segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 11ª Parte


DOCES. CACHORRINHOS. AMOR

Londres, Inglaterra
Outubro de 1989 - Maio de 1990

"Numa loja perto de você:
Nirvana. Flores. Perfumes. Doces. Cachorrinhos. Amor."

De um anúncio imaginário para o segundo disco do Nirvana.
NO DIA 20 DE OUTUBRO DE 1989, Kurt chegou a Londres. Ele
tinha três dias de folga antes do primeiro show e teria gostado de visitar o
Museu Britânico, mas ainda era tão pobre que teve de contentar-se em ter
sua foto tirada na entrada. Seus parceiros de banda exploraram os Pubs
britânicos, mas Kurt — que não bebia nem fumava maconha na época por
causa de seus problemas estomacais — ficou no hotel com bronquite, um
problema recorrente. para tentar se curar, ele batia no peito com o punho,
achando que essa violência soltaria seu catarro.
A banda estava excursionado pela Europa com Tad, Outra banda
da Sub pop, liderada por Tad Doyle, um ex-açougueiro de Idaho que pesava
mais de 130 quilos. uma vez que as duas bandas tinham em comum um
som grave e pesado, e por causa da obesidade quase aberrante de tad, um
inteligente promotor de eventos do Reino unido anunciou uma apresentação
como "Heavier Than heaven" ["mais Pesado que o Céu"]. O jogo de palavras
se tornou oficial da turnê, usado em cartazes e nas chamadas nos jornais.
Era um sumário apropriado para o ataque sonoro que ambas as bandas
criavam: se apenas o volume não cativasse as pessoas, os temas obscuros de
canções como "Downer", do Nirvana, e "Cyanide Bath", do Tad, certamente o
fariam. Eles haviam planejado repartir a liderança alternando-se nas
aberturas das apresentações, numa demonstração de fraternidade.
Kurt tinha a expectativa de fama e fortuna na Europa: em vez
disso, o que encontrou foi uma turnê de orçamento baixo que exigia que a
banda tocasse em 37 shows em 42 dias e em nove paises diferentes, um
roteiro que apenas seria possível se viajassem todas as noites. Seu veiculo,
alugado pela Sub Pop, era uma reduzida van Fiat de dez assentos, que tinha
de carregar o equipamento, o merchandising da turnê, três membros do
Nirvana, quatro membros do Tad e dois membros das equipes. Considerando
a circunferência de Tad, a altura de Krist e o fato de que o baterista do tad
insistia em ficar em pe na van, o carregamento diário podia levar uma hora e
parecia algo saído de uma rotina dos irmãos Marx.
Antes da partida, devido a muitos problemas gastrintestinais, Tad
Doyle tinha de passar por uma sessão diária de vômito quase ritualística.
Este último mal-estar era tão regular que poderia ter sido adicionado ao
programa da excursão: "10h: carregar a van; 10h 10: vômito do Tad".
Kurt ficou fascinado pelo funcionamento interno de Tad. Ele estava
sofrendo de suas próprias dores de estômago, mas vomitava apenas bile ou
Sangue.
O vômito de Tad, declararia Kurt, parecia uma obra de arte. "Antes
que Tad entrasse na van, Kurt apanhava a bacia de plástico", lembra Kurt
Danielson, do Tad. "Ele ficava lá pacientemente, segurando aquele barril de
plástico, com um brilho de prazer nos olhos. ELe olhava para Tad, ansioso, e
finalmente Tad vomitava, e o vômito saia num fluxo glorioso, colorido, e Kurt
o apanhava por inteiro.
Ninguém mais passou a segurar a bacia — era tarefa de Kurt e era
o seu prazer." Tad também tinha freqüente urgência de ir ao banheiro, o que
significava incursões para a margem da estrada, para grande espanto dos
motoristas ingleses que passavam por um homem de mais de 130 quilos
fazendo as necessidades no canteiro central da rodovia. Em certo sentido, o
sistema gastrintestinal de Tad se tornou a musa de Kurt naquele outono: ele
compôs a canção "Imodium" sobre o medicamento que Tad tomava para
diarréia.
A evacuação continuou como tema quando a banda explorou o
famoso bairro de luzes vermelhas de Hamburgo e seus supermercados
pornô. Kurt também era um pouco pornógrafo amador: obcecado com o
traseiro feminino, ele fotografara o traseiro de Tracy em diversas ocasiões.
