segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 9ª Parte



SERES HUMANOS DEMAIS

Olympia, Washington
Maio de 1988 - Fevereiro de 1989

"Too Many Humans"
O titulo Original de Bleach.

A SUB POP RECORDS HAVIA COMEÇADO no outono de 1987,
tendo discos do Green River e do Soundgarden entre seus primeiros
lançamentos. Jonathan Poneman, 28 anos de idade e co-proprietário,
parecia uma versão mais jovem e mais rígida de Reuben Kincaid, o
personagem que fazia o gerente do programa de TV The Partridge Family, e
seus esquemas promocionais pareciam tirados diretamente do projeto
empresarial de Kincaid, particularmente sua idéia de enviar grupos numa
van da Sup Pop. A maioria das bandas da gravadora percebia o caráter
instável de Poneman e quase ninguém lhe dava crédito. Ele havia utilizado
uma pequena herança para iniciar a gravadora, fantasiando que ela seria o
equivalente no noroeste da Stax ou da Motown. Ele tinha muitos pontos
positivos como promotor — entre eles não se incluíam pensar pequenos e
operar dentro do orçamento.
O sócio de Poneman, Bruce Pavitt, era um antigo frequentador do
cenário musical do noroeste que havia ido para Evergreen. Em Olympia,
Pavitt fez amizade com diversas bandas, lançou um fanzine chamado
Subterranean Pop (mais tarde abreviado para Sub Pop), e começou a lançar
compilações em fita cassete. Ele interrompeu a publicação do fanzine, mas
entre 1983 e 1988 escreveu uma coluna muito lida na The Rocket, que Kurt
examinava com atenção que a maioria dos meninos dedica apenas ás
sinopses das partidas de beisebol. Pavitt era o visionário artístico da Sup
Pop e talhado para o papel; com os olhos de um maníaco, expressão
assombrada e gosto por barbas incomuns, ele portava mais do que uma
semelhança passageira com o louco monge russo, Grigori Rasputin.
Em 1988, a Sub Pop estava lançando um punhado de discos
promocionais a cada trimestre, a maioria de bandas do noroeste. Esses
projetos faziam pouco sentido comercial, já que os custos de produção de
um single eram quase tão elevados quanto os de um disco completo, embora
fosse vendidos no varejo por muito menos.
A Sub Pop tinha poucas opções com uma série de bandas —
muitas eram tão imaturas que não tinham material composto suficiente para
encher um disco completo. Desde o inicio, o selo estava queimando capital
como um iniciante da internet, embora tivesse topado com um pequeno
nicho de mercado: singles independentes atraiam elitistas colecionadores de
discos e, no punk rock, esses Connaisseurs eram os que ditavam o gosto. Ao
desenvolver uma marca distintiva para o seu selo — e ao propor uma
identidade de concepção consistente para todos os seus lançamentos —,
seus sócios levaram as bandas a proclamar que pertenciam á sub Pop,
quando mais não fosse, para impressionar os amigos. Como centenas de
outros jovens músicos que eram ruins em matemática, Kurt tinha um
conceito exageradamente romântico do que significava gravar para o selo.
As ilusões juvenis de Kurt logo desmoronaram. o primeiro encontro
face a face de negócios da banda com Poneman — no Café Roma em Seattle
— foi quase desastroso.
Krist apareceu bebericando uma garrafa de vinho que ele tinha sob
a mesa: Kurt começou tímido, mas se irritou quando percebeu que Poneman
lhe estava oferecendo muito menos do que a banda queria. Não era tanto
uma questão de dinheiro — todos sabiam que havia pouco —, mas Kurt
esperava dar vida nova á banda lançando vários discos, EPs e Singles.
Poneman sugeriu que começassem com um single de "Love Buzz" para ver
como a banda deslanchava a partir dai. Kurt admitiu que "Love Buzz" era
sua canção mais forte gravada ao vivo, mas como compositor ele a
considerava dissimulada para ser capa de seu lançamento inicial. Apesar
disso, ao final da reunião, todas as partes concordaram que o Nirvana
gravaria um single com Endino produzido e a Sub Pop arcando com os
custos da gravação. Para Kurt, a idéia de ter seu próprio single lançado era a
realização de um sonho.
