quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 15ª Parte


TODA VEZ QUE EU ENGOLIA

Seattle, Washington,
Setembro de 1991- Outubro de 1991

"[...] toda vez que eu engolia um bocado de comida, sentia uma dor
excruciante, ardente, nauseante na parte superior do meu estômago."

Um balanço dos problemas de Kurt com drogas e estômago em seu diário.
A SEGUNDA SEXTA-FEIRA DE SETEMBRO — uma sexta-feira 13
foi um dos dias mais extraordinários da vida de Kurt. Era um dia que
incluiria duas brigas por comida, um duelo com extintores de incêndio e a
destruição de discos de ouro no microondas. Todo esse caos divino ocorria
em comemoração ao lançamento de Nevermind em Seattle.
O dia começou com uma série de entrevistas radiofônicas nas
maiores emissoras de rock de Seattle. Kurt se sentou imóvel para a primeira
na KXRX, mas mal disse uma palavra e começou a jogar pizza pela sala de
controle.
Anteriormente, naquela semana, el se dispusera a falar com todo
jornalista interessado. "Mesmo quando era um redator de quem não
gostavam", conta a relações publicas Lisa Glatfelter-Bell, "Kurt dizia: "Aquele
cara é um pentelho, mas ele gosta do disco, então vamos lhe conceder dez
minutos." Sua atitude mudou depois de umas poucas entrevistas pelo
telefone. Ele cansou de tentar se explicar e cada entrevista sucessiva se
convertia em um jogo para ver que nova ficção ele podia inventar. Quando
falou com Patrick MacDonald, do Seattle Times, ele afirmou ter comprado
uma boneca inflável para fazer amor, cortara-lhe as mãos e os pés e
pretendia usá-la no palco. No entanto, ao final da semana, mesmo enganar
jornalistas o entediava. Enquanto na Europa, duas semanas antes, ele se
apresentava jovial, estar de volta aos Estados unidos — e promover o disco
— parecia exauri-lo. A exuberância de Roterdã rapidamente dera lugar á
reticência e á resignação. Kurt não saiu do carro nas duas entrevistas
seguintes, deixando que Krist e Dave conversassem com os Djs.
Às seis horas da tarde, a banda tinha o seu tão esperado
lançamento somente para convidados no Re-bar, um evento que kurt
aguardara sua vida inteira (Bleach não tivera nenhuma comemoração desse
tipo). Os convites diziam: "Nevermind Triskaidekaphobia, Here's Nirvana"
["Esqueça o azar do 13, aqui está o Nirvana"]. A fobia se referia ao medo da
sexta-feira 13, mas o que era verdadeiramente assustador era o quanto o
clube estava apinhado de músicos, repórteres musicais e os poderosos do
meio musical.
Era a chance de Kurt encaçapar a glória, depois de ter finalmente
conquistado Seattle, embora parecesse incomodado com a atenção. Nesse
dia, e durante muitos que se seguiriam, ele dava a impressão de que preferia
estar em outro lugar do que estar promovendo o seu disco. Como o menino
que havia se tornado o centro das atenções em sua família, com a
infelicidade de perder essa distinção na adolescência, ele reagia com
desconfiança á mudança do seu destino. Ele se sentou numa cabine de
fotografia na festa, fisicamente presente, mas oculto da visão por uma
cortina de pano.
A banda havia levado escondido um garrafão de Jim Beamm, uma
violação da lei de Washington que dispõe sobre o porte de bebidas alcoólicas.
Mas antes que um inspetor pudesse autuá-los, irrompeu um tumulto
quando Kurt começou a jogar molho rango em Krist e seguiu-se uma guerra
de comida.
Um segurança agarrou os infratores e os colocou para fora do
local, sem saber que havia expulsado os três homens para os quais a festa
estava sendo realizada.
Antes que Susie Tennant da DGC conseguisse esclarecer as coisas,
Krist teve de ser apartado de um confronto com o segurança. "Nós
estávamos rindo", lembra Krist, "dizendo: "Ai, meu Deus, acabamos de ser
chutados da festa de lançamento do nosso próprio disco!" Durante algum
tempo, a banda ficou parada no beco atrás do clube e conversou com os
amigos por uma janela. A festa ainda estava agitada lá dentro, e a maioria
dos presentes nem notara que os convidados de honra tinham sido expulsos.
