tocava a música, e a multidão quase
chegava ao motim em sua decepção.
Kurt também sentiu falta de Frances — foi um de seus primeiros
compromissos de excursão sem ela. No inicio de novembro, Kurt e Courtney
se mudarem para o hotel Fourt Season Olympic em Seattle, registrando-se
sob o nome "Bill Bailey", o nome verdadeiro de Axl Rose. Eles ficariam
hospedados por quase dois meses e atingiriam uma conta de 36 mil dólares
até que o elegante hotel os expulsasse. Eles acabariam sendo expulsos de
todo hotel de luxo em Seattle e obrigados a passar para alojamentos mais
modernos. Não era o seu consumo de deixar os tapetes queimados de cigarro
e os quartos irreparavelmente destruído. "Eu sempre dava gorjeta para as
arrumadeiras", lembra a babá Jackie Farry, "Mas chegava um ponto em que
o Hotel dizia: "Não queremos negócio com você".
No restaurante do Jardim do Four Seasons, Courtney concedeu
uma entrevista a Gillian Gaar, da revista The Rocket, uma semana antes do
dia de Ação de Graças.
Courtney falou principalmente do disco do Hole que estava para
ser lançado — mas fazia um comentário sobre seu marido. "O conceito todo
de que o homem é muito fraco e não toma suas próprias decisões — alguma
vez alguém já afirmou isso sobre o disco dele? Alguém já afirmou isso sobre
meu disco? Você está falando sobre duas pessoas que absolutamente não
são estúpidas!". Ela atacava o sexismo do Rock,em que "uma mulher, é
claro, só pode usar a xoxota para chegar a algum lugar. Os homens podem
sobreviver simplesmente fazendo música boa".
A entevista da Rocket foi a primeira do que seria uma campanha
mais ampla de controle de danos — o casal se sentia tão queimado pela
matéria da Vanity Fair que domeço a incentivar pedidos de entrevista de
jornalistas solidários. A Spin solicitou a Jonathan Poneman, da Sub Pop,
que traçasse um perfil dos dois, e a matéria, intitulada "Valores Familiares",
pintou um retrato de pais amorosos e superprotetores. "Sabíamos que
poderíamos dar [a Frances] o que não havíamos recebido", disse Courtney a
Poneman, "Lealdade e compaixão, encorajamento.
Sabíamos que podíamos lhe dar um verdadeiro lar e estragá-la
de tanto mimá-la." Mais eficaz que o artigo, porém, eram as fotos de kurt e
Courtney brincando com a filha. As Fotos evidenciavam que eles eram uma
família extraordinariamente bonita — Frances era uma criança linda que
parecia saudável e bem cuidada.
Durante o mês de outubro, Kurt passou obsessivamente muitas
horas redigindo anotações para o encarte de Incesticide, um disco de lado Bs
programado para lançamento antes do Natal: ele pintou também para a capa
do disco um bebê agarrado a um pai alienígena contemplando papoulas.
Redigiu pelo menos vinte versões diferentes dos comentários do encarte e
utilizou esse foro para criticar severamente o que ele percebia como sua
crescente lista de inimigos. Em uma delas, Kurt contestava sua imagem de
alguém controlado por outro: "Um grande "Fodam-se" para você que se
atrevem a afirmar que sou ingênuo e estúpido a ponto de permitir que se
aproveitem de mim e me manipulem".
Naquele outubro, os empresários de Kurt sugeriram que ele
considerasse a publicação de uma biografia autorizada capaz de dissuadir
outras matérias prejudiciais da imprensa. Ele concordou, decidindo que, se
contasse a história de sua vida — mesmo que esta fosse controversa —, isto
lhe daria controle sobre o que diriam dele. A Gold Mountain consultou
Michael Azerrad, que em outubro começou a trabalhar em um livro feito com
a cooperação de kurt. Para a capa, Kurt chegou a criar uma pintura a óleo
que não foi usada. Ele deu uma série de entrevista a Azerrad naquele
outono, e embora contasse principalmente a verdade, como aconteceu em
sua entrevista com Hilburn, ele muitas vezes levou o escritor a uma cena
menor e mais leve para ignorar a paisagem escura mais ampla. Assim sendo,
o livro de Azerrad incluía as francas admissões de Kurt sobre problemas com
drogas, embora a extensão de seu hábito fosse minimizada. Quando Kurt leu
a versão final, fez apenas duas alterações factuais, mas deixou passar
muitas de suas histórias míticas, desde a das armas no rio até a da morada
debaixo da ponte.