Em Grays Harbor transcorriam eventos que ameaçavam
descarrilar esse sonho. Pouco depois do show no Vogue, Dave Foster teve o
azar de bater no filho do prefeito de Cosmópolis. Ele passou duas semanas
na cadeia, perdeu sua carteira de motorista e teve de pagar milhares de
dólares em despesas médicas. Isto não poderia ter acontecido em pior hora
para o Nirvana, que estava ensaiando para a sessão de gravação que se
aproximava: por isso, Kurt decidiu demitir Foster. O modo como ele lidou
com a dispensa diz muito sobre como ele lidava com os conflitos, ou seja, ele
não lidava. Kurt sempre sentira um pouco de medo de Foster, que era mais
baixo do que ele mas musculoso como Popeye. Inicialmente, a banda trouxe
Aaron Burckhard de volta, mas quando ele acabou detido por embriaguez no
volante no carro de Kurt, novamente anunciaram procurando baterista.
Quando encontraram um, Kurt escreveu uma carta para Foster: "Uma
banda precisa praticar, em nossa opinião, pelo menos cinco vezes por
semana, se ela quiser alcançar alguma coisa [...] Em vez de mentir para você
dizendo que estamos nos separando, ou de deixar isto ir mais longe, temos
de confessar que arranjamos outro baterista. O nome dele é Chad [...] e ele
pode praticar toda noite. O mais importante é que podemos nos relacionar
com ele. Vamos encarar a coisa de frente, você é de uma cultura totalmente
diferente. E nos sentimos realmente na pior por não ter coragem de contarlhe
pessoalmente, mas não sabemos o quanto você ficaria com raiva".
Aparentemente Kurt não teve coragem de enviar a carta: Ela não foi
remetida.
É claro que Foster não era de uma "cultura totalmente diferente"
da de Kurt — ele era da mesma cultura, embora esta pertencesse a um
passado do qual Kurt procurava fugir. Foster descobriu que estava
dispensado quando viu um anúncio na The Rocket para uma próxima
apresentação do Nirvana.
Kurt e Krist encontraram Chad Channing num Show no
Community orld Theater. "Kurt estava vestindo aqueles grandes sapatos de
salto alto e calças largas azuis estilosas e cintilantes", lembra Chad. O que
Kurt e Krist notaram em Chad foi sua gigantesca bateria North — era a
maior bateria que eles já haviam visto, fazendo Chad parecer um anão, que,
com 1,67 metro de altura e cabelo comprido, já parecia um pouco com um
duende. Ser direto não era o forte de Kurt: em lugar de pedir a Chad que
entrasse para a banda, ele simplesmente continuou convidando o baterista
para ensaiar até que se tornou obvio que ele estava no grupo.
Depois de um desse ensaios no andar de cima do salão de
cabeleireira da mãe de Krist para que pudessem tocar a noite inteira, agora
novamente programados para Aberdeen, os veteranos do Nirvana decidiram
mostrar os pontos da cidade a seu novo baterista. Chad era de Vainbridge
Island e, antes de entrar para o Nirvana, nunca havia estado em Aberdeen.
O passeio foi um choque, particularmente no bairro em que Kurt crescera.
"Foi como entrar na zona sul do Bronx", lembra Chad. "Pensei comigo
mesmo: "puta merda". Era realmente ruim. Provavelmente o setor mais
pobre de todo o estado de Washington. De repente, aquela favela
instantânea."
Chad ficou mais impressionado quando passaram de carro pelo
gótico colégio Weatherwax. Mostraram também ao baterista o edifício Finch,
o abandonado prédio de cinco andares: Kurt disse que havia tomado ácido
ali quando adolescente, embora isso pudesse ser dito sobre muitos pontos de
Aberdeen. Apontaram para o sebo Dils Old, onde havia um cesto de discos a
25 centavos próximo a uma moto-serra de seis metros. Foram tomar uma
cerveja na Poorhouse Tavern, onde Krist parecia conhecer todos os
presentes. "Era uma cidade provinciana", observou Chad. "Toneladas de
caras com Skoal na boca e bonés Skoal cabeça, e camisetas rosa-choque, e
caminhonetes com pára lamas de borracha, e bigodes."
