sábado, 15 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 3ª Parte



ALMÔNDEGA DO MÊS

Montesano, Washington
Julho de 1979 - Março de 1982

Sua comida e Bebida favorita são pizza e a coca-cola.
Seu dito predileto é "desculpe-se".
De um perfil no Puppy Press

EM SETEMBRO DE 1979, Kurt começou a sétima série no colégio
Montesano. Foi um marco importante e a escola começou a assumir um
papel maior em sua vida. Ele começara a ter aulas de música na quinta série
e, na sétima, estava tocando bateria com a banda da escola, um feito que ele
procurava desdenhar diante de seus amigos embora o saboreasse. A maior
parte do que estudava e praticava era de banda marcial ou bateria para
pequenos conjuntos, aprendendo a tocar tambor e surdo para canções como
"Louie, Louie" e "Tequila". A banda de Monte raramente desfilava — quase
sempre tocava em reuniões sociais ou jogos de basquete —, mas Kurt era
presença constante em todo os eventos em que ela se apresentasse.
O regente da banda, Tim Nelson, lembra-se dele como um "aluno
de música regular, comum. Ele não era extraordinário, mas também não era
sofrível". Kurt foi retratado naquele ano no anuário "Sylvan" de Montesano
tocando tambor numa convenção. tinha cabelo comprido até os ombros e
parecia um pouco com Brad Pitt mais jovem. Suas roupas tendiam para as
de um aluno de escola preparatória para a universidade — o traje típico
incluía jeans boca-de-sino, uma camisa de manga comprida listrada e tênis
Nike. Ele se vestia como qualquer outro menino de doze anos, embora fosse
ligeiramente baixo e pequeno para sua idade.
Sendo um dos meninos mais populares da escola, foi escolhido
para ter seu perfil descrito na edição de 26 de outubro de 1979 do jornal
estudantil mimeografado, o Puppy Press. O artigo tinha como cabeçalho
"Meatball of The Month" ["Almôndega do Mês"] e dizia: Kurt está na sétima
série de nossa escola. Tem cabelos louros e olhos azuis. Ele acha que a
escola é legal. A aula favorita de Kurt é a de banda e seu professor predileto
é o senhor Hepp. Sua comida e bebida favorita são pizza e a coca-cola.
Seu dito favorito e "desculpe-se [excuse you]". Sua canção favorita
é "Don't Bring Me Down", do E.L.O., e seu grupo de rock favorito, o Meatloaf.
Seu programa de tevê favorito é táxi e seu ator favorito, Burt Reynolds.
O "excuse you" era a versão de Kurt para o "excuse me" de Steve
Martin. Isto condizia com seu senso de humor torto e sarcástico, que
implicava a transposição de frases ou a formulação de perguntas retóricas
absurdas- imagine-se um Andy Rooney adolescente. Exemplo típico dessas
brincadeiras foi quando ele gritou para um Bombeiro; "Como é que você
pode estragar um incêndio tão perfeito fazendo fumaça?". Sendo um menino
pequeno, seu método de sobrevivência dentro da cultura masculina
adolescente era sair dos conflitos com piadas e menosprezar os
atormentadores com seu intelecto superior.
Kurt via televisão sem parar. Esta era uma briga constante com
Don e Jenny; eles queriam limitar suas horas diante da tela, mas ele
suplicava e gritava para ver mais. Quando lhe era recusada essa liberdade,
ele simplesmente visitava seu melhor amigo, Rod Marsh, que morava a uma
quadra de distância, e via televisão lá. Embora Saturday Night Live passasse
depois da sua hora de dormir, ele raramente perdia o programa da semana
e, na segunda-feira seguinte, imitava na escola os melhores esquetes. Fazia
também uma personificação perversa de Latka, o personagem de Andy
Kaufman em Táxi.
No verão anterior, Kurt havia saído da liga Mirim, mas quando
chegou o inverno ele entrou para a equipe júnior de luta romana do colégio,
o que agradou seu pai. Don assistia a todas as lutas e constantemente
perguntava a kurt como ele estava saindo. O treinador era Kinichi Kanno, o
professor de arte de Monte, e Kurt entrou para a equipe tanto para passar
mais tempo com Kanno como para lutar. Em Kanno, Kurt encontrava um
modelo de papel masculino que incentivava sua criatividade e tornou-se o
aluno predileto do professor. Um dos desenhos de Kurt foi reproduzido na
capa do Puppy Press naquele Halloween, mostrava um buldogue, o mascote
de Montesano esvaziando um saco de doce-ou-travessura sobre uma casa de
cachorro. Num toque típico dos Cobain, ele escondia uma lata de cerveja
entre os doces. Para um cartão de Natal daquele ano, Kurt desenhou um
retrato a bico-de-penas de um menininho que estava tentando pescar mas
que havia prendido o anzol em suas costas — era tão bom quanto az maioria
dos cartões da Hallmark.