Na segunda semana de novembro, Kurt participou de um sessão
de fotos para a Monk — ele estaria na capa da edição de Seattle da revista.
Ele chegou sozinho ao estúdio de Charlie Hoselton e, ao contrário da maioria
das sessões de fotos, cooperou inteiramente. "Vamos combinar o seguinte",
disse Kurt a Hoselton. "Eu vou ficar o tempo que você quiser, farei tudo o
que você quiser, e você só terá de fazer duas coisas para mim: desligue o seu
telefone e não atenda porta se alguém bater." Courtney já havia ligado cinco
vezes para o estúdio atrás dele.
Os editores da Monk o convenceram a vestir-se como um
madeireiro e a posar com uma motosserra. Em certo momento das tomadas,
Kurt ousou sair dos limites, e quando Hoselton lhe pediu que posasse diante
da máquina de café expresso. Kurt foi além — afastou o balconista para o
lado e fez um café.
Um mês depois, quando Kurt concedeu uma entrevista a The
Advocate um semanário gay, o jornalista Kevin Allman encontrou o casal
num clima surpreendentemente doméstico — Courtney estava se
aprontando para levar Frances para um passeio num carrinho de bebê.
Quando Allman comentou que eles não se pareciam em nada com Sid e
Nancy, Kurt respondeu: "É simplesmente espantoso que neste momento da
história do rock-and-roll as pessoas ainda estejam esperando que seu ídolos
encarnem arquétipos clássicos do rock, como Sid e Nancy. Supor que
sejamos exatamente iguais porque tomamos heroína durante algum tempo
— é muito ofensivo esperar que sejamos daquele jeito". A entrevista era de
longo alcance e mostrava Kurt brincando com os leitores homossexuais da
revista. Ele afirmou mentirosamente que havia sido preso por pichar o
grafite "Homo SeX Rules" [O homossexualismo é o máximo"] em Aberdenn, e
falou sobre seu apoio aos direitos dos homossexuais. Ele tornou a contar o
caso Axl Rose/MTV Awards, mas exagerou afirmando que Rose estava
acompanhado por "cinqüenta guarda-costas: idiotas enormes, gigantes,
clinicamente mortos, prontos para matar "eu sou uma pessoa muito magra.
Todo mundo acha que estamos tomando drogas novamente, mesmo as
pessoas com quem trabalhamos. Acho que terei de me acostumar com isso
para o resto da minha vida".
Kurt admitiu que o ano anterior tinha seu período menos prolífico.
Pelo menos estava lendo livros, afirmou ele, entre os quais, Perfume, de
Patrick Suskind, pela segunda vez: ele também professou ser fã de trabalho
de Camille Paglia — esta era uma das muitas influências de que Courtney
gostava. Ele falou sobre pintura e disse que fazer bonecas havia sido sua
principal expressão artística ultimamente. "Eu as copio de revista de
colecionadores de bonecas", explicou ele. "Elas são de argila. Eu as asso e
depois as faço parecer muito velhas e visto roupas velhas nelas." Quando
solicitado a dizer algumas palavras finais, ele deu uma respostas que não
parecia sair de alguém com 25 anos: "Eu não tenho o direito de julgar nada".
Em meados de novembro, o tribunal de Los Angeles relaxou as
restrições aos Cobain e Jamie, a irmã de Courtney, partiu. Durante seu
período de três meses de tutela de Frances, Jamie tinha se mostrado uma
mestra rígida, raramente permitindo que Kurt e COurtney passassem tempo
com a filha sem supervisão. Com a partida de Jamie, Jackie continuou a
impor regras, protegendo o bebê dos pais quando estes estavam altos. Jackie
cuidava do grosso das fraldas e da alimentação, embora freqüentemente
depositasse Frances junto aos pais na hora de dormir. "Às vezes, Kurt dizia:
"Eu realmente desejo vê-la", conta Farry. "E eu a trazia, mas Kurt realmente
não estava tão disposto assim, e por isso eu a levava de volta porque ele
estava caindo no sono." No entanto, quando Kurt e Courtney estavam
sóbrios, eles eram pais afetuosos e muito carinhosos.
Durante os meses fianis de 1992, Kurt finalizou diversas canções
para seu próximo disco — ao qual ele ainda estava chamado de Eu me Odeio
e Quero Morrer —, e a maioria delas era sobre sua família, velha e nova. Ver
o pai assombrava Kurt, e Don se tornou personagem central neste ciclo de
canções mais recentes.