A comemoração foi retomada no loft de um amigo, até que Kurt
disparou um extintor de incêndio e o lugar teve de ser evacuado. Passaram
então para a casa de Susie Tennant, onde a destruição continuou até o
amanhecer. Susie tinha na parede um disco de ouro da banda Nelson: Kurt
arrancou a placa, chamando-a de "uma afronta á humanidade", passou
batom nela e enfiou-a num microondas na posição descongelar. A noite
terminou com Kurt experimentando um dos vestidos de Susie, aplicando
maquiagem e andando por ali travestido. "Kurt compôs uma mulher
muito bonita", lembra Susie. "Eu tinha um vestido, meu vestido Holly
Hobby, e Kurt ficou melhor nele do que eu, melhor do que qualquer um que
o houvesse usado." Kurt passou aquela noite na casa de Susie, assim como
muitos dos foliões. Ele caiu no sono, ainda com o vestido, sob um pôster de
Patti Smith. Quando se levantou na manhã seguinte, anunciou que ele e
Dylan planejavam passar o dia dando tiros num assado de alcatra. "Depois
que o tivemos baleado bastante, nós vamos comê-lo", disse ele. E partiu,
perguntando onde havia um supermercado.
Dois dias depois, o Nirvana realizou uma "tarde de autógrafos" na
Beehive Records. A DGC esperava contar com cerca de cinqüenta clientes,
mas quando mais de duzentos garotos faziam fila ás duas da tarde — para
um evento programado para começar ás sete —, os promotores do evento
começaram a perceber que talvez a popularidade da banda fosse maior do
que a princípio imaginaram. Kurt havia decidido que em lugar de
simplesmente autografar discos e apertar as mãos das pessoas — a
programação habitual de uma tarde de autógrafos —, o Nirvana tocaria.
Quando ele viu a fila na loja naquela tarde, foi a primeira vez que o ouviram
proferir as palavras "puta merda" em resposta a sua popularidade. a banda
se retirou para a Blue Moon Tavern e começou a beber, mas quando
olharam para fora da janela e viram dezenas de fãns olhando para dentro,
acharam que estavam no filme Os reis do iê-iê-iê.
Quando o show começou, a Beehive estava tão abarrotada que
havia meninos sobre as prateleiras de discos e foi necessário armar cavaletes
na frente das vitrines da loja para protegê-las. O Nirvana fez uma sessão de
45 minutos — tocando no piso da loja —, até que a multidão começou a
esmagar a banda como a reunião de torcida no vídeo para "Smells Like Teen
Spirit". Kurt ficou perplexo com as proporções que aquilo tinha assumido.
Olhando na multidão, ele viu metade do meio musical de Seattle e dezenas
de seus amigos. Era-lhe particularmente irritante ver ali duas de suas exnamoradas
— Tobi e Tracy — dançando ao som das canções. Até essas
pessoas íntimas agora faziam parte de uma platéia que ele se sentia instado
a atender. A loja estava vendendo os primeiros exemplares de Nevermind que
o público tinha a chance de comprar e os discos rapidamente se esgotaram.
"As pessoas estavam arrancando cartazes da parede", lembra a gerente da
loja, Jamie brown, "Só para terem um pedaço de papel para Kurt
autografar." Kurt continuou meneando a cabeça, sem acreditar no que via.
Ele se retirou para o estacionamento para fumar e descansar. Mas
ali, o dia ficou ainda mais maluco quando ele viu dois dos seus ex-colegas de
Montesano, Scott Cokely e Rick Miller, trazendo exemplares de "Sliver".
Embora Kurt tivesse dado centenas de autógrafos naquele dia,
nada o fez sentir-se mais surreal do que colocar sua assinatura num single
sobre seus avós para dois sujeitos da cidade em que seus avós moravam.
Conversaram sobre seus amigos comuns do porto, mas a conversa deixou
Kurt saudoso — Cokely e Miller o lembravam de um passado que ele julgara
ter deixado para trás. "Você ainda costuma ir para o porto?", perguntou
Cokely. "Não muitos" respondeu Kurt. Cokely e Miller ficaram confusos
quando olharam para seus singles e notaram que Kurt havia assinado
"Kurdt".
Mais tarde Kurt mencionou essa conversa como um dos primeiros
momentos em que ele percebeu que era famoso. No entanto, em lugar de
consolá-lo, essa constatação despertou algo muito próximo do pânico.
Embora sempre tivesse desejado ser famoso — e, quando ainda estava na
escola em Monte, ele jurava a seus colegas que um dia o seria —, a
culminação atual de seus sonhos o irritava profundamente. Krist evoca esse
show em particular um show gratuito em uma loja de disco uma semana
antes da data do lançamento oficial do disco — como um ponto decisivo para
Kurt. "As coisas começaram a acontecer depois disso", disse Krist.
"Já não éramos a mesma banda".
Kurt meio que se recolheu. Tinha muita coisa pessoal rolando.