Ele achava sexista a pornografia comum, mas era arrebatador pela
pornografia divergente, do mesmo modo que um antropólogo procura tribos
ainda não descobertas. Ele era particularmente fascinado por revistas que
retratavam o que ele chamava de "amor fecal", o fetiche sexual formalmente
conhecido como escatofilia. "Kurt era fascinado por qualquer coisa fora do
comum: qualquer coisa anômala, psicologicamente estranha ou incomum,
física ou socialmente estranha", observa Danielson. "Se envolvesse funções
corporais, melhor ainda. Em vez de beber ou fumar maconha, ele ficava
alucinado observando as idiossincrasias peculiares da humanidade se
desenrolando ao seu redor," Kurt era pobre demais para comprar
pornografia, mas Tad comprou uma revista que mostrava Cicciolina, uma
estrela da industria do sexo que conquistou fama internacional após ser
eleita para o Parlamento italiano. Uma revista ilustrada mostrava Cicciolina
saindo de uma limusine e urinando na boca de um homem. Toda manhã, já
na van, Tad sacava a revista e anunciava; "A biblioteca está aberta" — depois
disso, a cobiçada revista seria passada adiante.
Essas extravagâncias adolescentes eram as únicas diversões numa
programação entorpecente e desmoralizante. "Fomos a Paris, mas não
tivemos tempo de ver a torre Eiffel", lembra Chad. A programação, afirmava
Kurt, parecia destinada a esgotá-los física e psicologicamente. O ritmo
frenético começou a afetar seus shows: ás vezes eles tocavam
excepcionalmente bem "como em Norwich, onde uma multidão incontrolável
os chamava de volta para bisar), e outras vezes tudo saia errado (como em
Berlim, onde Kurt quebrou sua guitarra depois de seis canções).
"Eles eram ora fenomenais, ora meio atrozes", lembra o empresário
da turnê Alex MacLeod. "Mas mesmo quando conhecia suas canções, e
muitos shows ficaram lotados — uma novidade para o Nirvana. Mas
considerando que os locais eram pequenos, nenhuma das bandas ganhava
muito dinheiro.
O que de fato conseguiram foi publicidade da imprensa, e isso,
juntamente co a extensa divulgação do influente Dj John Peel, impeliu
Bleach para os dez discos de maior sucesso das paradas de selos
independentes do Reino Unido. Quando estava em Berlim, O Nirvana
conquistou sua primeira matéria de capa de revista, na The Rocket, de
Seattle. Kurt contou ao redator Nils Bernstein, os Pixies e os Vaselines, sua
última e maior paixão. Ele também abordou o que descrevia como
preconceito dos avançadinhos de Seattle contra o Nirvana: "Eu acho que
temos sido rotulados de garotos caipiras e iletrados que comem as primas e
não têm a menor idéia do que está rolando. Isso é completamente
inverídico".
Embora estivesse tocando finalmente para as platéias
apaixonadas, Kurt foi tomado por uma terrível melancolia. Nas ocasiões em
que ele podiam pagar um hotel, geralmente dividia o quarto com Kurt
Danielson e os dois ficavam a noite inteira no escuro, olhando para o teto e
conversando sobre que diabo os havia levado para o inferno de uma van
Fiat. Kurt contava histórias fantásticas da sua infância, do Gordo, da prisão
de Aberdeen e de uma estranha religião que Dylan Carlson havia criado,
misturando cientologia e satanismo. Mas as histórias mais bizarras que
contava eram de sua própria família: casos de Don e Wendy, das armas no
rio, de seus amigos de escola paquerando sua mãe. Durante uma noite de
inquietura, Kurt confessou que gostaria de estar em casa. "Eu tenho
desejado ir embora desde a primeira semana desta excursão", disse ele,
deitado na cama do hotel. "Eu poderia, sabe? Eu poderia ir para casa da
minha mãe agora mesmo, se quisesse — ela me deixaria. Ela me mandaria o
dinheiro." Sua voz vacilava como se ele estivesse dizendo uma mentira
elaborada . "Ela me aceitaria, sabe?"
Alguns dias depois, em Roma, Kurt entrou em desespero no palco.