Conforme rememora a colega de classe Nikki Clark, o trabalho de
Kurt era "sempre muito bom. Kanno nunca precisava ajudá-lo, já que ele
parecia ser um aluno avançado". Mesmo quando não estava na aula de arte,
lembra Clark, Kurt nunca estava longe de uma caneta: "Ele não parava de
rabiscar nas aulas".
Seus rabiscos eram principalmente de carros, caminhões e
guitarras, mas ele também começou a elaborar sua própria pornografia crua.
"Uma vez ele me mostrou um esboço que ele havia desenhado", conta o
colega de classe Bill Burghardt, "e era uma imagem totalmente realista de
uma vagina. Eu lhe perguntei: "O que é isto", e ele riu". Na época, Kurt ainda
não tinha visto uma vagina de perto, exceto em livros ou em revistas para
adultos que os meninos trocavam entre si.
Outra especialidade sua era Satã, uma figura que ele rascunhava
em seu caderno todas as aulas.
Roni Toyra foi namorada de Kurt na sétima série, mas foi uma
primeira paixão inocente que não chegou a ficar séria. Ele lhe deu uma
amostra de sua arte para selar a união. "Havia meninos na escola que eram
claramente perturbados ou párias, mas ele não era um deles", disse ela.
"Acho que a única coisa diferente era que ele parecia mais quieto do que a
maioria dos meninos. Não era anti-social, era apenas quieto".
Em casa, ele era tudo menos quieto, queixando-se ferozmente
sobre o que ele considerava tratamento injusto por parte de Don ou Jenny.
São poucos os segundos casamento, em que os cônjuges já têm filhos, que
se ajustam perfeitamente, mas este estava sempre em terreno delicado e
questões de favoritismo e justiça assombravam a família. As queixas de Kurt
normalmente resultavam em discussões entre Don e Jenny ou aumentavam
entre seus pais o rancor, que continuava a fermentar em torno de questões
de visitação e sustento dos filhos. Don se queixava de que Wendy mandava
Kim telefonar quando o seu cheque da pensão estava com um dia de atraso.
Por volta do final da sétima série, a enfermeira da escola ligou e disse que as
medidas de Kurt estavam no que eles consideravam limite para escoliose ou
curvatura da coluna vertebral. Don e Jenny levaram Kurt a um médico e,
após um exame completo, o médico concluiu que Kurt não sofria da
síndrome — ele simplesmente tinha braços mais compridos do que a maioria
dos meninos do seu tamanho, o que fazia as medidas originais parecerem
desviadas.
Mas isto não tranqüilizou Wendy. Através do sistema de
comunicação da família — que se assemelhava a uma versão piorada do jogo
do telefone sem fio das crianças —, ela ficara sabendo que Kurt tinha
escoliose. Ficou chocada por Don não estar alarmado e Kurt não estar com o
corpo inteiro engessado. Kurt decidiu acreditar no diagnóstico de sua mãe e,
anos mais tarde, afirmou que teve "uma pequena escoliose no começo do
colegial". Embora sua declaração esteja em conflito com os fatos, Kurt a
usou como mais um exemplo de como seu pai fracassara com ele.
Como muitos filhos do divórcio, Kurt tornou-se mestre em jogar
um pai contra outro. Em 1980, Wendy estava trabalhando em Monte no
gabinete do Juiz de Paz do condado e Kurt freqüentemente a visitava depois
da escola, quando nada, para relatar alguma nova tortura que lhe era
imposta por Don ou Jenny. Quando as coisas pioraram para Kurt em Monte,
ele esperou que Wendy o aceitasse de volta.
