quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 14ª Parte


QUEIMAR BANDEIRAS AMERICANAS

Olympia, Washington,
Maio de 1991- Setembro de 1991

"Ei, quem sabe podemos viajar juntos pelos Estados Unidos
e queimar bandeiras americanas no palco?"

De uma carta para Eugene Kelly, de setembro de 1991.
KURT COBAIN E COURTNEY LOVE se entreolharam pela primeira
vez ás onze da noite de uma sexta-feira, 12 de janeiro de 1990, e em trinta
segundo estavam se engafinhando pelo chão. O cenário era o Satyricon, uma
pequena boate fracamente iluminada em Portland, Oregon. Kurt estava ali
para uma apresentação do Nirvana: Courtney viera com uma amiga que
estava namorando um membro da banda que fazia a abertura do show e que
tinha o maravilhoso nome de Oily Bloodmen. Uma personagem já
abominável em Portland, Love estava paquerando num reservado quando viu
Kurt passar, alguns minutos antes de a banda entrar no palco. Courtney
estava usando um vestido branco de bolinhas vermelhas. "Você se parece
com Dave Pirner", disse-lhe ela, dirigindo o comentário de modo a parecer
um pequeno insulto, mas também um flerte. Kurt realmente se parecia um
pouco com pirner, o vocalista do Soul Asylum, já que seus cabelos estavam
compridos e emaranhados — ele o lavava apenas uma vez por semana, e
somente com sabão em barra. Kurt respondeu com o flerte que lhe era
próprio: agarrou Courtney e derrubou-a no chão. "Foi na frente do Jukebox",
lembra Courtney, "que estava tocando minha canção favorita do Living
Color. Tinha cerveja no chão." Ela ficou contente por seu comentário ter
despertado a atenção, mas não esperava ser imobilizada no chão por aquele
pivete. Por seu lado, Kurt não imaginava que sua oponente fosse tão difícil:
ela era uns oito centímetros mais alta do que ele e mais forte. Sem a
experiência que tinha de luta romana no colégio, ela poderia ter vencido a
luta. Mas a rolada pelo chão era apenas de troça e ele a levantou com os
braços e lhe fez uma oferta de paz — um adesivo do do Chim Chim, o
macaco do Speed Racer que ele havia feito seu mascote.
Conforme Kurt contou mais tarde a Michael Azerrad, ele sentiu
atração imediata por Courtney: "Achei-a parecida com Nancy Spungen. Ela
parecia uma gatinha clássica do Punk Rock. Eu me senti meio que atraído
para ela. Provavelmente eu queria transar com ela naquela noite, mas ela foi
embora".
Sem dúvidas, as sugestões de Kurt eram apócrifas — Tracy estava
com ele em Portland e, apesar de seu encantamento, não teria sido do seu
feitio trair. Mas a ligação ente Kurt e Courtney era sexual: lutar era um
fetiche de kurt, e um oponente tão digno quanto Courtney era um
estimulante maior.
Eles se separaram naquela noite, mas Courtney acompanhou a
carreira do Nirvana do mesmo modo que um lançador de beisebol na liga
Americana acompanharia as façanhas de um jogador da Liga Nacional. Ela
lia os noticiários sobre o Nirvana na imprensa do Rock, e pregou o adesivo
de Chim Chim de kurt na caixa de sua guitarra, embora não tivesse
convencida sobre a banda — as músicas iniciais do grupo eram muito
metaleiras para ela.
Como a maioria dos críticos de rock na época, ela preferia o
Mudhoney, e, depois de ouvir "Love Buzz" em uma loja de discos, não quis
comprar o single. Vendo a banda em concertos mais tarde, ficou mais
impressionada por sua aparência física estranha: "Krist era realmente
grande, muito grande", observa ela, "e diminuía Kurt a ponto de não se
poder ver como Kurt era uma gracinha, porque ele parecia um menino
minúsculo".
Sua opinião sobre o Nirvana, e o menino minúsculo, mudou
completamente quando ela comprou o single "Sliver" em outubro de 1990.
"Quando o pus para tocar", lembra ela, "fiquei tipo'Oh, meu Deus — eu
sentia falta disto!." No lado b tinha "Dive", que se tornou sua canção favorita
do Nirvana. "È tão sexy, e sexual, e estranha, e assombrada", comenta ela.