Quando saíram do bar, os dois nativos pretendiam levar Chad até
uma casa assombrada nos montes acima da cidade. Krist apontou a van
para o norte e se dirigiu para aquilo que responde pela zona elegante de
Aberdeen: uma encosta de majestosas residências vitorianas construídas
pelos barões madeireiros pioneiros.
Mas, no topo da colina, Krist dirigiu a van para o bosque e Kurt
começou a contar a história da casa assombrada de Aberdeen, um lugar que
os moradores locais chamavam de "o Castelo". Ele disse que as pessoas
entravam e jamais saiam de lá; um dos quartos tinha imagens de palhaços
pintados nas paredes com sangue.
À medida que ele falava, a encosta ia se tornando densamente
arborizada, com as árvores fazendo um arco sobre a estrada estreita.
Ao chegarem ao castelo, Krist estacionou na entrada e apagou os
faróis, mas manteve o motor funcionando. Na frente deles estava uma
estrutura que havia sido uma casa de três andares antes da decadência
provocar seu desabamento. Havia musgo no telhado, a varanda estava
afundada e aposentos inteiros pareciam ter sido devorados, muitos
provavelmente por pequenos incêndios. No escuro, e envolta pelos galhos
das árvores, pareciam realmente as ruínas de um castelo desmoronado em
algum retiro distante na Transilvânia.
Quando a van ficou em marcha lenta, Chad se perguntou porque
nem Krist nem Kurt haviam nenhum gesto de sair do carro. Apenas ficaram
sentados, olhando para a casa como se estivessem olhando para uma
aparição. Finalmente, Kurt se virou para Krist e disse; "Você realmente quer
entrar?". "Não", replicou Krist, "Tá louco? Eu não vou lá." Conforme Chad
lembrou mais tarde, ele insistiu com eles para que se aventurassem a
entrar, já que as histórias de Kurt o haviam deixado curioso:
"Eu estava muito ansioso para dar uma olhada e ver o que havia
de tão assustador. Mas quando chegamos lá, eles apenas ficaram parados
na entrada, olhando fixo para a casa, incapazes de se mover". Chad achava
aquilo um desafio, parte de um ritual elaborado de auto-imposição de tarefas
para testar sua coragem. Ele havia decidido que por mais assustadora que
fosse a casa — e ela era muito aterrorizante —, não iria ficar amedrontado
demais para entrar. Mas quando olhou para o rosto de Kurt. Nos quinze
minutos do percurso desde o bar até a casa, Kurt havia contado histórias de
horror tão convincentes que ele começara a acreditar em sua própria
hipérbole. Fizeram a manobra e voltaram para a cidade e o passeio de Chad
por Aberdeen estava encerrado. Krist tomava o dualismo de Kurt em seu
significado aparente, mas, para Chad, o medo no rosto de Kurt foi uma das
primeiras evidências de que o líder da banda era mais complicado do que
aparentava.
Com a nova sessão de gravação marcada para a segunda semana
de junho, Kurt estava cheio de expectativa e animação. Ele não conseguia
conversar praticamente sobre nada durante o mês de maio, anunciando a
aproximação da data a todos que ele conhecia, e para alguns ele não o fazia
— como um novo pai tomado de orgulho, ele contraria ao carteiro ou ao
balconista da mercearia. A banda fez duas apresentações naquele mês para
ver se dava certo com Chad: uma visita de retorno ao Vogue e uma festa na
"Witch House" para o músico Gilly Hanner em Olympia. Hanner completou
21 anos no dia 14 de maio de 1988 e uma amiga os convidou para animar a
festa. Eles não eram uma banda de Evergreen", lembra ela.
"O som deles pegava você. Você pensava: "Eu já ouvi isto antes",
mas não tinha ouvido. Era mais Rock-And-Roll do que a maioria das
músicas daquela época, sem nenhuma patetice." Na festa, Kurt se juntou a
Gilly para cantar uma versão de "The Greatest Gift". do Scratch Acid, e
apresentou uma versão de "Love Buzz" deitado de costas no chão. Na época,
"Love Buzz" era a melhor coisa dos shows da banda — Kurt ainda estava se
esforçando para definir um som original que fosse bruto o bastante para
agradar suas suscetibilidade Punk e ainda exibia sua letra cada vez mais
complicada. Quase sempre, os shows da banda se convertiam em
barulhentas sessões de Feeedback em que praticamente nenhuma das
palavras de Kurt podia ser ouvida acima da gritaria.