O Tad havia tocado primeiro e incendiara a platéia com a ladainha "Fuck the
Pope", sempre popular entre os roqueiros punk na Itália. No momento em
que o Nirvana entrou, a platéia lotada estava irritada. Mas os problemas com
o sistema de som enfureceram Kurt, e depois de tocar durante quarenta
minutos, ele escalou uma pilha de alto-falante de nove metros de altura e
gritou para a platéia; "Eu vou me matar". Ninguém ali — nem krist, nem
Chad, nem Poneman ou Pavitt (que tinham vindo para a apresentação) —
sabia o que fazer. Nem mesmo Kurt, que subitamente se viu diante de uma
platéia gritando "pula, pula..." em inglês arrastado. Ele ainda estava
dedilhando a guitarra — o resto da banda havia parado para olhar — e
parecia incerto sobre o que fazer em seguida. "Ele teria quebrado o pescoço
se tivesse saltado e em, algum momento ele percebeu isso", observa
Danielson. Kurt acabou descendo, mas sua piração não havia terminado.
Nos bastidores, o promotor se queixou de que o microfone tinha sido
quebrado, o empresário MacLeod contestou e demonstrou que o microfone
funcionava bem — eles mal tinham dinheiro para substitui-lo. Kurt então
agarrou o microfone, torceu-o como Roger Daltry e o despedaçou no chão.
"Pronto, agora está quebrado", exclamou enquanto saia.
Ele se recuperou suficientemente para tocar em mais cinco shows
na Europa, e a excursão chegou a Londres para outra "Lamefest". Kurt
emprenhou todas as suas forças para esse último compromisso, saltando
sem parar no palco até que seus joelhos ficassem ensangüentados.
Psicologicamente, a excursão terminara para Kurt depois de Roma. Como ele
não tinha outro guitarrista para demitir, dessa vez basicamente demitiu sua
gravadora. Pavitt e Poneman haviam ido de avião até lá: Kurt não conseguia
evitar comparar as condições na Van com o estilo jatinho com que esses dois
viajavam. Embora o Nirvana ficasse na Sub Pop por mais um ano, um
casamento em deterioração progressiva, Kurt já havia emocionalmente
jogado fora sua gravadora.
No momento em que o Nirvana retornou aos Estados unidos no
começo de dezembro, Krist e Shelli tinham anunciado seu noivado, com
casamento marcado para a véspera de Ano-Novo em sua casa em Tacoma.
Kurt e Tracy compareceram, embora o trajeto de Olympia a Tacoma tenha
sido um dos piores trinta minutos de seu relacionamento. Trancy não
conseguia testemunhar o casamento de Shelli sem mencionar o tema do
envolvimento com Kurt, ainda que ela soubesse que esse era um tópico
destinado a magoá-la. Durante a turnê européia, Krist ligava freqüentemente
para Shelli: tudo o que Tracy recebia de Kurt era um ocasional cartão-postal,
embora um deles disesse "Eu te amo" vinte vezes. Mas, no trajeto até
Tacoma, a única maneira pela qual ele se referiu ao casamento foi brincando
sobre ela se casar com outro."Eu ainda gostaria de fazer sexo com você,
porque eu realmente gosto", disse-lhe ele, achando que estava elogiando.
No casamento, Kurt passou a maior parte da noite sozinho no
telhado saudando o novo ano, completamente bêbado.
Naquele Natal, Kurt e Tracy haviam comemorado quase três anos
juntos. Embora lhe faltasse dinheiro, havia dado de presente a ela The Art of
Rock, um livro de mesa de cem dólares. Externamente eles pareciam um
casal firme, mas alguma coisa havia mudado em Kurt, e tanto ele com o
Tracy sabiam disso. Quando ele regressava da excursões, levava tempo para
se tornar mais afetuoso com ela, e o contraste entre o tempo que passavam
separados e o tempo que passavam juntos estava testando a paciência de
Tracy. Ela sentia que o estava perdendo para o resto do mundo.
E, em certo sentido, ela estava. à medida que as coisas
continuavam a melhorar para o Nirvana, a banda progressivamente lhe
fornecia a auto-estima e o apoio financeiro que antes era ela quem lhe dava.
No começo de 1990, Kurt tinha atividades relacionadas com a banda que
precisavam ser realizadas diariamente, e Tracy não sabia por á prova onde é
que ela se situava na comparação. Mas, na verdade, ela também estava se
afastando dele. Era uma garota equilibrada e Kurt continuava a ficar cada
vez mais excêntrico. Ela se perguntava onde aquilo tudo poderia terminar.
