domingo, 16 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 7ª Parte



UM PASTELÃO NA MINHA
BRAGUILHA

Raymon, Washington, Março de 1987.

"Tem um pastelão na minha braguilha".

Kurt a uma multidão de quinze pessoas no primeiro concerto do Nirvana.
A CARREIRA DE KURT COBAIN COMO BANDLEADER quase se
encerrou antes mesmo de começar. Numa noite de chuva no inicio de março
de 1987, a banda finalmente saiu de Aberdeen numa camionete-baú cheia
de equipamentos com destino ao seu primeiro show. A banda ainda não
tinha nome, embora Kurt tivesse passado horas a fio considerando diversas
opções, entre quais Poo Poo Box, Designer Drugs, Whisker Biscuit, Spina
Biffida, Gut Bomb, Egg Flog, Pukeaharrea, Puking Worms, Fish Food, BAt
Guana e Incompotent Fools (internacionalmente grafada errado), além de
muitas outras. Em março de 1987 ele ainda tinha de ser fixar em um nome.
Eles se dirigiam para Raymond, meia hora ao sul de Aberdeen,
porém mais parecida com Aberdeen do que a própria Aberdeen: era uma
autêntica cidade de madeireiros e bitolados, já que praticamente todo
emprego se relacionava com madeira.
Escolher Raymond para seu Show de estréia era com uma
produção da Broadway iniciar sua temporada nos Apalaches — era uma
chance para testar coisas com uma platéia tida como não muito perspicaz
ou sofisticada.
Ryan Aigner, que por sua natureza sociável se tornara seu
empresário por um breve momento, havia acertado a apresentação. Ele
importunou Kurt para que se apresentasse numa festa sem o consentimento
prévio de Kurt. Ryan emprestou uma van de transporte de carpetes de seu
emprego, colocou os equipamentos dentro e apanhou Kurt, Krist, Buckhard,
Shelli e Tracy, que tiveram de se senta entre rolos de carpete. Durante a
viagem, Kurt se queixava sem parar de que a banda — que tinha de tocar em
outro lugar que não seu minúsculo barraco — merecia algo melhor do que
essa apresentação. "Estamos tocando em Raymond", disse ele, pronunciando
o nome da cidade com pouco-caso. "Na casa de alguém, ainda por cima. Eles
ainda não sabem o que é rádio. Eles vão nos detestar." "A idéia de Kurt
observou Ryan, "Era que ou a multidão iria odiá-los, o que eles aceitariam,
ou iria adorá-los, o quem também seria legal. Ele estava preparado para
qualquer das duas coisas." Este foi um exemplo clássico de um artifício que
Kurt aplicaria ao longo de sua carreira: menosprezando o sucesso e, de fato,
pintando o pior cenário possível, ele imaginava que poderia se proteger do
verdadeiro fracasso. Se o evento real que ele temia fosse um desastre quase
total, ele poderia declarar com algum grau de triunfo que ele havia mais uma
vez passado a perna no destino. Desta vez, porem, sua previsão se mostraria
acurada. A casa estava localizada na estrada Nussbaum, 17, um caminho de
cascalho a onze quilômetros de Raymond, no meio de um campo. Quando
chegaram, ás nove e meia da noite, Kurt imediatamente ficou receoso, vendo
uma platéia de jovens que ele não conhecia. "Quando vi como era a banda",
lembra Vail Stephens, que estava na festa, "eu disse: 'Ô-ô'. Eles pareciam
muito diferentes da multidão em que estávamos". Foi exatamente o que Kurt
havia pensado quando observou as dezenas de adolescentes com camisetas
de Led Zeppelin e cabelos cortados rente na frente e comprido na nuca. Em
contraste, Krist estava descalço, enquanto Kurt vestia uma camiseta do
Munsters e um bracelete tachonado com pinos salientes que podia ter vindo
diretamente da King's Road de Londres em 1978.
Entraram numa casa decorada com um pôster do "Che", o encarte
de um disco do Metallica e um pôster do último disco de Def Leppard.