"Eu a achei genial." Quando a amiga de Courtney, Jennifer Finch, se
envolveu com Dave Grohl no final de 1990, o Nirvana e Kurt se tornaram um
tópico freqüente de suas conversas de menina. Elas apelidaram Kurt de
"Carne de Pixie", por causa de seu tamanho diminuto e da veneração de Kurt
pelos Pixies. Courtney confessou a Grohl que estava encantada com Kurt, e
quando Dave lhe disse que Kurt estava subitamente solteiro, Courtney
enviou a Kurt um presente destinado a transferir a luta romana para uma
arena diferente. Era uma caixa em forma de coração, contendo uma
minúscula boneca de porcelana, três rosas secas, uma xícara de chá de
miniatura e conchas marinhas envernizadas. Ela tinha comprado a caixa de
seda e renda na Gerald Katz Antiques em Nova Orleans, e antes de enviá-la
esfregou seu perfume na caixa como um toque mágico. Quando a caixa
perfumada chegou em Olympia, era a coisa de melhor cheiro no apartamento
da rua Pear, embora esta distinção não fosse difícil de alcançar. Kurt ficou
impressionado com a boneca: em 1990, as bonecas eram um dos muitos
meios que utilizava para seus projetos de arte. Ele repintava suas faces e
colava cabelo humano sobre suas cabeças.
As criaturas resultantes eram bonitas e também grotescas,
parecendo simultaneamente cadáveres de crianças e bonecas. Kurt e
Courtney se encontraram pela segunda vez em maio de 1991, durante um
concerto do L7 no Palladium, em Los Angeles. Kurt estava nos bastidores
tomando xarope expectorante diretamente do frasco. Com um toque do
destino, que lembrava seu primeiro encontro com Tracy e o gosto que ambos
tinham por ratos,
Courtney abriu sua bolsa e mostrou seu próprio frasco de xarope,
uma marca mais poderosa. Eles se engalfinharam novamente pelo chão, mas
dessa vez era mais uma procura no escuro do que um desafio físico. o astral,
de acordo com os que o testemunharam, era muito sexual. Quando Kurt a
deixou levantar-se, a tensão diminuiu e eles falaram do ofício. Courtney foi
rápida em se vangloriar de que sua banda, o Hole, tinha acabado de gravar
Pretty on the Inside, com produção de Kim Gordon do Sonic Youth: Kurt
falou sobre o próprio disco, que ainda estava em produção. Kurt costumava
ficar submisso ao encontrar alguém pela primeira vez, mas, no esforço de
impressionar Courtney, citou todos os nomes e credenciais que conseguiu —
ele claramente queria ficar acima dela. Como kurt logo descobriu, poucos
poderiam obter uma vantagem verbal sobre Love. Ela sabia muito mais sobre
o ramo musical do que ele, e a carreira do Hole estava se acelerando tão
depressa quanto a do nirvana na ocasião. Ela era uma igual, se não uma
mentora para Kurt, em sentidos que iam muito além de Tobi.
Na conversa entre os dois, Kurt revelou que estava hospedado nos
Oakwood Apartments: Courtney lhe disse que morava a poucas quadras
dali. Ela anotou seu número de telefone num guardanapo de papel e disse a
Kurt que ligasse para ela um dia desses. Ela estava paquerando seriamente,
e ele lhe devolvia a paquera. Quebrando todas as regras de namoro, ele ligou
para ela mais tarde naquela noite, ás três da manhã, parecendo o infeliz
namorado abandonado do filme Swingers, Curtindo a noite. "Havia muito
barulho no fundo", lembra Courtney.
Kurt fingiu que estava telefonando apenas porque queria saber
onde ela conseguira o xarope para tosse — ele passara a preferir xarope em
lugar de todos os demais intoxicantes naquela primavera. Mas o que ele
realmente queria falar mais com ela. E, como Kurt descobriu, Courtney era
capaz de falar mesmo. Nesta noite, sua voz normalmente retumbante era
apenas um sussurro — seu ex-namorado e parceiro de banda, Eric
Erlandson, estava dormindo no quarto ao lado. Na época, ela também estava
em uma relação interurbana com Billy Corgan do Smashing Pumpkins.
Conversaram durante quase uma hora e foi uma conversa que
Kurt se lembraria por semanas a fio. Embora ele fosse normalmente direto e
de pavio curto ao telefone, de vez em quando havia pessoas que conseguiam
puxar nele o conversador, e Courtney era uma delas. Ele foi capaz de dizer
coisas ao telefone que não conseguira falar pessoalmente poucas horas
antes. Kurt mencionou a caixa em forma de coração e agradeceu Courtney
por ela. Comoveu-a ele ter notado, mas logo ela passou para outros
assuntos, vomitando uma conversa solta que incluía produtores, críticos,
Sonic Youth, tocar guitarra, marcas de xarope e composição de música,
entre outras escalas breves na conversa. Ela passava de um assunto a outro
do modo como alguém muda os canais no controle remoto da televisão.