Em fevereiro daquele ano, ele escreveu em seu diário — metade fantasia e
metade realidade — o que teria preocupado qualquer namorada: "Sou um
homem de 23 anos e estou amamentando. Meus seios nunca doeram tanto,
nem mesmo depois de receber torções nos peitos de colegas da escola
fanfarrões. Faz meses que não me masturbo porque perdi a imaginação.
Fecho os olhos e vejo meu pai, garotinhas, pastores alemães, comentaristas
de noticia da tevê, mas nenhuma gatinha voluptuosa fazendo beicinho e
estremecendo em êxtase. Vejo lagartos e golfinhos". Este e outros registros
semelhantes a deixavam preocupada sobre o estado mental de Kurt.
Ele nunca dormira bem, rangendo os dentes á noite e se queixando
de pesadelos recorrentes. "Até onde ele conseguia se lembrar, sempre
sonhara com pessoas que tentavam matá-lo, lembra Tracy. "Nos sonhos, ele
está tentando afastar as pessoas com um taco de beisebol, ou pessoas com
facas estão vindo atrás dele, ou vampiros." Quando ele despertava, ás vezes
com lágrimas nos olhos, Tracy o confortava do jeito que uma mãe acalma
um menino, abraçando-o e afagando-lhe os cabelos. Ela sempre estria ali
para ajudá-lo, dizia-lhe; ela jamais iria partir.
No entanto, ele ficava deitado olhando para o teto, encharcado de
suor. "Ele tinha esses sonhos o tempo todo." Ela receava pelo modo como ele
conseguia se acalmar quando estivesse em turnê.
Externamente, durante o dia, ele parecia ótimo — jamais falava
sobre os sonhos ruins, dando antes a aparência de alguém que sonhava
apenas com a banda. O Nirvana começou o ano com uma breve sessão de
estúdio onde gravaram a canção "Sappy". Já na excursão européia falaram
sobre um novo disco para o verão. Pela primeira vez na carreira Kurt ele não
era a força solidária pressionando por um novo lançamento — agora, a Sub
Pop, a imprensa, a rádio universitária e até um número crescente de fãns
estavam lhe pedindo músicas novas. Ele ainda estava compondo num ritmo
prodigioso e as canções estavam ficando melhores. Nikki McClube se
mudaram para o apartamento vizinho ao dele e costumava ouvi-lo através
das paredes, constantemente tocando guitarra. Certa tarde, naquele inverno,
ela ouviu uma bela melodia chegando pelo respiradouro da calefação: ele
ficava iniciando e parando a canção, como se a estivesse construindo na
hora. Naquela noite ela sintonizou o rádio na KAOS e ouviu Kurt tocando ao
vivo a canção que estivera ensaiando durante o dia.
No dia 19 de janeiro de 1990 , o Nirvana fez ainda outro show em
Olympia que entraria para os livros de história, embora desta vez por razões
diferentes dos demais. O show, no salão de uma fazenda fora da cidade,
juntaria o Nirvana, os Melvins e o Beat Happening. Como de costume, Kurt
usava sangue falso para traçar marcas de agulha em seus braços. Por não
saber direito como deveria ser um drogado, ele rabiscou marcas que lhe
deram uma aparência asquerosa, mais como a de um zumbi de um filme de
Ed Wood do que a de um viciado em drogas. "Ele estava usando mangas
curtas, e ambos os braços, dos pulsos até as mangas, tinham aquelas
equimoses", observa Garth Reever. "Parecia que ele tinha uma doença."
Apesar disso, a tentativa de Kurt de fazer uma brincadeira teria
conseqüências não planejadas: sua paródia se perdeu na platéia e
começaram a circular rumores de que ele era realmente um drogado. No
entanto, o show marcou uma espécie de divisor de águas: embora os Melvins
encabeçassem o show, o Nirvana era agora mais popular que seus mentores.
Os melvins acabaram sua apresentação com uma versão agitada de "Rockin
in the Free World", de Neil Young. Kurt estava na fileira da frente, erguendo
o punho com o restante da platéia, embora não tenha de notar que um terço
dela havia saído depois da apresentação do Nirvana.
Algo ainda mais chocante aconteceu na noite seguinte, quando os
Melvins e o Nirvana tocaram em Tacoma, em um espaço chamado Legends.