Mas, na época, sua mãe estava com seus próprios problemas com
Frank Franich. Ela disse a Kim que receava que se Kurt presenciasse a
situação anormal em sua casa ele se tornaria Gay. Anos depois, quando
Kurt trouxe o assunto á baila com Wendy e Kim, sua mãe lhe disse: "Kurt,
você nem imagina como era. Você teria acabado no reformatório ou na
prisão". Uma das repetidas queixas de Kurt para Wendy era que os filhos de
Jenny eram favorecidos na casa. Quando o ex-marido de Jenny dava
presentes para Mindy e James, Kurt sentia ciúme. Kurt imaginava que toda
disciplina lhe era imposta porque ele não era filho biológico de Jenny. Dizia a
seus amigos que odiava Jenny, queixava-se de sua comida e afirmava que
ela racionava a quantidade de refrigerante que lhe era permitido tomar. Ele
afirmava que Jenny conseguia "ouvir uma lata de Pepsi sendo aberta a três
cômodos de distância" e no almoço lhe era permitidos "apenas duas fatias de
presunto Garl Budding por sanduíche e dois Biscoitos da Vovó".
Leland Cobain fez um sermão a Don sobre o que ele também
considerava um preconceito contra Kurt: "Havendo frutas na mesa, Mindy
ou James podiam apanhar uma maçã e simplesmente começar a comê-la.
Kurt ia fazer o mesmo e Donnie ralhava com ele por causa disso". Leland
imagina que Don tinha tanto medo que Jenny o abandonasse, como Wendy
o fez, que ele ficava do lado de Jenny e dos filhos dela. Don admite que a
disciplina era um problema maior com Kurt do que com os filhos de Jenny,
mas argumenta que isto se devia á personalidade de Kurt e não a
favoritismo. Mas Don realmente receava que Jenny o abandonasse se Kurt
se tornasse encrenqueiro demais: "Eu receava que aquilo chegaria a ponto
do ou ele vai embora ou ela vai embora, e eu não queria perdê-la".
O relacionamento de Kurt com seus irmãos e meio-irmãos se
tornou mais equilibrado quando ele ficou mais velho. Adorava seu meioirmão
Chad porque gostava de bebês. Batia em Mindy, mas ocasionalmente,
quando não havia aula, passava o dia brincando com ela. Entretanto,
quando os colegas de Kurt mencionava sua família — vários de seus amigos
achavam Mindy graciosa —, ele se apressava a corrigi-los se a chamassem
de sua "irmã". Ele descrevia Mindy para seus amigos como "minha irmã, não
— a filha da nova mulher do meu pai", dizendo essas palavras como se
Mindy fosse alguma tortura que o obrigassem a suportar.
Ele e James se davam melhor, talvez porque Kurt nunca fosse
encoberto pela sombra do menino mais novo. Quando outro menino batia
em James, que era o rebatedor em um dos times de beisebol de Kurt, ele
interferia e ameaçava o agressor. Eles também compartilhavam o mesmo
interesse por filmes. No verão, a família ia a um drive-in com duas telas, Don
e Jenny iam cada um com um carro, depois deixavam um deles estacionado
com os meninos defronte a um filme de censura livre, enquanto assistiam a
uma fita mais adulta na outra tela. Kurt ensinou James que, em lugar de se
sentar para ver outra comédia de Don Knotts, eles podiam ir até o banheiro e
ver uma coisa mais adulta — como Heavy Metal, que Kurt adorava —
ficando em pé do lado de fora do terreno. Kurt gostava de contar filmes que
ele já havia assistido para seu meio-irmão mais novo. Assistira a Contatos
imediatos do terceiro grau no ano anterior e era capaz de recitar todos os
diálogos do filme. "Ele costumava brincar com seu purê de batatas no jantar
e lhe dar a forma da montanha do filme", lembra James.
Em 1981, aos catorze anos de idade, Kurt começou a fazer seus
próprios filmes curtos, usando a câmera super-8 de seus pais. Uma de suas
primeiras produções foi uma elaborada imitação de Guerra dos Mundos de
Orson Welles, que mostrava alienígenas — Interpretados por figuras que
Kurt modelou com argila — aterrisando no quintal dos Cobain. Ele mostrou
o filme dos alienígenas a James numa tentativa infrutífera de convencer o
menino mais novo de que a casa deles tinha sido invadida. Outro filme que
fez em 1982 mostra um lado bem mais obscuro de sua psique: ele o intitulou
Kurt comete suicídio sangrento e, no filme, Kurt, representando diante de
uma câmera conduzida por James, finge talhar os pulsos com a borda de
uma lata de refrigerantes cortada pela metade. O filme tem efeitos especiais,
sangue falso, e Kurt interpreta dramaticamente a cena final de sua própria
morte de um modo que ele deve ter visto em filmes mudos.