Em Serve the Servants, Kurt elaborou sua letra mais
autobiográfica, começando com uma referência direta á mania em torno de
Nevermind: "Teenage Angst has paid off well/ Now i'm bored and old" [A
angústia adolescente conpensou/ Agora estoum entediado e velho"]. Havia
provocações a seus críticos ("self-approinted judges judge" ["juizes
autonomeados julgam"]) e ao modo como Courtney havia sido tratada pela
imprensa ("if she floats, then she is not a whitch" ["se ela levitar, ela não é
uma bruxa"]). Mas a maior parte da canção era sobre Don, com os malafamados
versos: "I tried hard to have a father/ But instead i had a dad", No
estribilho, Kurt minimizava o mais importante evento isolado de sua vida:
"This endary divorce is such a bore" ["Esse divórcio homérico é uma grande
chateação"]. Quando interpretou a canção, cantou a frase como se fosse um
refugo, mas em sua primeiras versão da letra, ele a escreveu com o dobro do
tamanho e a sublinhou três vezes.
Embora nenhuma explicação fosse necessária. Kurt rascunhou
longas notas para a canção. "Acho que esta canção é para meu pai",
escreveu ele, "que é incapaz de comunicar-se ao nível afetivo no qual eu
sempre esperava. A meu próprio modo, decidi informar meu pai que eu não
o odeio. Simplesmente não tenho nada a dizer a ele e não preciso de um
relação pai-filho com uma pessoa com quem não quero passar um Natal
aborrecido. Em outras palavras: eu te amo; não te odeio; não quero falar
com você." Depois de escrever, Kurt reconsiderou — riscou a maior parte.
Na primavera seguinte, kurt também escreveu para Don uma carta
não enviada, refletindo sobre como Frances o havia mudado: Sete meses
atrás, resolvi me colocar numa posição que exige a mais alta forma de
responsabilidade que uma pessoa pode ter . Uma responsabilidade que não
deveria ser imposta.
Toda vez que vejo um programa de televisão mostrando crianças
agonizantes ou assisto ao testemunho de um pai que recentemente perdeu o
filho, não consigo deixar de chorar. A idéia de perder minha filha me
assombra todo dia. Fico até um pouco apreensivo em levá-la no carro com
medo de me envolver num acidente. Juro que se algum dia eu me encontrar
em uma situação semelhante [a que] você esteve (isto é, o divorcio), lutarei
até a morte para manter o direito de cuidar de minha filha.
Farei o impossível para lembra-la que a amo mais do que a mim
mesmo. Não porque esta seja o dever de um pai, mas porque eu quero, por
amor. E se Courtney e eu acabarmos nos odiando visceralmente, seremos
adultos e responsáveis o bastante para sermos cordiais entre nos quando
nossa filha estiver por perto. Sei que você durante anos achou que minha
mãe de algum modo fez lavagem cerebral em Kim e em mim para que o
odiássemos. Não consigo enfatizar suficientemente o quanto isso é
totalmente inverídico, e penso que isso é uma desculpa muito preguiçosa e
esfarrapada para você não se empenhar seriamente em cumprir suas
obrigações paternas. Não consigo me lembrar de uma única vez em que
minha mãe falasse besteira sobre você senão muitos mais tarde no jogo, bem
ao final dos últimos dois anos do colegial. Aquela foi uma época em que
cheguei as minhas próprias conclusões sem a necessidade de nenhuma
contribuição da minha mãe. No entanto, ela notou meu desprezo por você e
sua família, e agiu em consonância com meus sentimentos aproveitado a
oportunidade para desabafar suas frustrações em relação a você. Toda vez
que ela falava mal de você, eu a fia saber que não gostava disso, e o quanto
achava aquilo desnecessário. nunca tomei partido a seu favor ou a favor da
minha mãe, porque enquanto eu estava crescendo, sentia igual desprezo por
ambos.