Quando kurt descreveu a conversação a seu amigo Ian Dickson, começou
declarando:
"Conheci a garota mais legal do mundo", como Dickson, e seus
outros amigos, passaram a reclamar naquele mês de maio, "Kurt não parava
de falar nela. Era "Courtney diz isso" e "Courtney diz aquilo". Cinco meses se
passariam até que eles se encontrassem novamente, perguntando-se sobre
se tinha sido real ou apenas um sonho induzido por drogas provocado por
excesso de xarope expectorante.
No começo de junho, Vig terminou o disco do Nirvana e a banda
iniciou o processo laborioso de supervisionar mixagem, masterização e
criação de capa e vídeo. O orçamento inicial para a gravação tinha sido de 65
mil dólares, mas até que o disco estivesse concluído dois meses mais tarde,
as despesas seriam de mais de 120 mil dólares. Vig tinha feito um trabalho
admirável capturando o poder dos shows ao vivo do Nirvana em um disco de
estúdio, ainda que suas mixagens não fossem do gosto dos empresários da
gravadora e do Nirvana.
A carreira do Nirvana estava sendo dirigida agora por três homens:
os co-gerentes John Silva e Danny Goldberg da Cold Mountain, e Gary
Gersh da DGC. O trio assumiu a difícil tarefa de convencer Kurt de que o
disco precisava de remixagem. Andy Wallace, que tinha trabalhado com
espetáculos tão diversos quanto Slayer e Madonna, foi chamado. "A mixagem
de Wallace foi um fator determinante para fazer daquele disco o que ele foi",
observa Goldberg. Wallace mixou as trilha básicas de um modo que as fazia
soar poderosas no rádio: ele criou uma separação entre a guitarra e a bateria
que criavam um vigor sonoro que havia estado ausente nas gravações
anteriores do Nirvana. na época, Kurt concordou com esta direção, embora
mais tarde afirmasse que isto fez o disco soar "covarde". "Uniformemente",
lembra Wallace, "todos nós queríamos que a gravação soasse a maior e mais
forte possível."
Foi apenas no inicio de junho que kurt concordou com um título
definitivo para o disco. Ele desistira de Sheep, achando-o imaturo. Um dia
ele sugeriu a Krist que o chamassem Nevermind. Para Kurt, o titulo
funcionava em vários níveis: era uma metáfora para sua atitude diante da
vida: era gramaticalmente incorreto, combinando duas palavras em uma,
sempre uma vantagem para Kurt: e vinha de "Smells Like Teen Spirit", que
estava se tornando a canção mais falada das sessões de gravação. Embora a
banda tivesse entrado no estúdio convencida de que "Lithium" era o sucesso,
no momento em que o disco foi concluído, "Teen Spirit" estava sendo
alardeada como o primeiro Single.
Kurt tinha passado dois anos planejando comentários para encarte
e vários conceitos para a capa do disco, mas no inicio de 1991 ele jogou fora
todas as suas idéias e começou do nada. Naquela primavera ele tinha visto
um programa de televisão sobre parto subaquático e pediu para a gravadora
tentar conseguir
tomadas do programa, sem sucesso. Por fim, Kurt traçou uma
idéia ligeiramente diferente em uma folha de caderno: era um bebê nadando
debaixo d'água, perseguindo uma nota de um dólar. Era uma imagem
marcante e inicialmente houve certa controvérsia acerca da proeminência do
pênis do bebê. Para o verso da capa, Kurt insistia numa imagem de Chim
Chim descansando sobre uma colagem vagina/carne. Para as fotos da
banda, Kurt havia contratado o fotógrafo Michael Lavine, residente em Nova
York, que voou para Los Angeles no começo de junho. Kurt o cumprimentou
com um abraço e imediatamente em seguida exibiu uma enorme ferida
dentro de sua boca. Ele também estava com as gengivas muito
infeccionadas, resultado de pouca escovação. Sem jamais gostar de ser
fotografado, Kurt se preparou para a sessão tomando uma garrafa inteira de
uísque Jim Beam. mas, apesar da infecção, Kurt estava de bom humor e
sorria muito. "Ele era realmente engraçado e amistoso", lembra Lavine.