Pregados numa viga estavam diversas placas de rua roubadas, entre elas um
indicador da rodovia "Mile 69". Uma bateria Tama estava permanentemente
montada num canto da pequena sala de estar, assim como uma caixa
amplificadora Marshall, e havia um barril de cerveja do lado de fora da
cozinha.
Levou algum tempo para a banda montar os instrumentos e,
enquanto isso, seus integrantes não procuraram exatamente se integrar com
seus anfitriões. "Ele não disse uma palavra", Disse Kim Maden, referindo-se
a Kurt."Tinha o cabelo escorrido, meio gorduroso, que lhe cobria o rosto."
Pelo menos, em seu retraimento, Kurt era diferente de Krist, que entrou no
banheiro e começou a urinar, apesar do fato de o banheiro já esta ocupado
por uma garota. Krist abriu o armário de remédios, descobriu um frasco de
sangue falso para Halloween que usou para cobrir seu peito nu, procurou
fita isolante para colocar sobre os mamilos e começou a saquear os
remédios. Saiu do banheiro, ignorou o barril de cerveja, foi para a geladeira
e, encontrando a cerveja Michelob Light, gritou: "Oba, tem cerveja da boa!".
Nesse momento, Kurt começara a tocar e Krist teve de correr a apanhar seu
baixo porque o primeiro concerto do Nirvana havia começado.
Iniciaram com "Downer", uma das primeiras canções que Kurt
compôs. A música listava queixas clássicas de Cobain contra a condição
lamentável da existência humana. "Hand out Lobotomies / To Save Little
families" ["Distribuam Lobotomias / Para salvar as pequenas famílias"],
cantou Kurt. A letra obscura se perdia inteiramente para a platéia de
Raymond, que não conseguia ouvir nada além dos solos da guitarra pesada e
do baixo. Kurt acelerou na execução, embora a canção e as demais que se
seguiram fossem surpreendentemente profissionais. Em sua primeiríssima
apresentação pública, estava tudo ali, cada pedaço do Nirvana que
conquistaria o mundo nos anos que viriam; o tom, a atitude, o frenesi, os
ritmos ligeiramente desencontrados, os acordes notavelmente melódicos da
guitarra, as frases condutoras do baixo que garantiam o balanço do corpo da
platéia e, o mais importante, a concentração hipnótica de Kurt. Ele ainda
não era um executante plenamente realizado — e, de fato, os que estavam
na festa não se lembram de vê-lo erguer nenhuma vez a cabeça ou de que
tenha tirado o cabelo do rosto —, mas todos os blocos brutos essenciais da
construção estavam presentes. Valia a pena vê-lo, ainda que somente porque
ele parecesse tão denso.
Não que a platéia notasse, porque ela estava fazendo o que toda
aglomeração de adolescentes faz numa festa — bebendo e conversando. De
longe, o mais notável no show foi que a platéia não aplaudiu quando eles
terminaram seu primeiro número.
A única pessoa que pareceu animada foi Krist, que anunciou:
"Parece muito bom daqui", talvez para evitar que o ego suscetível de Kurt se
despedaçasse. Ryan, que estava drogado, replicou: "Parece muito melhor do
que costuma parecer".
"Acho que vocês deviam comprar um amplificador decente", foi o
único comentário de Kurt após encerrar a primeira canção de sua autoria
diante de uma platéia.
"Nós já temos um amplificador decente", afirmou Tony Poukkula,
que morava na casa, "só continua a detonar." Shelli gritou para Krist não
tirar a calça — era a única roupa que ele estava vestindo —, enquanto Kurt
brincava: "Tem um pastelão na minha braguilha". "Beastie Boys", gritou uma
mulher. "Bestiality Boys", respondeu Kurt.