Ficou complicado Era mais do que estávamos esperando." Não se tratava de
que a platéia na Beehive fosse mais impertinente do que a maioria: na
realidade, conforme a banda descobriu quando começou a excursionar, a
platéia de Seattle era submissa, se comparada ao que encontraram em
outros lugares. A excursão tinha sido agendada antes do sucesso do disco,
razão pela qual muitos locais de show eram minúsculos e o resultado era
que centenas, quando não milhares, de fãs ficavam cobiçando ingressos que
não conseguiriam comprar. Cada show era um circo. Quando entraram em
Boston no dia 22 de setembro, Kurt estava ansioso para ver os Melvins
nessa rara noite de folga. No entanto, quando tentou conversar para obter
acesso ao clube, o porteiro ainda não tinha ouvido falar do Nirvana.
Mary Lou Lord, uma cantora-compositora de Boston que estava
parada junto á porta, disse em tom esganiçado que ela já ouvira falar do
Nirvana e eles estariam tocando na noite seguinte. Isto não abalou o
porteiro, e Kurt finalmente pagou a consumação para entrar.
Uma vez lá dentro, Kurt voltou sua atenção para Mary Lou e não
para seus velhos amigos. Quando ela disse que era música e que tocava na
plataforma do metrô, ele perguntou quais eram suas bandas favoritas e ela
citou os pastels, os Vaselines, Daniel Johnton e o Teenage Fanclub. "Fala
sério", respondeu Kurt. "Essa são as minhas bandas favoritas, pela ordem!"
Ele a obrigou a citar canções de cada artista para provar que ela não estava
de brincadeira. Conversaram durante horas e Mary Lou lhe deu uma carona
no guidom de sua bicicleta. Acabaram conversando a noite toda e, no dia
seguinte, Kurt foi para o apartamento dela, onde viu uma foto do Lester
Bangs na parede.
Ele lhe pediu que tocasse uma música e quando ela executou duas
do disco Nevermind, ainda a ser lançado, Kurt se sentiu enfeitiçado por essa
garota de faces rosadas de Salem, Massachutts.
Enquanto passeavam por Boston, as histórias de vida de kurt
jorravam torrencialmente de sua boca. Ele contou a ela sobre o chute que
certa vez seu pai dera num cachorro, sobre a miserável criação que tivera em
sua família e sobre Tobi. Se uma das regras capitais do flerte era nunca falar
sobre sua última namorada com sua potencial namorada seguinte, Kurt a
desobedeceu.
Contou para Mary Lou que Tobi era "Terrível", mas que era "um
verdadeiro arraso", confessou que ainda não se desligara dela.
Kurt também contou a Mary Lou o quanto estava arrebatado por
uma religião oriental chamada jainismo. Ele tinha assistido a um
documentário de fim de noite na televisão que o encantou porque a bandeira
oficial jaina exibia uma antiga versão da suástica nazista. Depois disso, ele
lia tudo o que conseguia encontrar sobre os jainistas, que cultuavam os
animais como sagrados.
"Ele me disse, lembra Mary Lou, "que eles tinham hospitais para
pombos. Disse que queria se juntar a eles. Ele pretendia ter uma grande
carreira e, quando tudo tivesse terminado, iria partir e se juntar aos
jainistas". Um dos conceitos jainistas qual Kurt estava mais impressionado
era sua visão da vida após a morte. O Jainismo pregava a existência de um
universo que era uma série de céus e infernos em camadas conjutas."A cada
dia", disse Kurt para Mary Lou, "todos nós passamos pelo céu e todos nós
passamos pelo inferno." Quando passavam pela Back Bay de Boston, Kurt
não conseguia acompanhar o passo de Mary Lou. "Ele era como um homem
velho", observa ela. "Tinha apenas 24 anos, mas havia nele um cansaço que
ia muito além da sua idade." Ele disse a ela que certas drogas ajudavam a
mitigar sua dor de estômago. Mary Lou não tomava drogas e não insistiu na
conversa, mas meia hora depois ele voltou ao assunto e perguntou se ela já
havia experimentado heroína.
"Eu nem quero ouvir você falar dessa merda", disse ela, cortando a
conversa. Naquela noite eles foram para o Axis, onde o Nirvana dividia a
bilheteria com os Smashing Pumpkins. Quando Kurt e Mary Lou se
aproximavam do clube, ele agarrou o violão dela e segurou sua mão. "Tenho
certeza de que as pessoas na fila estavam pensando: "Aquele é o Kurt com a
garota esquisita do metrô", disse Mary Lou.
"Fazia anos que eu estava ali e todo mundo me conhecia, e
provavelmente todos eles me achavam terrível. Entretanto, ali estava eu,
caminhando pela rua, de mãos dadas com ele."
No dia seguinte, 24 de setembro, Nevermind foi oficialmente
colocado á venda. "Uma equipe da MTV filmou um breve segmento noticioso
mostrando Krist jogando Twister de cueca coberta de margarina. Kurt fugiu
da maioria das entrevistas e promoções que a DGC tinha programado e, em
vez disso, passava o dia com Mary Lou. Quando Mark Kates da DGC levou
Novoselic e Grohl para a Newbury Comics, a loja de disco mais badalada de
Boston, depararam com uma fila enorme. "Era espantoso", lembra Kates.