"Comemos tacos, caminhamos e fizemos fotos." Quando chegou o momento
de escolher as fotos finais para a capa interna,
Kurt escolheu uma foto na qual ele mostra o dedo médio da mão.
na segunda semana de junho, o Nirvana voltara a excursionar, sua única
fonte real de renda. Fizeram um vaivém de duas semanas pela Costa Oeste
com o Dinossauro Jr. e o Jesus Lizard. Eles agora estavam tocando as
canções de Nevermind, embora o disco estivesse a meses de distancia do
lançamento e, a cada show, "Teen Spirit" obtinha uma resposta maior da
platéia. Kurt voltou a Olympia com dinheiro suficiente para comprar um
carro: seu velho Datsun havia sido guinchado para um depósito de ferrovelho.
No dia 24 de junho, ele comprou de um amigo um Plymouth Valiant
bege 1963 por 550 dólares. Embora o carro tivesse 140 mil milhas rodadas,
estava em bom estado e os amigos de Kurt comentaram que parecia um
carro para ser dirigido por uma avó. Ele o dirigia muito devagar quando
andava em Olympia — ele achava que dirigir a uma velocidade quinze
quilômetros abaixo do limite reduziria o desgaste do motor.
Kurt e Tobi mantinham a amizade e ambos continuavam a falar no
disco que queriam fazer juntos. A única outra mulher na vida de Kurt na
época era Carrie Montgomery, a antiga namorada de Mark Arm, de quem ele
se tornara íntimo. Era uma relação platônica, embora todos do meio,
inclusive Mark Arm, pensassem o contrário. Sem namorada, Kurt estava
mais melancólico do que o habitual. Todos os seus amigos estavam
entusiasmados com o sucesso dele, mas ele não compartilhava desse
entusiasmo. Era como se o mundo estivesse realizando um desfile em sua
homenagem e todos na cidade viessem comemorar, exceto o homenageado.
Quando uma garota da Inglaterra apareceu em Olympia naquele
verão, tendo chegado de avião especificamente para encontrá-lo e dormir
com ele, ao contrário do que fazia, Kurt dormiu com ela. Depois de apenas
dois dias percebeu seu erro, embora, considerando que ele evitara o conflito,
tenha levado quase uma semana para expulsá-la. Quando o fez, ela ficou em
pé do lado de fora do apartamento da rua Pear, gritando e praguejando. Era
o tipo de incidente que imediatamente se tornara assunto de conversa de
Olympia.
Combinada á sua decisão de assinar com uma grande gravadora,
essa infração prejudicou sua relação com os calvinistas: rumores crescentes
sobre seu consumo de heroína só jogaram mais lenha na fogueira.
Em julho Grohl se mudou para West Seattle: Kurt ficou novamente
só e se retirou ainda mais do mundo, se isso era possível. Ele já não limitava
as orgias com drogas a uma noite por semana — quando tinha condições de
comprar e encontrasse heroína, ele tomava a droga todo fim de semana e se
distraia sozinho no apartamento. Ele escrevia menos em seu diário,
praticava menos com a guitarra e fugia do mundo.
Mesmo quando estava sóbrio, Kurt estava se tornando mais
excêntrico, ou pelo menos era o que achavam seus amigos. Ele tinha um
gatinho branco chamado Quisp e tingiu o pêlo do gato (juntamente com seu
próprio cabelo) de vermelho, branco e azul com kool-Aid. Permitiu que
Quisp, que era macho, fizesse sexo com o coelho, Stew, que era fêmea. Stew
tinha uma vagina incomum, que fascinava Kurt — seu útero se invertia, ou
seja, freqüentemente se projetava para fora. "Ele costumava pegar um lápis e
empurrá-lo de volta para dentro", observa Ian Dickson. A teoria de kurt era
que o fato de o gato fazer sexo com o coelho havia desordenado o trato
reprodutivo do coelho, embora ele não fizesse nenhum empenho para
impedir as brincadeiras dos bichos, e observar seu cruzamento interespécies
se tornara um de seus passatempos favoritos.
Naquele mês, Kurt e Dickson foram nadar numa pedreira na
periferia de Olympia e Kurt voltou para casa com dúzias de girinos que ele
havia capturado. Despejou-os no aquário, assistindo com alegria enquanto
as tartarugas comiam os girinos.
"Olhe", disse Kurt para Dickson, "dá para você ver os bracinhos e
outros pedaços flutuando no aquário." O jovem que costumava salvar
pássaros com asas quebradas agora se deliciava em observar girinos sendo
devorados por tartarugas.