O concerto teve os ingressos esgotados e rendeu ao nirvana um dia de
pagamento de quinhentos dólares, um dos maiores cheques recebidos até
então. Havia umas cem pessoas fazendo mergulho de palco, criando um
verdadeiro caos. Uma das mais irritantes foi Matt Lukin, do MudHoney, que
usou seu passe para os bastidores para andar no palco e mergulhar de
cabeça na platéia. A apresentação do Nirvana teve de ser interrompida três
vezes para apartar brigas entre Lukin e os saltadores. "Ele é nosso amigo",
ficava dizendo Kurt aos saltadores, ao mesmo tempo preocupado e
embaraçado. Ao final da apresentação do Nirvana, que incluía parte de
"Sweet Home Alabama" de Lynyrd Skynyrd, havia cinco guardas de
segurança postados na frente da banda. Isso não pareceu estranho a Kurt,
mas o que certamente o surpreendeu foi ver Mark Arm, do Mudhoney,
postado á direita do palco, agitando a cabeça para a frente e para trás
durante toda a apresentação do Nirvana.
Mark Arm, cujo nome verdadeiro era Mark McLaughlin, era
comprovadamente o formador de gosto para o Punk rock de Seattle.
Enquanto Pavitt e Poneman haviam habilmente capitalizado o grunge, Arm,
com sua banda Mudhoney e seu grupo anterior, O Green River,
praticamente inventara o estilo musical e até propusera o termo "grunge",
escrevendo num fanzine de Seattle no inicio dos anos 80. Arm era brilhante,
sarcástico, talentoso, famoso por suas festas: transpirava o tipo de confiança
que levava as pessoas a pensarem que ele estava destinado ao estrelato. Em
suma, ele era tudo o que um garoto inseguro de Aberdeen jamais imaginaria
poder ser. Ter Arm presente em seu concerto, e vê-lo desfrutando-o, era
como ter Jacqueline Kennedy Onassis dançando a noite inteira em sua festa
de casamento. A adoração que Kurt tinha por Arm era óbvia para todos, mas
tinha de ser mais óbvia para Buzz Osborne, que estava observando seu
antigo rebanho se afastar.
Kurt havia tentado aprofundar sua amizade com Arm, com pouco
sucesso. Quando se mudou para Seattle, freqüentemente parava no
apartamento dele, onde ficava intimidado com a coleção de singles punk
rock de Arm — o símbolo último de status no circulo. "Era óbvio que ele
idolatrava Mark", lembra Carrie montgomery, namorada de Arm. "Mark não
ficou tão impressionada com isso, é claro." Na época, o Mudhoney
continuava a ser a prioridade da Sub Pop e os reis do cenário musical do
noroeste. Muitas gravadoras importantes estavam interessadas neles, mas o
grupo garantia que ficaria com a Sub Pop — isso graças á amizade entre
Arm e Pavitt.
Mesmo para o Mudhoney, porém essa amizade foi testada durante
o ano de 1990, quando os problemas financeiros da Sub Pop ameaçavam
afundar a gravadora e todas as bandas que estavam com ela. Embora os
discos do Tad, do Nirvana e do Mudhoney tivessem sido sólidos em vendas,
estas não estavam nem um pouco perto do nível necessário para custear a
enorme operação que Pavitt e Poneman haviam montado.
"A Sub Pop até pediu um empréstimo de metade de nosso primeiro
avanço pela Europa", lembra Steve Turner, do Mudhoney. O selo estava tão
quebrado que oferecia ás bandas ações em lugar dos direitos devidos.
"Dissemos: 'Qual sentido disso?", lembra Matt Lukin. "Vocês vão estar
falidos em duas semanas." Era particularmente difícil para Lukin assistir
quanto a Sub Pop tratava mal seus amigos no Nirvana. "Eu vi quanto tempo
Bruce ficou prometendo lançar outro disco deles e continuar a protelar",
lembra Lukin. "Eles foram colocados em banho-maria."