Enquanto aumentava as expectativas de Kurt para o Single,
problemas financeiros na Sub Pop quase condenaram o projeto ao fracasso.
Certa tarde de maio, Kurt atendeu o telefone e teve a surpresa de ouvir
Pavitt pedindo duzentos dólares emprestado. Era tão engraçado que não
irritou Kurt, embora enfurecesse Krist, Chad e Tracy. "Estávamos chocados",
lembra Chad. "naquele momento começamos a desconfiar daqueles caras".
Kurt teria ficado mais transtornado se soubesse que a Sub Pop tinha um pé
atrás quanto á criatividade da banda. A gravadora queria dar mais uma
olhada e, por isso, Poneman programou ás pressas um Show no Clube
Central Tavern no dia 5 de junho numa noite de domingo. Jan Gregor, que
reservou o clube, programou o Nirvana para a vaga do meio de uma noite de
três bandas, Na noite da véspera, Poneman ligou para Gregor e perguntou se
o Nirvana poderia descer na programação e entrar primeiro. A explicação de
Poneman; "É uma noite de domingo — nós não queremos ficar até muito
tarde". Quando a banda entrou, havia seis pessoas na platéia. Chris Knab,
da KCMU, era uma delas: "Bruce e Jon estavam bem defronte ao palco,
balançando a cabeça positivamente. Eles devem ter visto algo que ninguém
mais conseguia, porque achei que eles eram um fiasco".
Essa apresentação específica — e muitas que se seguiriam — foi
atrapalhada por problemas de som, o que deixou Kurt de mau humor e
comprometeu seu desempenho.
Apesar do som de má qualidade e do show ao vivo sem brilho,
Poneman e Pavitt decidiram prosseguir com o single.
No dia 11 de julho, o Nirvana regressou ao Reciprocal para a
sessão. Dessa vez, o produtor Endino sabia como grafar o nome de Kurt,
mas a experiência rápida e fácil de seu primeiro demo não se repetiria. Em
cinco horas, eles concluíram apenas uma canção. Parte do problema se
originava de Kurt ter trazido uma fita de uma colagem sonora que el queria
colocar no Single.
A única maneira de isto acontecer, com o equipamento tosco do
estúdio, era apertar o botão "Play" no deck no ponto exato durante a
mixagem.
A banda voltou no dia 30 de junho para mais cinco horas e fez
uma sessão final no dia 16 de julho, que consistiu em três horas de
mixagem. No final, o limite de treze horas produziu quatro faixas: "Love
Buzz", uma nova versão de "Spank Thru" e duas composições de Cobain,
"Big Cheese" — que estaria no lado B — e "Blandest".
A Sub Pop contratou Alice Wheeler para fotografar a banda para a
capa e, durante a última semana de agosto, eles foram para Seattle na van
de Krist para ali apanhar a fotógrafa. A primeira sessão de fotos oficiais da
banda fora tão aguardada que os três tiraram um dia de licença do trabalho.
Krsit levou todos de volta a Tacoma, onde fotografaram em diversos locais,
entre os quais a "Nerver-Never-Land", no parque Point Defiance, e na base
da ponte Tacoma Narrows. Krist vestia uma camisa de mangas curtas e se
destacava acima de seus dois minúsculos colegas de banda em todas as
fotos. Chad vestia uma camiseta Germs, uma boina e óculos de sol redondo,
o que lhe dava a aparência de líder da banda. Kurt estava de bom humor,
sorrindo na maioria das fotos. Com os cabelos compridos como os de uma
menina e camiseta da Harley — Davidson onde se lia "Live To Ride", ele
parece jovem demais para dirigir, muito menos para estar numa banda de
rock. Ele tivera um surto de Acne na semana anterior, algo com que lutava
desde o colégio e que lhe dava acessos de timidez. Alice lhe disse que estava
usando filme infravermelho e. por isso, suas espinhas não iriam aparecer.