Na segunda semana de julho, Kurt fez uma coisa tão atípica que,
quando Tracy ficou sabendo, tiveram de lhe contar duas vezes, já que ela
não conseguia imaginar que tivesse ouvindo falar do homem que ela amara:
Kurt vendeu suas tartarugas. Ele dizia que as vendera porque precisava do
dinheiro: não era por causa de seus compromissos, já que ele sempre
conseguia encontrar amigos para cuidar de seus bichos quando viajava.
Contava a todos que se dispusessem a ouvir que ele estava mais pobre do
que nunca, apesar de ter assinado contrato com uma grande gravadora.
Kurt queria cem dólares pelas tartarugas, mas quando o comprador ofereceu
apenas cinqüenta, ele aceitou. Tracy visitou o apartamento da rua Pear e
encontrou o extravagante aquário virado de lado no quintal.
Curiosamente, alguns girinos usados para comida de tartaruga
tinham sobrevivido e a grama estava cheia de rãs minúsculas.
No dia 15 de julho, Kurt voou para Los Angeles para trabalhar
mais na capa do disco e nas fotos promocionais. Quando voltou para
Olympia no dia 29 de julho, encontrou suas coisas guardadas em caixas ao
lado do meio-fio — ele havia sido despejado. Apesar de gravar seu disco de
estréia numa grande gravadora naquela primavera e assinar um contrato de
gravação, ele se atrasara no pagamento do aluguel. Seus vizinhos,
felizmente, tinham entrado em contato com Tracy para que ela viesse e
resgatasse os animais, mas os trabalhos artísticos de Kurt, seus diários e
grande parte de seu equipamento. Naquela noite e durante várias semanas
depois, ele dormiu em seu carro.
Enquanto Kurt dormia no assento traseiro de seu Valiant em
Olympia, seus empresários e os chefes da gravadora estavam em Los Angeles
discutindo quantas cópias Nevermind venderia. As expectativas na Geffen
tinham começado muito baixas, mas lentamente se elevaram á medida que
uma fita antecipada entrava em circulação Na verdade, as expectativas
estavam realmente mais altas fora da gravadora de Kurt do que dentro da
empresa. Em 1990 e no inicio de 1991, o Nirvana tinha se tornado a banda
da moda e a circulação antecipada se espalhou como um vírus entre
funcionários da industria da música bem informados. John Troutman era
um exemplo desse tipo: embora trabalhasse para a RCA, ele reproduziu
dezenas de cópias e as deu aos programadores de rádio e amigos
simplesmente porque ficou entusiasmado com a banda. O Nirvana havia
formado uma audiência á moda antiga, por suas incessantes excursões. Na
véspera do lançamento do novo disco, a banda estava com uma base leal de
fâs aguardando.
O Nirvana foi contratado pela DGC, um selo menor da Geffen que
tinha apenas alguns funcionários e uns dois astros de sucesso. Em
contraste, a Geffen tinha o Guns in' Roses o grupo de rock mais sucesso na
época. Os funcionários da Geffen chamavam a DGC de "Dumping Ground
Company" ["Companhia Depósito de lixo"] em lugar do que realmente
queriam dizer as iniciais, David Geffen Company, zombando que as bandas
pouco convincentes eram colocadas na DGC para não manchar o nome da
Geffen. Poucos na gravadora esperavam que o Nirvana alcançasse sucesso
logo de saída "Nas reuniões de marketing na ocasião", observa John
Rosenfelderm do setor de promoção para o rádio da DGC, "o que estava
previsto eram vendas de 50 mil cópias, já que o Sonic Youth tinha vendido
118 mil de Goo. Imaginávamos que se conseguíssemos vender metade disso,
estaríamos vendendo bem." O enigmático diretor da gravadora, David Geffen,
deixou que seu pessoal de A&R dirigisse o selo, mas Rosenfelder passou
uma fita de Nevermind para o Chofer de Geffen, na esperança de conseguir
que o chefe da gravadora respaldasse a banda.
Kurt e o resto da banda voaram de volta para Los Angeles na
metade de agosto para iniciar o trabalho promocional para o disco e preparar
uma excursão pela Europa.
A DGC estava pagando a conta do hotel para eles, um quarto de
solteiro no Holiday Inn. O quarto só tinha duas camas, por isso Kurt e Dave
toda noite tiravam a sorte na moeda para ver quem dormiria com Krist. Mas
para Kurt, qualquer cama, mesmo dividida com um baixista gigante, era
melhor que o assento traseiro de seu carro.