Quando afinavam os instrumentos entre uma música e outra, Kurt
avistou Poukkula, que tinha fama de excelente guitarrista na área,
preparando sua Fender e se aproximando da banda. O que Ryan não havia
dito a Kurt era que a noite fora descrita para Pokkula como uma Jam
Session. A expressão de Kurt era de Horror, já que, mesmo nessa fase inicial
de sua carreira, ele não queria dividir o palco. "Seria legal fazer uma Jam",
mentiu delicadamente Kurt para Tony, "Mas você se importa se tocarmos
nosso show até o fim? Na verdade eu não conheço canções populares e acho
legal improvisar, mas só gosto de improvisar quando estou bêbado — desse
jeito não me importo." Poukkula foi compreensivo e se sentou. Cabia então a
Kurt entreter a platéia e nem Burckhard nem Krist, agora deitados sobre o
console de televisão pareciam estar prontos. "Vamos tocar só esta", ordenou
Kurt, impaciente. "Vamos só acertar o jeito que vamos tocá-la." E com isso
ele começou o solo inicial de guitarra de "Aero Zeppelin", supondo que seus
colegas de banda o acompanhassem, o que fizeram. Quando a música
prosseguiu, soava tão acabada como soaria um ano depois, quando a
gravaram.
Enquanto "Aero Zeppelin" terminava, os nativos começaram a ficar
impacientes.
Novamente não houve aplauso e desta vez Kurt ficou incomodado,
embora, para ser justo, grande parte do incômodo viesse de Krist e Ryan,
ambos tão bêbados que mal paravam em pé. A banda tinha conseguido,
como o faria em muito de seus primeiros shows, se sobrepor ao volume da
platéia durante as canções: não teriam tanta sorte durante os intervalos
entre as canções.
"Ei, de quem é toda essa maconha?", gritou Krist.
"Acido. Eu quero ácido!", gritou Shelli.
"Você deve apenas beber álcool", disse uma mulher de Raymond.
"Tudo o que eu quero é um bom baseado", replicou Krist.
"Você vai ver o baseado que eu vou dar para vocês agora mesmo".
ameaçou Ryan.
"Façam alguns covers. Toquem qualquer coisa. Estou cansado de
ver vocês bancando os bobos, retardados desse jeito. Vocês são bobos."
"Vamos tocar "Heartbreaker", gritou Krist, enquanto tocava a frase
de introdução no baixo.
"Vocês estão de porre?", perguntou um sujeito.
"Toquem como Zeppelin tocava", gritou outro.
"Toquem como Tony Iommi", gritou ainda outro.
"Toquem alguma do Black Sabbath", gritou alguém da cozinha.
E com isso a coisa quase desandou — Kurt estava cambaleando a
ponto de desmaiar. Krist continuava gritando "toque 'Heartbreaker'", a que
Kurt, numa voz que parecia muito nova, gritando de volta: "Eu não sei". Mas
mesmo assim eles começaram a canção do Zeppelin e o toque da guitarra de
Kurt foi ótimo. A execução parou na metade quando Kurt esqueceu a letra,
mas no momento em que ele parou, a platéia o incitou de novo, gritando
"solo". Ele fez sua melhor imitação de Jimmy Page em "Heartbreaker" e
incluiu trecho de "How Many More Times", mas quando parou nisso ainda
não houve aplauso. Sabiamente, Kurt gritou "Mexican Seafood", todo
mundo", e começaram a tocar esta música de sua autoria.
Em seguida, tocaram "Pen Cap Chew" e, depois, "Hairspray
Queen". Ao final deste número, Krist estava em pé sobre a televisão, fazendo
com a língua uma imitação do Kiss. Enquanto Kurt e Aaron continuavam a
tocar, Krist saltou pela janela para fora da casa. Parecendo um garotinho de
três anos de idade jogando água com uma mangueira num dia de verão,
Voltou para dentro da casa e depois fez tudo isso de novo. "Foi maluquice",
lembrou Krist. "Em vez de apenas fazer o show, pensamos, por que não um
evento? Foi um evento."