No momento em que a banda voltava para Seattle, tinham
passado tanto tempo na sessão de fotos quanto haviam passado no estúdio.
No final de agosto, Kurt recebeu outro telefonema insólito de
Poneman e, como suas conversas anteriores, não consegui deixar de sentir
que estava sendo trapaceado. Poneman informou Kurt que a Sub Pop estava
começando um novo serviço de singles mediante assinatura e planejavam
usar "Love Buzz" como lançamento inicial em seu "Singles Club". Kurt mal
pôde acreditar no que ouvia, discutindo o assunto mais tarde com seus
parceiros de banda — ele estava indignado. Não só o single havia levado
mais meses do que o planejado, como também agora não seria mais vendido
em lojas. Parecia quase não ter valido o esforço. Como colecionador, Kurt
apreciava a idéia do clube, mas não estava interessado em ver sua banda ser
o critério de teste. Mas, uma vez que ele não possuía um contrato e a Sub
Pop havia pago pela gravação ele também não tinha muita escolha.
Pouco depois do show no Vogue em abril, Kurt havia recebido um
telefonema de Dawn Anderson desejando entrevistar a banda para seu
fanzine Backlash. Em lugar de realizar a entrevista pelo telefone, Kurt se
ofereceu para ir de carro até Seattle, dando a entender que ele já tinha
negócios lá, o que não era verdade. Embora Kurt tivesse esperado anos por
esse momento — e tivesse se preparado para isto com as entrevistas
simuladas consigo mesmo que ele escrevera quando jovem —, em sua
primeira interação com a imprensa ficou nervoso e tímido.
A maior parte da entrevista de uma hora acabou sendo sobre os
Melvins, um tema com que Kurt parecia estar mais á vontade do que com
sua própria banda. A leitura de uma transcrição quase chega a fazer pensar
que ele fosse um membro dos Melvins, não do Nirvana. "Ele idolatrava os
Melvins", observa Anderson, algo que durante anos fora óbvio em Grays
Harbor.
Mas, como o single da Sub Pop, que mais uma vez fora adiado no
final de agosto, o artigo ficou retido durante alguns meses. Com tantos
atrasos sobre os quais não tinha controle, Kurt se sentia com se ele fosse a
única pessoa no mundo preparada para sua carreira musical. O artigo do
Backlash finalmente saiu em setembro, e até Kurt ficou surpreso ao ver que
na matéria de quinhentas palavras de Anderson o nome dos Melvins figurava
duas vezes mais do que o do Nirvana. "Eu assisti a centenas de ensaios dos
Melvins", dizia Kurt. "Eu dirigia a van deles em turnê. A propósito, todos os
odiavam." A matéria era elogiosa e foi útil para divulgar o lançamento
próximo do single "Love Buzz, mas quando Kurt dizia: Nosso maior receio no
começo era que as pessoas pudessem pensar que éramos uma dissidência
dos Melvins", um leitor descuidado poderia ter tido uma preocupação
similar. Kurt explicou a estréia da banda no Vogue: "Nós estávamos rígidos
[...] Sentíamo-nos como se estivéssemos sendo julgados: era como se todos
ali estivessem com fichas de notas".
A referência a "Ficha de nota" nesta primeira entrevista á imprensa
reproduzia a imagética que Kurt adiantado em sua carta a Crover: ele
também a empregou em entrevistas posteriores. Ela decorria de seu eu
dividido, o mesmo eu que dizia que seu nome era grafado "Kurdt Kobain". O
que seus entrevistados — e os fãns queriam essas histórias — nunca
souberam foi que praticamente cada palavra que ele pronunciava havia sido
ensaiada: em sua cabeça, viajando com a banda na van ou, em muitos
casos, efetivamente escrita em seus diários. Isto não era simplesmente
artifício de sua parte ou um desejo de apresentar a imagem mais
comercializável e atraente — embora, a despeito de todos os ideais Punks
que proclamava, como qualquer outro ser humano, ele era intrinsecamente.