No dia 15 de agosto eles tocaram num show de amostras da
industria musical no Roxy. embora organizada principalmente para permitir
que os executivos da Geffen vissem sua nova propriedade, a apresentação
atraiu uma multidão de inovadores de todos os setores da industria. "Era
estranho", lembra Mark kates, diretor promocional da DGC, "Porque todos
tinham de vê-los, todos tinham de entrar." O desempenho deles
impressionou até os executivos normalmente sóbrios da geffen.
Depois do espetáculo, um vice-presidente da geffen anunciou:
"venderemos 100 mil" — duas vezes o que havia previsto duas semanas
antes.
No dia do show no Roxy, a banda havia dado sua primeira
entrevista no rádio para Nevermind na emissora universitária KXLU. John
Rosenfelder dirigia o carro que os levava enquanto eles atiravam Reese's
Peanut Butter Cups nos carros que passavam. Quando Rosenfelder disse a
Kurt que Nevermind "era musica boa para ficar chapado", Kurt respondeu:
"Eu quero uma camisa tingida com o sangue de Jerry Garcia". Como o seu
verso "O punk rock é liberdade", este comentário sobre o vocalista do
Grateful Dead foi repetido com tanta freqüência que Kurt bem poderia tê-lo
colocado em adesivos de pára-choque. Na emissora, Rosenfelder produziu
uma prensagem de teste em vinil daquilo que eles agora haviam decidido que
seria o primeiro single — isso representou a primeiríssima audição pública
de "Smells Like Teen Spirit". No trajeto de volta para o hotel, Kurt
esbravejava sobre o quanto o disco soava genial.
A banda começou a fazer o videoclipe para "Smells Like teen Spirit"
dois dias depois do show no Roxy. O conceito para o vídeo — uma reunião de
torcida que dava errado — era de Kurt. Ele definiu o tratamento básico,
descendo a detalhe, com a idéia de usar prostitutas como chefes de torcida
usando o símbolo da anarquia em seus suéteres. Ele disse a John Gannon,
operador de câmera na filmagem, que ele queria que uma "câmera-dançante"
o filmasse, "alguma coisa contra a qual eu possa bater minha cabeça". Mas
Kurt desde o começo brigou com o diretor Sam Bayer, a quem ele chamou de
"pequeno Napoleão". Na verdade, Kurt queria estar dirigindo pessoalmente o
vídeo. Bayer e Cobain entraram em uma competição de gritos, mas o diretor
conseguiu usar isto em seu benefício: Kurt estava claramente irado, o que
ajudou a vender a canção. Ele também estava bêbado, depois de ter
entornado meia garrafa de Jim Beam entre as tomadas. Kurt ajudou a editar
a versão final e acrescentou a tomada que mostrava sua face quase premida
para dentro da câmera — era a única vez que sua beleza aparecia no vídeo.
Quando a multidão saia de controle e invadia a banda, isso recriava
acuradamente alguns dos primeiros shows que apresentaram sem um palco.
havia até uma brincadeira oculta no clipe, que se perdeu para a maioria dos
que o viram, além de kurt, Krist e alguns dos "Clings-Ons" de Aberdeen. Um
zelador da escola aparecia no vídeo, empurrando um esfregão e um balde.
Era a representação de Kurt de seu emprego anterior no colégio de
Aberdeen. O pior faxineiro do colégio Weatherwax era agora o mais novo
astro do Rock americano. Dois dias depois das filmagens do vídeo, a banda
partiu para uma excursão de dez apresentações na Europa com o Sonic
Youth. Kurt tinha convencido, Ian Dickson a acompanhar a banda no
percurso. Considerando que o dinheiro era pouco, Kurt prometeu a seus
empresários que Dickson dividiria o quarto com ele. "Eu sei que John Silva
achou que fôssemos amantes", lembra Dickson.
Na época, Silva não era o único que desconfiava que Kurt era
homossexual: muitos na Geffen e na Gold Mountain supunham
erroneamente que ele era gay.
A excursão européia, em grande parte captada no filme de dave
Markey, 1991: The Year Punk Broke [1991: O ano em que nasceu o punk, foi
um divisor de águas — o Nirvana tocou para platéias fanáticas e kurt estava
excepcional jovial. Cópias antecipadas de Nevermind haviam circulado e o
futuro sucesso do disco pairava no ar como uma predestinação. Essa breve
excursão de duas semanas foi o período mais feliz de Kurt como músico. "Já
no trajeto de avião até lá", lembra Markey, "Kurt estava saltitante de
felicidade." Quando o Nirvana tocou no Reading Festival — o evento mais
influente do rock da Inglaterra —, Eugene Kelly, do vaselines, concordou em
subir ao palco e fazer um dueto em "Molly's Lips". Como diria Kurt mais
tarde, esse foi o maior momento de sua vida.