O que aconteceu em seguida garantiu que aquela seria uma festa
para ser lembrada. Shelli e Tracy decidiram se juntar ao estranho show
esfregando as mão no peito de Krist e se beijando entre Si. Kurt rapidamente
apresentou a canção seguinte: "Esta se chama "Breaking The Law". Eles
tocaram a música que mais tarde se chamaria "Spank Thru", uma canção
sobre masturbação. A platéia de Raymond pode não ter sido a mais
sofisticada, mas começou a ter a sensação de que era alvo de algum tipo de
gozação.
Shelli, tentando afanar algumas preciosas Michelob, teve o azar de
ficar com o colar preso na porta da geladeira. Quando Vail Stephens fechou
a porta e quebrou seu colar, uma briga começou. "Babaca gordo, escroto",
gritou Shelli, enquanto ela e Vail se engalfinhavam na estrada da garagem.
"Estávamos sendo chatos de propósito", lembrou Shelli. "Para nós eles era
uns caipiras, e não queríamos ser caipiras."
Kurt, vendo seu primeiro show se tornar um caos, pôs a guitarra
de lado e caminhou para fora, igualmente divertido e enojado. Fora da casa,
uma jovem atraente se aproximou de Kurt, e enquanto isso acontecia ele
deve ter sentido que seus sonhos juvenis de ser um astro do Rock e atrair
tietes estavam finalmente se realizando. Mas, em vez de uma fã adoradora,
esta mulher de cabeleira loura queria saber a letra de "Hairspray Queen".
Aparentemente, achava que a música havia sido composta sobre ela, talvez
ali mesmo, tratava-se apenas do primeiro de muitos casos em que as letras
de Kurt seriam erroneamente interpretadas. Já nesta primeira apresentação,
Kurt não se mostrou gentil a uma platéia que deturpava sua verdadeira
intenção. "É, eu vou lhe dizer a letra", ele falou, soando como se tivesse sido
insultado. "Diz o seguinte: 'Foda, Boceta, Mineteiro, Olho-do-cu, comer
merda, filho-de-uma-puta, lavagem anal, escroto [...]'" A garota desatou a
correr.
Kurt foi procurar Krist e o encontrou no teto da van, urinando nos
carros dos outros convidados. Vendo essa demonstração e sempre
preocupado inteligentemente com sua autopreservação, Kurt disse a todos
que era hora de ir embora. Juntaram seus equipamentos e partiram,
receando que sua retirada fosse impedida por punhos e pés de seus
anfitriões. Mas a platéia de Raymond, apesar de ser considerada caipira, na
verdade se mostrou mais receptiva do que muitas das platéias que pagariam
para ver o Nirvana nos vários anos seguintes.
Alguns chegaram a comentar: "Caras, vocês são muito bons".
Ouvir essas palavras foi um elixir para Kurt. Ver seu reflexo numa platéia,
mesmo que esta não fosse muito entusiasta, parecia muito mais atraente do
que sua própria autocrítica, que era incessantemente brutal. Se a platéia
tivesse feito alguma coisa menos do que enforcá-lo no poste de iluminação,
teria sido um triunfo. A platéia — distraída que fora por rodeios, brigas de
bar e um homem seminu saltando pelas janelas — havia lhe oferecido um
pequeno gosto de algo pelo qual ele ansiava mais do que tudo na vida: o ópio
da atenção.
Enquanto todos se apertavam na van, houve alguma discussão
sobre quem no grupo estava menos bêbado, e embora Kurt fosse o mais
sóbrio ninguém confiava nele para dirigir. Ele se sentou atrás, enquanto
Burckhard assumia o volante. "Todos foram para fora assistir á partida",
lembra Jeff Franks, que morava na casa.
"Todos se sentaram no banco traseiro da van sobre os rolos de
carpete, com a porta de trás ainda aberta. Conseguimos vê-los baixando a
porta enquanto aceleravam jogando cascalhos com os pneus."
Dentro da van não havia janelas e, com a porta deslizante
abaixada, era escuro como breu. Levaria vários meses até que tocassem
novamente diante de uma platéia, mas eles já olhavam com expectativas
para seu futuro, com uma pequena parte de sua lenda já formada.

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