"havia uns mil garotos tentando comprar o disco." Duas semanas se
passaram até Nevermind entrar para a Top 200 da Billboard, mas quando
isso aconteceu, o disco entrou no 144º lugar. Na semana seguinte ele subiu
para o 109º, na terceira semana ocupava o 65º, e após quatro semanas, no
dia 2 de novembro, estava no 35º lugar, com uma marca de destaque.
Poucas bandas tiveram tão rápida ascensão á Top 40 com seus discos de
estréia. Nevermind teria pontuado até mais alto se a DGC estivesse mais
preparada — graças ás suas expectativas moderadas, a gravadora havia
prensado apenas 46.251 exemplares.
Durante várias semanas, o disco ficou esgotado.
Normalmente a ascensão rápida nas paradas é atribuída a uma
campanha promocional bem orquestrada, respaldada por um marketing
vigoroso, mas Nevermind alcançou seu sucesso precoce sem esse tipo de
ajuda. Durante as primeiras semanas, o disco teve pouca ajuda do rádio,
exceto em algumas cidades selecionadas. Quando o pessoal de promoção da
DGC tentou convencer os programadores a tocarem "Teen Spirit",
inicialmente encontraram resistência. "O pessoal das rádios de rock, mesmo
em Seattle, me diziam: "Não podemos tocar isto. Eu não consigo entender o
que o sujeito está dizendo", lembra Susie Tennant da DGC. A maioria das
emissoras que introduziam o single na promoção o tocavam tarde da noite,
achando-o "muito agressivo" para ser colocado no ar durante o dia.
Mas os programadores de rádio anotavam o número de ouvintes
que telefonavam pedindo a música. Quando a KNDD de Seattle realizou uma
sondagem sobre "Smells Like Teen Spirit", a canção recebeu a resposta
positiva mais alta que a empresa de pesquisa já havia registrado. "Quando
uma canção como essa está sendo pesquisada", observa Marco Collins da
KNDD, "estamos falando de uma faixa que é tocada por uma linha telefônica,
e de pessoas que só ouvem um clipe de quinze segundos. Imagine como seria
ouvir "Teen Spirit" pela primeira vez pelo telefone."
Na MTV, o vídeo causou sensação quando foi julgado no começo de
setembro. Amy Finnerty, uma programadora de 22 anos de idade, sentia-se
tão segura em relação ao vídeo que anunciou que se o canal não mostrasse o
clipe, a MTV não era o tipo de lugar em que ela queria trabalhar. Depois de
debates acalorados, o vídeo foi acrescentado ao programa especializado 120
minutos. Entrou em exibição regular em novembro como um dos primeiros
vídeos "Buzz Bin" da emissora.
A primeira vez que Kurt se viu na televisão foi em Nova York,
alguns dias depois dos shows em Boston. Ele estava hospedado no hotel
Roger Smith e Mary Lou Lord estava em seu quarto. Quando o vídeo
apareceu em 120 minutos, Kurt telefonou para sua mãe. "Lá estou eu", disse
ele, alegre. "Lá estou eu novamente", repetiu ele quando, dez segundos
depois, ele reapareceu. "E lá estou eu novamente." ele ficava jovialmente
anunciando a cada vez que se via na televisão, como se sua presença fosse
uma surpresa.
Naquela tarde, o Nirvana tocou numa rara sessão acústica de
autógrafos na loja Tower Records. Durante a breve apresentação, Kurt tirava
Oreos de um saco de um saco de supermercado que uma fã estava
carregando e os comia acompanhados por leite que ele também surrupiara
do saco. Naquela mesma noite, fizeram um show com ingressos esgotados no
Marquee Club, seguido de uma festa na casa de Amy Finnerty da MTV. A
noticia da comemoração se espalhou pela platéia do clube, e grande parte
dela compareceu sem ser convidada. Kurt escapuliu da festa e foi com Amy e
Mary Lou para um bar do outro lado da rua. "Este lugar tem o melhor
jukebox que eu já vi", declarou Kurt, embora o aparelho só tivesse músicas
de discoteca. Em uma das poucas oportunidade de sua vida, talvez em
homenagem ao lançamento oficial de Nevermind, Kurt se levantou e dançou.
Depois de Nova York, a excursão se acelerou e, com ela, a fama do
Nirvana. À medida que tanto o single como o vídeo de "Teen Spirit" subiam
nas paradas, cada show tinha os ingressos esgotados e surgiam sinais de
uma maior obsessão. Kurt permaneceu em contato com Mary Lou através do
telefone e disse ao técnico de som Craig MontGomery que ela era sua
"namorada". Duas semanas depois de Nova York, ela viajou até Ohio e
deparou com Kurt em estado de fissão nuclear. Ele estava sentado a uma
mesa de piscina, esperneando e praguejando. "o que há de errado?",
perguntou ela. "Tudo", respondeu Kurt. "Ninguém consegue acertar a porra
do som. Esses caras são foda. Tem uma cacetada de tempo que eu faço isso.