O dinheiro que Kurt havia ganho com a excursão foi gasto
rapidamente. Naquela primavera ele começou novamente a se candidatar a
empregos, veiculando anúncios no Daily Olimpian para ocupações como as
de limpar apartamentos e lavar canis em clinicas veterinárias: ele chegou a
se candidatar para este último cargo, mas foi rejeitado. Ele e Krist decidiram
começar seu próprio negócio de faxina, ao qual chamariam "Pine Tree
Janitorial". Foi um dos muitos esquemas de Kurt para enriquecimento
rápido e ele chegou a ponto de desenhar um folheto para seu novo negócio
com ilustrações mostrando os dois arrastando esfregões. O anúncio
proclamava: "Deliberadamente limitamos nosso número de escritórios
comerciais a fim de fazer pessoalmente a limpeza e não nos afobar". Apesar
de espalhar panfletos por toda Olympia, nenhum cliente os contratou.
Quando não era o diretor executivo da Pine Tree Janitorial, Kurt
estava compondo canções e excursionando. Partiram na primeira semana de
fevereiro para uma turnê pela Costa Oeste com o Tad, a turnê mais bemsucedida
até então, atraindo platéias grandes e entusiastas em PortLand e
San Francisco (uma apresentação no dia dos Namorados anunciava as
bandas como ("grandalhões ardentes"). Mesmo na clinica Hollywood as
pessoas gritavam para entrar em seu show no Raji's. "Foi a noite em que eles
conquistaram Los Angeles", lembra Pleasant Gehman, responsável pela
contratação da sala. "As pessoas estavam simplesmente pasmas. O clube
comportava apenas duzentas pessoas, mas eu juro que havia quatrocentas
lá dentro." Em Los Angeles, hospedaram-se com Jeniffer Finch, da banda L7,
que os descreveu como "semelhante ao número do cachorrão e do
cachorrinho no circo: Chad era minúsculo, seu cabelo descia até a bunda e
seus olhos eram selvagens: Kurt era um pouco mais alto que Chad, mas com
o cabelo fibroso e comprido: e depois tinha Krist, que era tão alto que o
pescoço doía ao se olhar para ele".
A excursão também assistiu ao reencontro de Kurt com seu velho
amigo Jesse Reed, que agora estava morando nos arredores de San Diego.
Encontraram-se no McDonald's de San Ysidro, famigerado por ter sido palco
de um sangrento tiroteio e lugar que Kurt insistia que fizesse parte das
viagens do grupo. Jesse foi de carro com a banda para Tijuana para um
show, e mais tarde naquela noite, dois dias antes do aniversário de 23 anos
de Kurt, os dois velhos amigos comemoraram bebendo meio galão de birita e
cheirando metanfemina. Apesar dos permanentes problemas estomacais, no
inicio de 1990 Kurt começou a beber novamente, e embora seu consumo de
álcool ainda fosse esporádico, quando ele bebia era em excesso.
Quando Kurt regressou a Olympia, dispunha de apenas três
semanas antes de sair para mais outra longa excursão, que incluía uma
escala em Wisconsin para gravar o reforço a Bleach. Kurt e Tracy tentaram
reacender o namoro, mas a tensão era óbvia a todos que os rodeavam. "Eles
não mais interagiam muito em público", lembra "Slim" Moon. Kurt se
queixou para "Slim" de que Tracy queria fazer sexo com mais freqüência do
que ele. Para ela, fazia parte do laço do relacionamento: para ele, significava
um envolvimento emocional que não podia mais manter.
Em março daquele ano, Damon Romero passou pelo apartamento
uma noite e Kurt alugou um vídeo, atividade freqüente para uma pessoa
caseira como ele. Kurt escolheu o filme mais recente de Alex Cox, intitulado
Straight to Hell — estrelado por Joe Strummer e Elvis Costello. Enquanto
assistiam, Romero apontou para uma atriz e disse; "Ei, é a garota daquela
banda de PortLand". Ele estava apontando para Courtney Love. Apesar das
resenhas furiosas que havia recebido da critica, Kurt gostou do filme. "Tinha
Kitsch suficiente para Kurt gostar dele", lembra Romero.
No dia 20 de março, a banda entrou furtivamente numa sala de
aula da Evergreen com alguns amigos para filmar o que Kurt imaginava
poder ser um vídeo oficial da banda. O plano de Kurt era que a banda
tocasse enquanto ao fundo seriam projetadas vinhetas que ele havia gravado
da televisão. "Ele tinha horas e horas daquela coisa excêntrica", lembra o
diretor Jon Snyder. "Ele havia gravado Star Search com uma velha fórmula
Donny e Marie, trechos da ilha da fantasia e todos aqueles comerciais
malucos 'Lee Press-On Nail' da madrugada." Para a primeira música,
"Shool", a banda tocou enquanto Donny e Marie dançavam atrás deles. Para
"Big Cheese", as imagens de fundo vinham de um filme mudo sobre bruxas
que Kurt havia encomendado, juntamente com alguns filmes super-8 que ele
havia feito em sua infância "O filme tinha bonecas quebradas, bonecas em
chamas ou coisa do tipo Toy Story, onde as bonecas são todas montadas de
maneira errada", lembra Alex Kostelnik, que operava uma das câmera. Kurt
propôs que a gravação continuasse e fosse a Aberdeen para adicionar mais
tomadas de seus fantasmas de infância. Como muitas de suas idéias, jamais
foi posta em prática.