Esse filme horripilante simplesmente adicionou munição ás
preocupações que seus pais já tinham sobre as trevas que viam dentro dele.
"Havia alguma coisa errada", afirma Jenny, "alguma coisa errada com seu
processo de pensamento já desde o início, alguma coisa desequilibrada". Ele
conseguia discutir calmamente os tipos de acontecimentos que produziam
pesadelos na maioria dos jovens: assassinato, estupro, suicídio. Kurt não foi
o único adolescente na história a falar em auto-imolação, mas seus amigos
achavam bizarra a maneira descuidada com que brincava com isso. Um dia,
ele e John Fields estavam indo da escola para casa quando Fields lhe disse
que ele deveria ser um artista, mas Kurt anunciou despreocupadamente que
tinha outros planos: "Vou ser um superastro da música, me matar e me
apagar numa chama de glória", disse ele, "Kurt esta é a coisa mais estúpida
que já ouvi — não fale assim", replicou Fields. Mas Kurt continuou,
inflexível: "Não, eu quero ser rico e famoso e me matar como Jimi Hendrix".
Nenhum menino sabia na época que a morte de Hendrix não fora
suicídio. Fields não foi o único amigo de Kurt em Monte que contou essa
historia — meia dúzia de outros conhecidos contam versões semelhantes da
mesma conversa, sempre com o mesmo final sinistro.
Kurt falar com indiferença sobre o suicídio, aos catorze anos, não
surpreendia ninguém na família. Dois anos antes, o tio-avô de Kurt, Burle
Cobain, 66 anos, e irmão mais velho de leland, havia usado uma pistola
calibre 38 de cano curto para se balear no estômago e na cabeça. Fora
Leland quem encontrava o corpo.
Houve alegações de que Burle estava prestes a ser acusado de
agressão sexual.
Burle não era tão próximo da família como outros tios, mas Kurt
falava incessantemente a respeito disso com seus amigos. Ele brincava que
seu tio havia "se matado por causa da morte de Jim Morrison", embora
Morrison tivesse morrido uma década antes. o que para Kurt era uma piada,
para Leland foi um golpe devastador. Um ano antes do suicídio de Burle, em
1978, Ernest, outro irmão de Leland, havia morrido de uma derrame
cerebral. Embora a morte de Ernest aos 57 anos de idade não fosse taxada
oficialmente de suicídio, ocorrera depois de ele ter sido advertido de que
morreria se continuasse bebendo. Ele insistiu e acabou caindo numa
escada, provocando o aneurisma que o matou.
Não foram estas as únicas mortes que afetaram Kurt. Quando ele
estava na oitava série, um menino de Montesano se enforcou do lado de fora
de uma das escolas elementares. Kurt conhecia o menino; era irmão de Bill
Burghradt. Kurt, Burgahardt e Rod Marsh encontraram o corpo pendurado
em a uma árvore enquanto caminhavam para a escola e ficaram olhando
para ele durante meia hora até que os funcionários da escola finalmente os
afastaram dali. "Foi a coisa mais grotesca que já vi em minha vida", lembra
Marsh. A partir da historia da própria família e desse incidente, o suicídio se
tornou um conceito e uma palavra que não mais seria indecente para Kurt.
Em vez disso simplesmente fazia parte de seu ambiente, tal como o
alcoolismo, a pobreza ou as drogas. Kurt disse a Marsh que tinha "genes de
suicida".
Kurt começou a experimentar drogas na oitava série, quando
passou a fumar maconha e tomar LSD. Ele fumava baseados nas festas,
depois com os amigos e, por fim, sozinho e diariamente. Quando chegou á
nona série, era um retomado maconheiro. A maconha era barata e
abundante em Monte — a maioria cultivada em casa —, e ajudava Kurt a
esquecer sua vida doméstica. O que começou como um ritual social se
tornou seu anestésico favorito.