Ele havia imaginado esse momentos desde que começara a se retirar do
mundo exterior após o divórcio de seus pais, passando todo aquele tempo
em seu quarto escrevendo em cadernos Pee Chee. Quando o mundo lhe
desse tapinha nas costas e dissesse: "Senhor Cobain, estamos prontos para
o seu close-up", ele havia planejado como caminharia para as câmeras,
chegando até a ensaiar o modo como escolheria os ombros para dar a
impressão de que havia apenas aquiescido a contragosto.
Em parte alguma a antevisão de Kurt era mais aparente do que
numa biografia da banda que escreveu naquele verão para enviar com a fita
demo de Endino. Ele daria muitos títulos á fita, mas o que mais
freqüentemente utilizava era "Safer Than Heaven" ["Mais seguro que o Céu"]
— o que isso significava, somente Kurt sabia. Ele escreveu dezenas de
rascunhos da biografia e cada revisão se tornava mais exagerada. Um dos
muitos exemplos era o seguinte:
O Nirvana é de Olympia, WA, a 96 quilômetros de Seattle. O
guitarrista/vocalista Kurdt Kobain e o baixista Chris Novoselic moraram em
Aberdeen, a 240 quilômetros de Seattle. A população de Aberdeen é
constituída por tipos lenhadores altamente intolerantes, preconceituosos,
mascadores de fumo, caçadores de veados e matadores de bichas, que "Não
são parciais demais para excêntricos New Wavers". Chad Channing
[Baterista] é de uma ilha de garotos ricos viciados em LSD. O Nirvana é um
trio que toca rock pesado com colorações Punk. Normalmente eles não têm
empregos. Por isso, podem viajar a qualquer momento. O Nirvana nunca
improvisou com "Gloria" ou "Louie, Louie". Tampouco tiveram de reescrever
essas canções e dizer que eram de sua autoria.
Outra versão, apenas um pouco diferente, enviada á Touch And
Go, acrescentava o seguinte apelo desanimado: "Estamos dispostos a pagar
pela maior parte da edição de mil cópias de nosso Lp e todos os custos de
gravação.
Basicamente, queremos apenas estar nesse selo. Vocês acham que
poderiam, POR FAVOR, envia-nos uma resposta de 'cai fora' ou 'não estamos
interessados', para que não tenhamos de gastar mais dinheiro enviando
mais fitas?".
No verso da fita, ele gravou uma colagem que incluía trechos de
canções de Cher, The Partridge Family, Led Zeppelin, Frank Zappa, Dean
Martin, entre uma dezena de artista discrepantes.
A oferta de Kurt de pagar um selo para editar seu disco mostra o
seu grau crescente de desespero. Ele rascunhou uma carta para Mark
Lanegan do Screaming trees pedindo ajuda (Lanegan era um dos muitos
ídolos para quem Kurt regularmente escrevia em seu diário, raramente
enviando essa correspondência).
Ele escreveu : "É como se não estivéssemos realizando nada [...]
Acaba que nosso single sairá em outubro, mas não há muita esperança para
um EP no futuro próximo, porque a Sup Pop está enfrentando problemas
financeiros e a promessa de um EP ou LP neste ano era apenas uma
desculpa esfarrapada para Poneman evitar que sondássemos outros selos".
Kurt também escreveu a seu amigo Jesse Reed, declarando que a banda iria
lançar sozinha seu Lp, já que estavam enjoados demais da Sup Pop.
Apesar das frustrações de Kurt, as coisas estavam realmente
melhores com a banda do que estiveram em outro momento — embora
jamais estivessem rápidas o bastante para Kurt. Shelli havia rompido com
krist, o que resultou em mais tempo para Krist praticar. Kurt estava
contente for finalmente ter dois outros parceiros tão dedicados á banda
quanto ele. No dia 28 de outubro, chegaram para sua mais prestigiada
apresentação, fazendo a abertura para os Butthole Surfers na Union Station
de Seattle. Kurt havia idolatrado Gibby Haynes, lider e vocalista dos Surfers,
Por isso o Show era muito importante para ele. Problemas de som
novamente impediram que o Nirvana apresentasse seu melhor desempenho,
mas o simples fato que Kurt podia agora anunciar a seus amigos: "Minha
banda abriu o show de Gibby Haynes" era mais uma evidência para ampliar
sua auto-estima.