Uma semana depois, carregaram novamente a Van e voltaram a
excursionar. Tracy estava dormindo quando Kurt saiu, mas ela havia escrito
um bilhete no diário dele: "Adeus, Kurdt. Faça uma boa excursão e uma
excelente gravação. Fique por lá. Eu vou ver você dentro de sete semanas.
Sinto saudade de você. Com amor, Tracy". Era um bilhete carinhoso, mas
mesmo em sua afeição era perceptível uma derrota. Agora, até Tracy estava
grafando o nome dele como seu alter ego "Kurdt". Ela havia perdido seu
Kurt.
Em Chicago, no dia 2 de abril, a banda estreou "In Bloon". Após o
show, dirigiram a noite toda para chegar a Madison, Wisconsin, sede da
Smart Studios e do produtor Butch Vig. Tinham apenas uma semana para
gravar o disco, mas Kurt lembrou a todos a quantidade de faixas que eles
haviam conseguido gravar durante cinco horas para sua primeira demo. A
maioria das canções nova ainda estava em embrião, fato cuja importância
Kurt tentou reduzir. No entanto, tinham toda a confiança de que Vig — que
havia trabalhado com centenas de bandas de rock alternativas — podia
transformar suas idéias. De fato, vig impressionou-os; sendo ele próprio um
baterista, conseguiu captar o som de bateria que Kurt achava que estava
faltando nos outros trabalhos da banda.
Trabalhando num ritmo frenético, gravaram oito músicas, inclusive
uma versão de "Here She Comes Now", do Velvet Underground, gravada para
um disco de compilação. Fizeram cinco canções novas e regravaram duas
antigas em poucos dias. Kurt, naturalmente, estava desapontado porque não
tinham feito mais. Cinco das canções que gravaram no Smart acabariam
sendo incluídas no disco Nevermind.
As novas canções traziam Kurt sondando as profundezas
emocionais da própria vida em busca de substância e compondo sobre os
personagens a sua volta. "In Bloom" era um retrato levemente disfarçado de
Dylan Carlson, enquanto "Pay to Play" zombava da prática dos clubes que
cobravam das bandas para que elas tocassem. "Breed" era a canção mais
complexa da sessão de gravações; ela começara com o titulo "Imodium",
sobre o remédio de Tad para diarréia, embora houvesse pouca coisa na
versão gravada no Smart que a vinculasse a Tad: ao contrário, Kurt usara o
título para sugerir uma continuidade excessiva de fala. mais elaborada que
as ladainhas anteriores de Kurt, a canção terminava com o verso "disse ela",
implicando um diálogo capitado ao qual era acrescentada outra camada de
narrativa para que fosse decifrada.
Kurt havia proposto um titulo para o disco; Sheep [Ovelhas]. O
nome era sua brincadeira particular com as massas que, segundo estava
convencido, ririam comprar seu próximo trabalho. "Porque você não quer:
porque todos os demais querem", escreveu ele em um simulacro de anúncio
para Sheep. O anúncio dizia "Que as mulheres possam governar o mundo.
Abortem Cristo. Assassinem o maior e o menor dos males. Roubem Sheep.
Numa loja perto de você. Nirvana. Flores. Perfume. Doces. Cachorrinhos.
Amor. Solidariedade Geracional. E Matança de Seus Pais. Sheep".
Por volta da mesma época, ele escreveu ainda outra biografia falsa
da banda, uma biografia que se mostraria curiosamente profética, ainda que
tivesse recheada das suas brincadeiras de adolescente. Ele descrevia a
banda como "Três vezes ganhadora do Grammy, número 1 das 100 Mais das
paradas da Billbored por 36 semanas consecutivas. Duas vezes capa de
Bowling Stoned, saudada pelas revistas Thyme e Newsweak como a banda
mais original, provocadora e importante de nossa década".