Na época em que começou a tomar drogas, também passou a
matar aulas regularmente. Quando gazeteava com seus amigos, compravam
erva ou roubavam bebida da despensa dos pais de alguém. Mas Kurt
começou a cabular as aulas sozinho ou a ir para a escola e sair após o
intervalo. Ele encontrava menos seus amigo e parecia alienados de tudo que
não fosse sua própria raiva. Trevor Briggs deparou com Kurt sozinho em um
parque de Monte em 1980, na véspera do Ano-Novo, sentado num balanço e
assobiando ao balançar-se. Trevor convidou Kurt para ir até a casa de seus
pais e os dois se chaparam assistindo ao programa de Dick Clark na
televisão. O ano terminou com ambos vomitando devido a uma quantidade
excessiva de maconha cultivada em casa.
O que dois anos antes parecera um local bucólico para ir a escola
logo se tornou a própria modalidade de prisão de Kurt. Em conversas com
seus amigos, ele agora colocava Monte e seus pais na mesma critica severa.
Tendo acabado de ler O sol é para todos de Harper lee, declarou que o livro
era uma descrição perfeita da cidade. No começo de 1981, um Kurt diferente
havia começado a surgir, como mais comumente era o caso; ele passava
cada vez mais tempo em isolamento. Na casa da rua Fleet, ele havia se
mudado para um quarto de porão reformado. Kurt dizia a seus amigos que
considerava a mudança um banimento. Em seu quarto de porão, Kurt
passava o tempo com um fliperama que havia ganho de Natal, um aparelho
estereofônico que Don e Jenny lhe haviam dado e uma pilha de discos. A
discoteca incluía Elton John, Grand Funk Railroad e Boston. O disco
favorito de Kurt naquele ano foi Evolution, da Banda Journey.
Seus conflitos com Dom e Jenny haviam chegado a um ponto
decisivo. Todas as tentativas do casal de envolvê-lo com a família
fracassaram. Ele começara a boicotar a "noite da família" e, sentido-se
internamente abandonado, decidiu abandonar externamente a família.
"tínhamos tarefas domésticas para ele, só coisas banais, mas ele não as
fazia", lembra Don. "Começamos a tentar suborná-lo com uma mesada, a
qual seria cortada caso ele não fizesse determinadas tarefas. Ele se recusava
a fazer qualquer coisa. Acabou que ficou nos devendo dinheiro".
Tornava-se violento, batia portas e descia como um louco pelas
escadas. Ele também parecia ter menos amigos. "Notei que alguns de seus
amigos estavam desaparecendo", disse Jenny. "Kurt passava mais tempo em
casa, mas nem assim ficava conosco. Parecia se tornar bem mais
introvertido. Ficava quieto e taciturno." Rod Marsh lembra que Kurt matou o
gato de um vizinho naquele ano. Neste incidente de sadismo adolescente —
que estaria em contraste chocante com sua vida adulta —, Kurt prendeu o
animal ainda vivo na lareira da casa de seus pais e riu quando ele morreu e
exalou mau cheiro casa.
Em setembro de 1981, Kurt começou seu ano de calouro no
Colégio Montesano. Naquele outono, em uma tentativa para se ajustar,
apresentou-se para o time de futebol. Ele entrou na primeira seleção, a
despeito de sua baixa estatura — mais do que qualquer outra coisa, um
indicador de como Montesano era uma escola minúscula. Praticou durante
duas semanas mas depois desistiu, queixando-se de que era trabalho
demais. Naquele ano entrou também para a equipe de atletismo.
Lançou o disco — um feito surpreendente, considerando seu físico
— e correu os 200 metros rasos. Não era, de forma alguma, o melhor atleta
da equipe — ele perdia muitos exercícios —, mas era um dos meninos mais
rápidos. Estava na foto da equipe para o livro do ano, os olhos compridos
contra a luz do sol.
Em fevereiro daquele ano, num momento de inspiração, o tio
Chuck disse a Kurt que ele poderia ganhar uma bicicleta ou uma guitarra
elétrica em seu aniversário de catorze anos. Para um menino que desenhava
retratos de astros do rock em seu caderno, nem era preciso escolher. Kurt já
havia destruído uma cítara havaiana de Don — ele a desmontava para
estudar os mecanismos internos. A guitarra que Chuck comprou para ele
não era muito melhor: um modelo japonês barato, de segunda mão. Ela
quebrava bastante, mas, para Kurt, era o ar que ele respirava.