Dois dias depois eles fizeram um de seus show mais abomináveis e
aquele que transtornaria o coração de Olympia. Era uma festa no K-Dorm de
Evergreen na véspera do Halloween, e Kurt e Krist haviam se preparado para
a ocasião derramando sangue falso em seus pescoços. Havia três bandas se
apresentando antes do Nirvana: a banda Cyclods, de Ryan Aigner, a
Helltrout, a banda mais recente de Dave Foster, e uma nova banda liderada
pelo vizinho de Kurt, "Slim" Moon, chamado Nisqually Delta Podunk
Nightmare. Na metade da apresentação do Nisqually, o baterista esmurrou
"Slim" no rosto e começou uma briga. Foi um tumulto tão grande que Kurt
se perguntou o que o Nirvana poderia fazer para se sobrepor a essa cena. Ele
quase não teve a chance, já que a policia do campus apareceu e acabou com
a festa. Ryan Aigner interviu e convenceu os policiais a deixarem o Nirvana
tocar, mas eles ordenaram que isso fosse rápido.
Quando o Nirvana finalmente ocupou o palco ou, mais
precisamente, se moveram até o canto da sala que servia de palco, fizeram
uma apresentação de apenas 25 minutos, mais foi um show que os
transformaria de caipiras de Aberdeen na banda mais querida de Olympia. A
densidade de Kurt — algo que havia faltado nas outras apresentações —
encontrava uma nova profundidade e ninguém conseguia tirar os olhos de
cima dele. "Tão reservado como era quando estava fora do palco", lembra
"Slim" Moon, "quando ele queria estar ligado, ele soltava tudo. E, nesta noite,
ele tocou com uma intensidade que eu jamais havia visto." Eram as mesmas
canções e frases musicais que a banda já vinha apresentando havia algum
tempo, mas, com a atração adicional de um obcecado vocalista, eram
hipnótica. surpreendentemente, naquele momento ele tinha uma confiança
em frente ao microfone que nunca mais alcançou em nenhum outro em sua
vida. A ampla energia concentrada de Kurt parecia desovar em Krist, que
saltava tanto que atingiu diversos membros da platéia com seu baixo.
Mas o golpe de misericórdia ainda viria. Ao final de sua curta
apresentação, logo depois que tocaram "Love Buzz", Kurt ergueu sua
guitarra Fender Mustang relativamente nova e baixou para o chão com
tamanha violência que pedaços voaram pela sala como projéteis de um
canhão. Ele parou por uns cinco segundos, alçou os restos no ar e os ficou
segurando enquanto olhava para a platéia. O rosto de Kurt parecia sereno e
assombrado, como se fosse uma máscara de Halloween de Gasparzinho, o
Fantasma Camarada, engessada no corpo de um homem de 21 anos de
idade. A guitarra foi para o ar e, Plaft, atingiu o chão mais uma vez. Kurt a
largou e saiu da sala.
Ele jamais havia despedaçado uma guitarra antes, provavelmente
nem mesmo pensara em tal ato, já que as guitarras eram caras. "Ele nunca
explicou por que se comportou daquele jeito maluco", lembra John Purkey,
"mas ele estava sorrindo. Havia uma finalidade naquilo — era como se fosse
uma pequena comemoração particular. Ninguém saiu machucado, mas
quando ele destroçou a guitarra, foi como se ele realmente não se importasse
se machucasse alguém. Aquilo surgiu totalmente do nada. Eu estava
conversando com ele depois do show e a guitarra jazia lá no chão e as
pessoas ficavam catando pedaços dela." Os Greeners agora não poderiam se
fartar do Nirvana.
Três semanas mais tarde, Kurt recebeu um telefonema da Sub Pop
dizendo-lhe que o single "Love Buzz" finalmente estava pronto. Ele e Krist
foram de carro até Seattle para apanhá-lo e Daniel House da Sub Pop lembra
que ele insistiu em ouvi-lo no estéreo do escritório: "Nós o tocamos para eles
e acho que nunca vi Kurt mais feliz". Tanto Kurt como Krist estavam
particularmente contentes com as piadas internas sobre o lançamento: o
nome de Kurt estava grafado como "Kurdt", para sempre confundindo os
resenhistas e fãs, e havia uma mensagem minúscula arranhada no final da
faixa que dizia: "Por que vocês não trocam essas guitarras por pás?". Era
uma frase que o pai de Kurt freqüentemente gritaria para eles, em seu inglês
rudimentar com sotaque croata, durante seus ensaios em Aberdeen.