E o show e sai uma merda. Eu não conseguia nem me ouvir." Habituada a
tocar no metrô em troca de centavos, ela lhe disse que ele devia desfrutar de
seu sucesso, mas não conseguiu animá-lo. "Eu estou cansado dessa porra,
dessas espeluncas de merda", anunciou ele. O que ela não sabia era que
kurt estava com síndrome de abstenção de droga. Era um segredo indecente
que ele não havia contado para Mary Lou nem para seus parceiros de banda.
Ela acompanhou a excursão em mais duas
apresentações, mas em Detroit, na manhã de 12 de outubro, ela partiu para
voltar ao seu trabalho em uma loja de discos de Boston. Kurt e a banda
foram para Chicago e para um show no clube Metro.
Naquela mesma manhã de 12 de outubro, Courtney Lobe
embarcava num avião em Los Angeles e voava para Chicago para visitar Billy
Corgan. Courtney e Corgan tinham uma relação tempestuosa — ela estava
mais encantada pelas cartas de amor que ele escrevia do que por sua
presença real. Quando chegou ao apartamento dele, inesperadamente o
surpreendeu com outra namorada.
Seguiu-se um tumulto e Courtney fugiu sob uma saraivada de
sapatos. Ela gastou seus últimos dez dólares num táxi até o Metro, onde foi
pega de surpresa ao ver que o Nirvana estava no programa. Depois de levar o
porteiro na conversa e entrar, ela ligou para Corgan de um telefonema era
para se certificar de que havia terminado inteiramente com Billy antes de se
envolver com Kurt. Corgan lhe disse que não podia se encontrar com ela e
ela bateu o telefone no gancho.
Todos os sinais de atração sexual entre Courtney e Kurt haviam
estado presentes em encontros anteriores, só não houvera a oportunidade.
Ela assistiu aos quinze minutos finais do show do Nirvana, que basicamente
era Kurt destruindo a bateria, e ficou o tempo todo se perguntando o que
deixava esse menino com tanta raiva. Ele era um mistério e Courtney sentia
atração pelo inexplicável. Ela não era a única mulher a cair sob esse
encanto. Como observa Carrie Montgomery,
"Kurt fazia as mulheres desejarem nutri-lo e protegê-lo.
Nesse sentido, ele era um paradoxo, porque também sabia ser
brutal e intensamente forte: contudo, ao mesmo tempo, ele podia se mostrar
frágil e delicado". Depois do show, ela abriu caminho até uma festa nos
bastidores onde seguiu em linha reta até Kurt: "Eu a observei atravessando
a sala e sentando-se no colo dele", lembra a empresária Danny Goldberg.
Kurt ficou contente ao vê-la e particularmente feliz quando ela pediu para
ficar em seu hotel. Se Kurt não era bom para confessar antigos
envolvimentos românticos, Courtney era igual a ele nesse departamento, e
ela lhe contou toda a triste história da briga com Corgan.
Enquanto conversaram, Kurt se lembrou da descrição que ele
fizera dela como "a menina mais legal do mundo" depois daquela longa
conversa em Los Angeles, cinco meses antes. Saíram juntos do clube e
caminharam pelo lago Michigan, finalmente parando no Days Inn.
O sexo, como Kurt depois descreveu a seus amigos, foi
sensacional. Ele disse a Courtney que podia contar suas amantes anteriores
com apenas uma das mãos. Ela ficou tão chocada com esse fato quanto com
tudo o mais que ele disse: ela vinha de um mundo da Sunset Strip, onde o
sexo era oferecido tão casualmente como uma carona para casa depois de
um show. Courtney também ficou surpresa por ver que Kurt usava como
cueca um short com listras de zebra. "VocÊ precisa comprar cuecas sambacanção",
disse-lhe ela. Mas a ligação entre eles, mesmo naquele langor póssexo,
era consideravelmente mais que sexual — era uma ligação emocional,
uma ligação que nenhum dos amigos ou parceiros de banda do casal
entendia. Ironicamente, os confidentes de Kurt achavam que ele estava se
rebaixando por se envolver com ela: os amigos de Courtney sentiam o
mesmo sobre seu namoro com ele. as histórias individuais de cada um
pareciam familiares, e quando Courtney descreveu uma infância que incluía
negligência, ponte aérea entre pais divorciados e brigas na escola, esse era
um terreno que Kurt conhecia bem.