O Hole tocou em Reading — o grupo também estava em turnê pela
Inglaterra. Kurt havia topado com Courtney na noite anterior, quando o Hole
fez a abertura para o Mudhoneyh. Para provocar Courtney, Kurt saiu do
clube com duas tietes, embora mais tarde ele afirmasse que não fez sexo
com nenhuma delas. Em Reading, Courtney foi mais generosa. Quando
Markey dirigiu a câmera para ela e perguntou se ela tinha alguma coisa a
declarar, ela respondeu: "Kurt Cobain faz meu coração parar. Mas ele é um
merda".
Reading foi o primeiro show em que Kurt viu o Nirvana recebendo
atenção comparável á do Mudhoney. Apenas quatro anos antes, Kurt havia
feito seu primeiro concerto público numa cervejada e se esforçara muito para
tocar alto o bastante para abafar o barulho da multidão — agora ele estava
tocando para platéias festivas de 70 mil pessoas e no momento em que ele
foi para o microfone a massa inteira se calou, como se um príncipe estivesse
prestes a falar. "Havia uma espécie de arrogância no Nirvana naquele dia",
lembra o empresário de turnê Mac Leod. "Eles tinham confiança."
E imediatamente essa confiança se estendeu aos sentimentos de
Kurt em relação a si mesmo. Ele teve um período glorioso na excursão,
tirando partido pleno de sua popularidade ascendente. A maioria das
apresentações era de festivais que apresentavam cinco ou seis bandas, e o
clima era de festa o dia todo. "Ele se juntaram ao que parecia um circo
itinerante, Observa Markey, "e para eles não parecia ser um fardo — era
mais como se fossem férias." Mas eram férias saídas de um filme d Chevy
Chase: cada parada da excursão incluía uma briga por comida ou alguma
forma de tumulto por embriaguez. A apresentação do Nirvana normalmente
era no começo do dia e, depois de tocar, o grupo passava a tarde bebendo
por conta dos organizadores.
No momento em que o Nirvana chegou ao Festival de Pukkelpop,
na Bélbica, no dia 25 de agosto, seu comportamento era como o de membros
de uma agremiação estudantil no recesso da primavera, fazendo bagunça
nos camarins e derrubando as bandejas de comida. Durante um número de
Charles Thompson do Pixies, Kurt apanhou um extintor de incêndio nos
bastidores e o acionou. Um ano antes, ele fora tímido demais até para
conhecer Thompson: agora ele estava tentando varrer seu ídolo do palco com
o jato do extintor.
Na excursão, Kurt raramente passava por um extintor de incêndio
sem o descarregar. Nas excursões anteriores, suas tendências destrutivas
haviam sido alimentadas pela frustração com sua execução, problemas com
o som ou brigas com seus parceiros de banda. Mas a destruição durante
esse breve lapso em sua vida era motivada pela alegria exuberante. "O
período mais excitante para uma banda é pouco antes de eles se tornarem
realmente populares", contraria Kurt mais tarde a Michael Azerrad. No caso
do Nirvana, sem dúvida esse período foi agosto de 1991.
Quando a excursão chegou a Roterdã no dia 1º de setembro, foi
quase com uma ansiedade nostálgica que Kurt chegou ao último show. Ele
estava usando a mesma camiseta que vestira duas semanas antes — era
uma camisa pirateada do Sonic Youth — que não havia sido lavada, tal como
suas calças jeans, o único par de calças que ele tinha. Sua bagagem
consistia em uma bolsa minúscula contendo apenas o livro de William S.
Burroughs, Almoço nu, que ele tinha encontrado em uma banca de Londres.
Talves inspirado por sua leitura na hora de dormir, o show de Roterdã se
transformou em algo saído de um romance de Burroughs depois que Kurt
descobriu algumas fantasias nos bastidores. "kurt e Ian Dickson estavam
bebendo vodca em pródicas doses", lembra MacLeod. "Roubaram jalecos e
máscaras de médico e estavam tumultuando, incomodando as pessoas.
Quem entrasse no camarim era banhado com suco de laranja e vinho. A
certa altura, Ian estava dando votas por ali, levando kurt numa cama de
rodas de hospital. Depois subiram dois níveis acima do átrio, despejaram
suco de laranja nos guardas da segurança e saíram correndo." Era função de
MacLeod controlar essas travessuras, mas ele apenas jogava as mãos para
cima, condescendente: "Tínhamos 22 ou 23 anos de idade e estávamos
numa situação em que nenhum de nós jamais imaginara estar".