Mais reveladora ainda era uma colagem que Kurt criou em seu
diário, em que ele tirou a foto do livro do ano de Don e colou próximo a uma
foto de seu representante A&R, Gary Gersh. Acima da foto de Don, ele
escreveu "Papai Velho", com a legenda: "Me fez penhorar minha primeira
guitarra. Insistiu que eu praticasse esportes". Acima de Gersh, ele escreveu
"Papai Novo", sem legenda. Abaixo da colagem, Kurt colou várias ilustrações
de antigos manuais médicos de corpos deformados e acrescentou o seguinte
cabeçalho: "Os muitos humores de Kurdt Kobain". Sob o humor "Bebê", ele
usou uma imagem de um homem se mijando: sobre um homem magricelo,
ele escreveu "valentão", para descrever seu humor: e, no único homem
normal, ele corrigiu a camisa do sujeito para que nela estivesse escrito
"Bratmobile" ["pivete-móvel"] e desenhou nele uma seringa, para o humor
"atrevido".
Kurt e Courtney passaram o fim do ano de 1992 em Seattle vendo
os Supersuckers no clube Rkcndy na véspera do Ano-Novo. Depois, numa
festa, Kurt encontrou-se casualmente com Jeff Holmes, um promotor de
shows local. Conversaram sobre música e quando surgiu o assunto dos Meat
Puppers, Holmes disse a Kurt que conhecia a banda. Holmes ligou para Curt
Krikwood e passou o telefone para Kurt. Era o inicio de uma amizade entre
os Meat Pupperts e o Nirvana e que acabou levando a um colaboração.
Com o ano se encerrando, Kurt e Courtney compilaram uma lista
daqueles a quem eles pretendiam enviar cartões de Natal. Foram incluídos
todos os suspeitos de sempre e alguns destinatários improváveis; Eddie
Vedder, Axl Rose e Joe Strummer. Ao lado do nome de Strummer, Courtney
sugeriu que escrevessem: "Obrigado por incitar sua amiga Lynn Hirscheberg
contra nós, ela realmente é muito gentil e honesta. Dê a ela nossos melhores
votos de consideração, sim?". O Cartão que enviaram a Susan Silver, a
empresária do Soundgarden, era endereçado a "nossa fonte interna favorita",
já que eles acreditavam — erroneamente — que Silver fosse a origem das
citações da Vanity Fair.
Constavam tambpem da lista para cartões de Natal duas pessoas
de quem o casal era realmente próximo — o dr. Paul Crane, que havia feito o
parto de Frances, e o dr. Robert Fremont. Na verdade, pelas contas feitas
para Kurt pela Gold Mountain, os Cobain haviam gasto 75.932,08 dólares
em despesas médicas entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 1992. Quase
metade disso foi para os médicos envolvidos em seu tratamento para drogas
— 24 mil dólares só para o dr. Michael Horowitz, a quem Courtney mais
tarde processou, alegando que ele liberara registros médicos para a
imprensa. O dr. Fremont cobrou 8.500 dólares por seu tratamento e pela
buprenorfina que lhes forneceu. Algumas contas se referiam a préreabilitação
e representavam honorários cobrados por medico do "Dr.
Feelgood", que haviam receitado narcóticos. Embora Kurt estivesse
finalmente ganhado dinheiro grosso com Nevermind 9as vendas totais
haviam atingido 8 milhões de cópias), essas contas médicas evidenciavam o
quanto de 1992 tinha sido consumido em suas batalhas pela saúde.
Kurt revelou mais detalhes financeiros na entrevista á revista The
Advocate; ele ganhou mais de 1 milhão de dólares em 1992, "dos quais 380
mil foram para impostos, 300 mil para [comprar a] casa [de Carnation]: o
restante foi para médicos e advogados, e as nossas despesas pessoais foram
de 80 mil dólares isto está incluído aluguel de carros, alimentação e tudo.
Não é muito; definitivamente não é o que Axl gasta por ano". Suas contas
legais consumiram 200 mil dólares. Embora a renda de Kurt tivesse se
elevado incrivelmente em relação ao ano anterior, ele estava gastando
dinheiro mais depressa do que conseguia ganhar.
Duas semanas antes do Natal, Incesticide, a coletânea de refugos e
lados Bs do Nirvana, era lançado. O disco entrou nas paradas da Billboard
no 51º lugar, um feito notável, considerando que não se tratava de material
novo. No prazo de dois meses o disco venderia mei milhão de cópias sem
grandes campanhas promocionais nem excursões.