Sem saber como encordoá-la, ligou para tia Mari e lhe perguntou
se ela era encordoada em ordem alfabética. Quando a fez funcionar, ficou
tocando sem parar e levou-a á escola para mostrar aos colegas. "Todos lhe
perguntavam sobre ela", lembra trevor Briggs. "Eu o vi com ela na rua e ele
me disse: 'Não me peça para tocar nada; ela está quebrada'". — Isso não
importava — tratava-se menos de um instrumento do que de uma
identidade.
O atletismo também fazia parte de sua identidade; ele continuara
com a luta romana, passando, quando calouro, para a equipe da
universidade. O Montesano Bulldogs conquistou o campeonato da liga
naquele ano, com um registro de doze vitórias e três derrotas, embora Kurt
não desempenhasse um papel nesse esforço.
Ele passaria a evitar mais exercícios e partidas e, na equipe da
universidade, seu tamanho era uma enorme desvantagem. A atitude na
equipe de dois anos antes era que a luta era uma maneira divertida de agir
com violência; a equipe da universidade, por sua vez, era totalmente séria e
as práticas exigiam que ele lutasse com meninos que de pronto o
imobilizavam no chão. Ao final da temporada, Kurt posou para o retrato da
equipe usando meiões listrados — entre os mastodontes do time, ele parecia
mais o treinador do que um membro da equipe. Foi na esteira de luta da
universidade que Kurt preparou uma de suas maiores batalhas com o pai.
No dia de uma partida do campeonato, como disse Kurt, subiu ao ringue
com a intenção de enviar uma mensagem para Don nas arquibancadas.
Conforme Kurt mais tarde o descreveu para Michael Azerrad,
"esperei até que o apito soasse, olhando diretamente para o rosto [de Don] e
ai instantaneamente me calei — juntei os braços e deixei o cara me
imobilizar". Kurt afirmou que fez isso quatro vezes seguidas, sendo
instantaneamente imobilizado em cada uma delas, e Don acabou se
afastando desgostoso. Don Cobain garante que a história é falsa; os colegas
de Kurt não lembram disso e afirmam que aquele que perdesse
intencionalmente teria sido afastado, se não agredido, por seus colegas de
equipe. Mas Leland Cobain se lembra que Don lhe contou a historia após a
luta, dizendo: "Aquele merdinha simplesmente ali deitado. Não reagiu". Kurt
era mestre em exagerar uma lorota de modo a contar uma verdade
emocional em lugar de uma verdade objetiva. O que provavelmente
aconteceu foi que Kurt teve uma luta contra um oponente melhor e resolveu
não reagir, o que foi o bastante para enfurecer o pai perfeccionista. Mas o
modo de Kurt contar o caso e sua descrição do olhar trocado entre ele e o pai
é prova do quanto o relacionamento entre os dois havia se deteriorado nos
seis anos após o divorcio. Outrora, eles haviam passado cada hora de folga
juntos e , no dia em que Don comprou a minimoto, Kurt jamais avia amado
ninguém mais do que ao pai. Logo adiante na rua do Colégio Montesano
ficava um restaurante onde costumavam ir juntos — apenas os dois, uma
entidade singular, uma família — e jantar em silêncio, unidos em sua
solidão; um garotinho que não desejava mais do que passar o resto da vida
com o pai, em um pai que apenas queria alguém que o amasse com um
amor que não desaparecesse.
Mas, seis anos depois, pai e filho estavam travados em uma luta
romana de vontades e, como todas as grandes tragédias, nenhum dos
combatentes achava que podia se dar ao luxo de perder. Kurt precisava
desesperadamente de um pai e Don precisava ser querido por seu filho, mas
nenhum dos dois admitia isso.
Era uma tragédia de proporções Shakespearianas; não importa o
quanto Kurt se afastasse do tablado da luta: pelo canto do olho, estava
sempre olhando diretamente para seu pai, ou — para ser mais exato, já que
o relacionamento com o pai estava praticamente morto para ele depois desse
ponto — olhando para o fantasma de seu pai. Quase uma década depois de
sua derrota de calouro na luta romana, Kurt dispararia uma letra amarga
em uma canção intituladas "Serve the Servants", sendo as palavras ainda
outro golpe em seu interminável round com seu maior oponente: "Tentei
muito ter um pai, mas, em vez disso, eu tinha um papai".


Não esqueçam de ver o vídeo abaixo da música Smells Like Teen Spirit
e também de comentar sobre o texto e o vídeo!


SMELLS LIKE TEEN SPIRIT