Poucas horas depois de finalizar a mixagem no Smart, estavam de
volta á excursão e Vig enviou as fitas matrizes para a Sub Pop, muito
embora a banda tivesse sérias dúvidas sobre se queriam que a gravação
fosse lançada pelo selo. Duas semanas depois, em Massachusetts, Kurt ligou
para Tracy e seguiu-se uma longa conversa telefônica — uma conversa que
ambos sabiam estar próxima, mas que ela havia desejado postergar ou
evitar. Ele lhe disse que as coisas não estavam funcionando entre eles e que
talvez não devessem mais morar juntos. Não era um rompimento completo; a
honestidade não era o modo de Kurt lidar com o conflito. "Ele achava que
talvez devêssemos morar separados por algum tempo porque precisávamos
de uma casa maior", lembra Tracy. A sugestão de kurt era salpicada por
"talvez" e temperada com a afirmação de que "mesmo que não estejamos
morando juntos, ainda estaremos saindo". Mas ambos sabiam que era o fim.
No mês seguinte, Kurt dormia com uma jovem durante a excursão.
Foi o único caso de infidelidade que seus parceiros de banda
testemunharam. Do jeito que foi, o sexo foi malfeito e Kurt se odiou por ter
sido tão fraco. Ele falou a respeito com Tracy quando regressou; tinha
havido muitas oportunidades para ele ter sido infiel ao longo dos anos, e a
ocasião dessa única infração sugere que ele estava tentando se distanciar
emocionalmente, dar a ela um motivo para odiá-lo, o que tornaria mais fácil
a separação.
Como em todas as excursões do Nirvana, após cerca de um Mês na
estrada a banda — e Kurt — parecia desmoronar. Num show no Pyramid
Club, perto do final de abril, eles tiveram outra rodada de problemas de som.
o ânimo de Kurt ficou exaltado quando viu uma única pessoa saltando entre
a multidão de curtidores de nova York, mesmo durante as demoradas
afinações da banda: não conseguiu acreditar no que via quando percebeu
que era Iggy Pop. Mas seu entusiasmo durou apenas um momento antes de
se converter em embaraço: Kurt estava vestindo uma camiseta do Iggy Pop.
Outras pessoas poderiam ter rido da coincidência, mas, para Kurt, isso
confirmava a idolatria ao rock que ele desesperadamente desejava esconder.
Ele terminou o show demolindo a bateria de Chad.
Chad tinha de estar muito atento aos humores de Kurt para
discernir quando este poderia ser lançar como um torpedo para dentro da
bateria. Era a um só tempo um ato agressivo e de autoflagelação — Kurt
passara a ficar insatisfeito com a percussão de Chad. Em Boston, Kurt
atirou um balde de água em Chad e errou a orelha do baterista por uma
questão de centímetros.
No momento em que a banda chegou de volta ao noroeste no final
de maio, quase não é preciso dizer que Chad estava fora da banda. É claro
que nada tinha dito. Mas, cerca de duas semanas depois que a excursão
terminara, Channing olhou pela janela de sua casa em Bainbridge Island,
viu a van subindo a longa rampa da garagem e, como o personagem
predestinado de um conto de Enerst Hemingway, sabia que o fim estava
próximo. Ele até ficou surpreso por Kurt ter vindo — era um testemunho do
quanto Kurt gostava de Chad, apesar de que logo iria afirmar que Chad "não
se encaixava na banda". Muitas vezes, os três haviam dormido na mesma
cama, Kurt e Chad ladeando krist, para que pudessem compartilhar do
mesmo cobertor. Krist foi quem falou; Kurt quase não disse uma palavra e
passou a maior parte da conversa olhando fixo para o chão. Mas, mesmo
para Chad, aquilo chegava como um certo alívio. "Eu passara os últimos três
anos com esse caras em uma intimidade muito estreita", lembra Chad.
"Passamos juntos pelo inferno. Estivemos juntos na merda, em pequenas
vans, tocando de graça. Não havia nenhum paizão com dinheiro grosso para
nos pagar fiança." Kurt deu um abraço de despedida em Chad. Ele sabia que
tinha havido amizade, mas também percebia que ela agora terminava. "Eu
sabia que, quando nos despedíssemos, eu não os veria por um longo tempo."

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