Os únicos shows que o Nirvana fez naquele mês de janeiro foram
dois mega shows no Brasil, pagos por enorme cachês. O show de 16 de
janeiro em São Paulo atraiu a maior multidão para a qual o Nirvana já tocou
— 110 mil —, e tanto a equipe com a banda se lembram dele como a pior
apresentação que já haviam feito. O Show se realizou com um ensaio de
última hora e Kurt estava nervoso; para piorar as coisas, ele havia bolinhas
com bebida alcoólica, o que o deixou lutando para encontrar um acorde. A
apresentação da banda incluía mais cover do que canções do Nirvana. Eles
tocaram "Seasons in the Sun" de Terry Jacks, "Kids in America" de Kim
Wilde, "Should I Stay or Should i Go" do Clash, além de "Rio" do Duran
Duran.
Para um cover de "We Will Rock You" do Queen, Kurt mudou a
letra para "We Will Fick You". Com trinta minutos de show, Krist atirou seu
baixo em Kurt e saiu correndo. "Era a comédia dos erros", lembra o técnico
de guitarra Earnie Bailey. "Todo mundo começou a jogar frutas neles, no
clássico gesto de vaudeville. Estávamos nos perguntando se conseguiríamos
sair de lá sem que a van fosse destruída." Por fim, Krist foi localizado e
arrastado de vota para o palco pela equipe — se a banda não tocasse 45
minutos, eles não cumpririam o contrato, o que significaria nada de cachê.
Como se verificou, nem o enorme cachê cobriu os custos do equipamento
que a banda destruiu.
Krist mais tarde descreveu o show como uma "pane mental",
enquanto uma revista brasileira era menos gentil: "Eles não eram o
verdadeiro Nirvana: ao contrário, era apenas um Cobain deprimido fazendo
barulho com sua guitarra".
Kurt estava deprimido e se tornara suicida naquela semana. A
banda tinha uma semana até seu próximo show no Rio e o plano original era
trabalhar no disco que seria lançado. Mas quando se registraram no
altíssimo prédio do hotel no Rio, kurt, depois de uma discussão com
Courtney, ameaçou se jogar lá de cima. "Eu pensei que ele fosse pular de
uma janea", lembra Jeff Mason. Por fim, Manson e Alex Macleod o levaram
para procurar outro hotel. "Ficamos passando de hotel para hotel, mas não
conseguíamos ficar porque entrávamos em um quarto e havia uma sacada e
ele ficava pronto para saltar", explica Mason. Finalmente Mac Leod
encontrou um quarto de primeiro andar, uma tarefa não muito fácil no rio.
Enquanto o resto da banda dormia em um prédio alto e luxuoso, Kurt ficou
em um pulgueiro de um único andar.
Grande parte do abatimento de Kurt derivava da abstinência da
droga. Na excursão, sob os olhos atentos de sua banda e equipe, ele não
conseguia fugir e, se drogar, pelo menos sem sentir vergonha. Mesmo
quando ele conseguia escapulir da redobrada vigilância, um de seus maiores
temores na vida era o de ser preso comprando drogas e de isso acabar nos
jornais. Uma coisa era os criticos de rock especularem que ele estava
drogado — ele sempre poderia negar isso ou fazer o que ele normalmente
fazia, que era admitir nas entrevistas que havia usado drogas no passado.
Mas se ele fosse detido, nenhuma negação que pudesse inventar diminuiria
o fato da prisão. Para reduzir seu desejo ardente por heroína, ele usava
qualquer intoxicante que conseguisse encontrar — bolinhas ou birita —,
mas esta era uma fórmula muito menos confiável.
A noite passada no hotel térreo pareceu ajudar. No dia seguinte,
kurt apareceu no estúdio aliviado, com vontade de trabalhar. Ele tocou a
primeiríssima versão de "Heart-Shaped Box", uma canção que resultava de
uma parceria com Courtney.
APesar do humor anterior de Kurt na viagem, assim que ele
começou a gravar, saiu de sua melancolia. "Houve alguns momentos que
foram musicalmente positivos", observa Mason. Durante os intervalos entre
as canções do Nirvana, Courtney e a nova baterista do Hole, Patti Schemel,
trabalhavam em algumas canções de Courtney.
A viagem da banda ao Brasil se encerrou com outro concerto
gigante, no dia 23 de janeiro. na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro. Este
show foi mais profissional que o de São Paulo, e eles fizeram a estréia de
"Heart-Haped Box" e "Scentless Apprentice", que, neste formato, se estendia
por dezessete minutos.
Quando voaram de volta para casa no dia seguinte, Kurt e os
integrantes da banda estavam mais uma vez intimistas quanto ás próximas
sessões de gravação do novo disco.

                     JESUS DOESN'T WANT ME FOR A SUNBEAM 



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