Em Roterdã, Kurt novamente encontrou Courtney num clube. Ela
se apressou a pedir carona de volta para a Inglaterra na van do Nirvana. Seu
jogo de timidez com Kurt continuava e, na travessia da balsa, enquanto a
banda assistia ao Exterminador do futuro, Courtney flertou com Dave em
uma tentativa de provocar Kurt. Quando isso falhou, ela deixou sua bolsa
com o passaporte na van e teve de ligar no dia seguinte para recuperá-la.
Courtney ficou desapontada quando Dickson e Mac Leod devolveram a
bolsa, em lugar de Kurt. Ele também estava se fazendo de tímido.
No dia 3 de setembro, o Nirvana gravou outro programa de rádio
para John Peel e depois saiu para comemorar sua última noite na Inglaterra.
Kurt insistiu que se encontrasse a droga ecstasy, que ele tomou pela
primeira vez.
No dia seguinte, voou de volta para Olympia, encerrando uma das
excursões mais alegres que ele jamais empreenderia. Ainda sem lugar para
morar, dormiu aquela noite enrolado no assento traseiro de sua Valiant. Ele
voltara para uma Olympia que havia mudado muito nas três semanas que
estivera fora, pelo menos para ele. Enquanto o Nirvana tocava em enormes
festivais na Europa, Olympia estava organizando seu próprio festival, o 50 —
act Internacional Pop Underground. O Nirvana inicialmente estava
programado para tocar no IPU, mas, depois do contrato com uma grande
gravadora, a banda não era mais um grupo independente e a ausência de
Kurt no maior espetáculo que Olympia já organizara foi notada. Marcava o
fim da sua relação com os calvinistas e o fim do seu tempo de residência
numa cidade que ele amava mais do que qualquer outra, mas uma cidade
onde ele nunca se sentia bem recebido. mas, ele certo modo, ele estava
pronto para partir. Assim como Kurt precisara se libertar da órbita de Buzz,
ele alcançara um estágio de desenvolvimento no qual tinha de abandonar
Olympia, Calvin e Tobi. Não era um transição fácil, porque ele tinha
acreditado nos ideais calvinistas de independência e estes lhe haviam
servido quando ele precisou de uma ideologia para fugir de Aberdeen. "O
punk rock é liberdade", ele tinha aprendido, uma frase que continuaria a
repetir para todo jornalista ouvir. Mas el,e sempre soube que o punk rock
era uma liberdade diferente para garotos privilegiados. Para ele, o punk rock
era uma luta de classes, mas isso sempre foi secundário á luta para pagar o
aluguel ou encontrar um lugar para dormir que não o banco de trás de um
carro. A música era mais do que uma moda passageira para Kurt — ela
tinha se tornado sua única opção de carreira.
Antes de sair de Olympia, Kurt sentou-se e escreveu uma última
carta a Eugene Kelly dos Vaselines, agradecendo-lhe por tocar com o
Nirvana em Reading. Na carta, ele demonstrava que havia começado a
separar-se emocionalmente de Olympia. O surpreendente é que ele criticava
a KAOS, a adorada emissora de rádio que havia sido um dos primeiros foros
públicos: "[...] percebi que [...] os Djs têm um terrível mal gosto em música.
Isso mesmo, e para provar o que digo, agora mesmo eles estão tocando uma
canção do Nirvana de uma demo antiga".
Ele falava do recente conflito com o Iraque: "Ganhamos a guerra. A
hipocrisia patriótica está em pleno vigor. Temos o privilégio de comprar
cards da Tempestade no Deserto, flâmulas, adesivos de pára-choque e
muitas versões em vídeo de nossa vitória triunfal. Quando caminho pela rua,
sinto como se estivesse numa manifestação em Nuremberg. E, quem sabe
podemos viajar juntos pelos Estados Unidos e queimar bandeiras
americanas no palco?".
Ele terminava a carta com ainda outra descrição das
circunstâncias, que, caso a tivesse enviado - como sempre, ele jamais a
levou ao correio —, provavelmente teria chocado Kelly e qualquer outro que
tivesse visto Kurt no palco em Reading tocando para 70 mil fãs adoradores.
"Fui despejado do meu apartamento. Estou morando em meu carro, por isso
não tenho endereço, mas aqui está o número do telefone de Krist para
recados. Seu camarada, Kurdt." naquela mesma semana, o single de "Smells
Like Teen Spirit" era colocado á venda nas lojas de discos.

THE MAN WHO SOLD THE WORLD

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