Foi a primeira mulher que Kurt conheceu que, quando ele lhe
contou as histórias de sua juventude — mitologizadas neste momento para
além do mero exagero —, lhe respondeu: "Eu posso ganhar dessa". Tornouse
quase um jogo dd "Quem teve a pior infância?", mas nessa união Kurt
sentia normalidade em relação a sua vida.
Como qualquer pessoa, o que Kurt mais desejava numa parceira
era amor incondicional: mas, naquela noite no Days Inn, ele descobriu algo
mais em Courtney que lhe havia escapado em outros relacionamentos —
compreensão. Ele sentia que Courtney conhecia intimamente o cheiro da
merda em que ele rastejara.
Mary Lou Lord tinha gostado dos vaselines, mas nunca morara
numa caixa de papelão. Tracy, apesar de todo o seu amor resoluto por kurt,
sempre fora aceita por sua família, mesmo quando ela fazia um coisa tão
louca quanto namorar um roqueiro punk de Aberdeen. Kurt tinha tentado de
tudo para fazer Tobi amá-lo, mas seus caminhos haviam sido tão diferentes
que ele mal conseguia que ela compreendesse seus pesadelos, muitos
gelatinoso do queijo excedente do governo distribuído com cupons de
alimentos: ela sabia como era viajar numa van e batalhar pelo dinheiro da
gasolina; e durante o tempo em que trabalhou como Stripper, na "Jumbós
Clown Room", ela passara a compreender um tipo de degradação que não é
apreciado por muitas pessoas. Mais tarde, ambos brincavam que sua união
era pelos narcóticos — e certamente incluiria drogas —, mas a atração
inicial foi algo muito mais profundo do que um desejo comum de fuga: ao
contrário, foi o fato mesmo de que Courtney Love, assim como Kurt Cobain,
tinha algo de que fugir.
Eles se despediram na manhã seguinte, com Kurt continuando na
excursão e Courtney voltando para Los Angeles. Mas, no curso da semana
seguinte, eles trocaram fax e telefonemas e logo estavam conversando
diariamente. Apesar do sucesso do Nirvana, Kurt não estava feliz na estrada
e constantemente resmungava sobre o estado da van, os clubes "espeluncas"
e uma nova reclamação — os garotos de agremiações estudantis que agora
compareciam aos shows depois de verem o vídeo da banda na MTV. Alguns
do meio do Nirvana inicialmente saudaram com entusiasmo o envolvimento
de Courtney e Kurt — pelo menos ele tinha alguém com quem conversar (ele
estava se comunicando cada vez menos com Novoselic e Grohl)
No dia 19 de outubro, em Dallas, Kurt entrou novamente no modo
fissão nuclear, desta vez no palco. O show estava condenado desde o inicio
porque haviam vendido ingressos demais e a platéia transbordava para o
palco. Frustrado, Kurt destruiu o console de um monitor batendo sua
guitarra contra ele. Poucos minutos depois, quando ele mergulhou na
multidão, um segurança chamado Turner Van Blarcum tentou ajudá-lo a
voltar para o palco, o que Kurt erroneamente interpretou como um ato
agressivo. Ele reagiu violentamente batendo a extremidade inferior de sua
guitarra na cabeça de Van Blarcum, ferindo-o. Foi um golpe que poderia ter
matado um homem menor, mas apenas aturdiu Van Blarcum, que deu um
murro na cabeça de kurt e o chutou, enquanto o cantor fugia. A platéia
começou a se rebelar. Kurt se escondeu dentro de um closet no andar de
cima até que o promotor Jeff Liles o convenceu de que Van Blarcum tinha
ido para o hospital e não poderia lhe fazer mal. "Eu sei que ele tinha bebido
um tonelada de xarope naquela noite", explica Liles. Kurt finalmente
reapareceu e terminou o show. Mas a batalha estava longe de encerrada.
Depois do show, Liles conseguiu colocar a banda num táxi que aguardava e
que saiu em disparada, só para imediatamente voltar: ninguém na banda
sabia em que hotel eles estavam.
Assim que o táxi voltou, o mesmo aconteceu com Van Blarcum —
agora com uma bandagem ensangüentada na cabeça. Ele despedaçou as
janelas do táxi com seu punho enquanto o motorista tentava freneticamente
arrancar o carro. O táxi escapou, mas enquanto partiam — ainda sem
destino —, os membros do Nirvana se sentaram no banco traseiro coberto de
estilhaços de vidro.
Não foi um incidente isolado — o gerente de excursões da banda
logo se viu pagando semanalmente milhares de dólares para cobrir danos
provocados pela banda.
Uma semana depois, Kurt se reencontrou com Courtney em um
show para levantar fundos para a campanha pelo direito ao aborto em Los
Angeles. Nos bastidores, eles pareciam muito unidos e muitos comentaram
que eles formavam o casal perfeito do rock-and-roll. No entanto, mas tarde
naquela noite, atrás de portas fechadas, a relação dava uma guinada mais
destrutiva. Pela primeira vez, Kurt propôs que tomassem heroína. Courtney
hesitou por um momento, mas depois concordou. Conseguiram heroína,
foram para o hotel de Kurt, o Beverly Garland, prepararam a droga e ele a
injetou nela — Courtney também não conseguia encarar uma agulha e, por
isso, Kurt, o ex-agulhófobo, arranjou as coisas para si e para ela. Depois de
se drogarem, saíram caminhando e encontraram um pássaro morto. Kurt
arrancou três penas do animal e passou uma para Courtney, segurando as
duas outras em sua mão.
"Esta é para você, está é para mim", disse ele. E segurando a
terceira pena na mão, acrescentou: "E está é para o bebê que vamos ter". Ela
riu e depois lembrou desse momento como o primeiro em que se apaixonou
por ele.
Mas kurt já tinha outra amante. No outono de 1991, a heroína não
era mais uma fuga recreativa de fim de semana para ele e, em vez disso, era
parte de um hábito diário. Ele havia "decidido", vários meses antes de
conhecer Courtney, que se tornaria um "drogado", como escreveu em seu
diário. Mais tarde, Kurt se sentou e, em favor de um programa de tratamento
em que ele havia se inscrito, detalhou sua história inteira com a droga.
Começava assim;
Quando voltei de nossa segunda excursão européia com o Sonic
Youth, decidi usar a heroína diariamente por causa de um problema de
estômago constante que eu vinha sofrendo nos últimos cinco anos, [e que]
havia me levado literalmente a ponto de quer me matar. Durante cinco anos,
todo santo dia de minha vida, toda vez que eu engolia um bocado de comida,
sentia uma dor excruciante, ardente, nauseante na parte superior do meu
estômago. A dor se tornou ainda mais aguda na excursão, devido á falta de
um horários e dieta adequados e sistemático para comer. Desde o começo
desse mal estar, eu havia passado por dez exames gastrintestinais
superiores e inferiores, que constataram uma irritação inflamada no mesmo
local. consultei quinze médicos diferentes e experimentei cinqüenta tipos
diferentes de medicamentos para úlcera. A única coisa que achei que
funcionava eram opiatos pesado. Houve muitas ocasiões em que me vi
literalmente incapacitado, na cama durante semanas, vomitando e passando
fome. Por isso, decidi, se me sinto como um drogado desse jeito, eu bem
posso ser um.
O que era extraordinário no relato de Kurt sobre sua jornada para
o vício era sua consciência com respeito ás escolhas envolvidas. Ele falava de
seu vício como uma "decisão", uma decisão tomada por causa dos
pensamentos suicidas que lhe ocorriam depois da dor de estômago crônica.
Seu senso de oportunidade situou o inicio de seu vício pleno no começo de
setembro de 1991, o mês do lançamento de Nevermind.
Courtney também tinha se debatido com o vicio em drogas durante
o verão de 1989, quando a heroína havia sido a coqueluche no meio do rock
de Los Angeles: ela havia participado de grupos dos 12 passos e usado
cantos budistas para ajudá-la a vencer o vício. Mas sua sobriedade estava
tênue em outubro de 1991, motivo principal pelo qual amigas como Jennifer
Finch a advertiram para que ficasse longe de kurt. Os problemas de droga de
Courtney eram diferentes de Kurt — para ela, a heroína era uma droga
social, e o próprio fato de que não conseguisse se injetar era uma barreira ao
abuso diário. Mas porque Courtney anteriormente havia lutado contra a
droga, muitos na comunidade do rock fofocavam que ela o havia agarrado
pelas drogas, quando, em diversos sentidos, a verdade era o contrário. "As
pessoas culpam Courtney, dizem que Courtney o ligou na heroína, mas isso
não é verdade", afirma Krist. "Ele tomava a droga mesmo antes de conhecer
Courtney. Courtney não levou Kurt ás drogas."
Depois de sua primeira noite tomando heroína juntos, na noite
seguinte ele queria se drogar novamente. "Eu tinha como regra não tomar
droga duas noites seguidas", lembra Courtney, "Pois isso era ruim. E eu
disse: "Não, isso não vai acontecer". Com isso, ele foi embora."
Na terceira noite, Kurt ligou para ela, soluçando, e perguntou se
ela podia ir vê-lo. Quando Courtney chegou ao hotel, encontrou-o tremendo
incontrolavelmente, sofrendo um colapso. "Tive de colocá-lo no banho",
lembra ela. "Ele estava prestes a ficar famoso e isto o apavorava. E ele era
muito magro e esquelético.
Praticamente tive de colocá-lo em pé com meus braços, porque ele
desabava. Ele não estava drogado. Mas ele voltou e ficou amuado porque eu
não quis tomar heroína com ele." Courtney tomou heroína novamente com
ele naquela noite. "Não estou dizendo que foi culpa dele, o que estou dizendo
é que foi uma escolha que fiz. Pensei: "acho que vou voltar a isto."
À medida que o Nirvana continuava a excursão de Nevermind, as
vendas do disco cresciam exponencialmente. Toda manhã, enquanto a
excursão avançava pela Costa Oeste, eles ouviriam um novo relatório das
cifras mais recentes. O disco tinha vendido 100 mil cópias em San Diego,
200 mil em Los Angeles e, na manhã em que chegaram a Seattle para um
show de Halloween, o disco recebera o disco de ouro, tendo vendido meio
milhão de cópias. Apenas um mês antes, Kurt estivera destruindo discos de
ouro de Nelson em um microondas — logo ele também teria o seu. Mas,
apesar da atenção e da fama em rápido crescimento, naquela tarde Kurt
tinha outras preocupações urgentes — ele estava sem meias. Ele e Carrie
Montogomery caminharam do teatro até o Bon marché. Na loja de
departamentos, Kurt selecionou vários pares de cuecas (agora ele estava
comprando cuecas samba-canção) e meias (brancas). Quando trouxe suas
compras para o balcão, desenrolou-se uma cena digna de um peça de
Samuel Beckett: "Ele começa a tirar os sapatos e as meias para pegar o resto
do seu dinheiro", lembra Carrie. "Ele tinha aquelas notas amarrotadas no
sapato. Estava literalmente esvaziando o sapato no balcão do Bon Marché e
o vendedor olhava para ele como se ele fosse maluco. Dessa maneira
extravagante, antiquada, ranzinza, ele começou a desdobrar as notas e levou
uma eternidade para fazer isso. teve de procurar em outro bolso para
encontrar mais.
Havia um monte de fiapos de tecido sobre o balcão ao lado do
dinheiro. O vendedor, de terno, olhava para Kurt como se ele fosse um semteto."
Apesar do seu disco de ouro, Kurt ainda era um sem-teto hospedavase
em hotéis ou com amigos como Carrie quando a banda não estava
viajando. O show daquela noite foi como um borrão indistinto para Kurt:
com uma equipe de documentário filmando, atenção da mídia, pessoal de
promoção das rádios e sua família e amigos nos bastidores, era como se para
todo lado que ele se voltasse, alguém estivesse lhe pedindo alguma coisa. Ele
havia complicado as coisas por duas de suas próprias decisões: ele
convidara o Bikini Kill para abrir o show e, por isso, Tobi estava por perto:
além disso, ele havia convencido Ian Dickson e Nikki McClure a participarem
como dançarinos go-go vestidos em Colants — o de Ian dizia "menina" e o de
Nikki, "Menino". Quando o câmeras insistiram em empurrar para o lado os
dançarinos de Kurt, ele ficou decepcionado e demonstrou isso em seu
desempenho. A revista The Rocket comentou: "Esses sujeitos já são ricos e
famosos, mas ainda representam uma emanação pura do que é ser
insatisfeito na vida".
Depois do show, Kurt parecia traumatizado. "Ele me fazia lembrar
de um gato na gaiola", observa o fotógrafo Darrell Westmoreland. Quando
Westmoreland fez Kurt posar com sua irmã Kim, Kurt deu um puxão no
cabelo dela no momento em que o obturador estalava. "Ele estava muito
puto e era um pentelho" lembra Kim.
Mas os momentos mais estranhos do dia foram reservados — como
na tarde de autógrafos na Beehive — para um par de fantasmas de que Kurt
não conseguiu fugir. Mais tarde naquela noite ele ficou com Tobi, e ela
acabou dormindo no chão de seu quarto de hotel. Ela não era a única no
quarto — como sempre, havia uma meia dúzia de amigos que precisavam de
um lugar para desmaiar —, mas não deixava de ser uma grande ironia que
Tobi estivesse dormindo no chão de seu quarto no dia em que ele havia
vendido meio milhão de cópias de um disco que falava ostensivamente sobre
como ela não o amava.
E depois do show, Kurt deparou com outro rosto familiar do porto.
Ali, em pé ao lado da porta do palco, fumando maconha com Matt Lukin,
estava Steve Shillinger disse as palavras que agora eram dolorosamente
óbvias para Kurt, por mais que ele quisesse negá-las: "Agora, você é
realmente famoso, Cobain. Você está na televisão, tipo, a cada três horas".
"Eu realmente não notei", disse Kurt, desviando por um momento
para procurar o clássico retorno "Cling-On" que desarmaria esta condição de
fama, como se as palavras por si só pudessem deter algo que agora era
irrefreável.
"Isso eu não sei", respondeu Kurt, soando muito jovem. "Eu não
tenho televisão no carro onde moro."

BREED

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