Guitarras por pás, armas por guitarras, de Aberdeen á Sub Pop.
Isso tudo parecia apenas um Borrão, agora que Kurt estava segurando seu
próprio disco nas mãos.
Ali estava a prova tangível final de que ele era um verdadeiro
músico. Como a guitarra que ele costumava levar para a escola em
Montesano, mesmo quando ela estava quebrada, o resultado ou o sucesso do
single tinha pouca importância: sua mera existência física era aquilo pelo
qual ele se empenhara durante muito anos.
A banda reteve quase cem da edição de mil singles de "Love Buzz",
e Kurt ainda deixou uma cópia na emissora de rádio da universidade em
Seattle, a KCMU. Ele tinha grandes esperança para o single, descrevendo-o
para a emissora como "um jingle maravilhoso suave e maduro, aveludado e
calmo. Incrivelmente comercial".
Ele esperava que a KCMU imediatamente tocasse a trilha e,por
isso, ficou ouvindo o dia inteiro. tracy tinha vindo para Seattle para levar
Kurt de carro de volta para Olympia, e enquanto se preparava para ir para
casa, a canção ainda não havia sido tocada. Quando seguiam para o sul e
alcançavam o limite do sinal da KCMU, Kurt simplesmente não conseguiu
esperar mais. Ordenou a Tracy que parasse em um posto de gasolina. Ali ele
usou um telefone público para ligar e pedir que tocassem seu single. Se o
disc jockey da emissora achou isso estranho — receber um single de uma
banda e depois o pedido de um ouvinte aparentemente casula duas horas
depois —, não se sabe. Kurt esperou mais de meia hora no carro e, então,
finalmente, a emissora tocou "Love Buzz". "Ele ficou lá sentado, ouvindo a si
mesmo saindo pelo rádio", lembra Tracy, "Com um grande sorriso no rosto."
Kurt começou dezembro de 1988 num dos melhores astrais de sua
vida. O single havia melhorado seu humor e as pessoas ainda estavam
falando sobre o show no K-Dorm. Quando ele ia ao Smithfield Café ou a
cafeteria Spar, os rapazes da universidade cochichavam entre si quando ele
entrava. As pessoas começaram a lhe pedir para tocar em suas festas: elas
ainda não estavam oferecendo pagamento, mas estavam pedindo. E The
Rocket havia dado á banda sua primeira resenha, chamando o single de "um
danado de um primeiro esforço". A matéria da The Rocket era elogiosa mas
alertava que, com toda atenção que outras bandas da Sub Pop estavam
recebendo, o Nirvana poderia ficar Ofuscado, tanto no meio como em sua
gravadora. "Marcas sérias de musicalidade vazam por toda parte", escrevia
Grant Alden. "O Nirvana se situa como que á margem do som corrente no
noroeste — limpo demais para ser depurado, puro demais para o metal, bom
demais para ignorar." Era a primeira prova de algo de que Kurt desconfiava
mas não podia confirmar sem validação externa: a banda estava
melhorando.
Dentro da Sub Pop, onde os colegas de selo Soundgarden e
Mudhoney eram claramente os favoritos, as canções do Nirvana subiam. O
"Singles Club" se mostrara afinal uma inteligente iniciativa de marketing — a
primeira prensagem de "Love Buzz" se esgotou, e, embora a banda não tenha
ganho um centavo com isso, era impressionante. Havia outras noticias boas:
Poneman e Pavitt haviam destinado uma versão remixada de "Spank thru"
para a coleção de três Eps, Sub Pop 200, o lançamento de perfil mais alto do
selo até então. E a Sub Pop agora estava interessada em conversar com Kurt
sobre um disco completo. Havia, porém, um grande senão: uma vez que a
gravadora estava quebrada,
O Nirvana teria de pagar os custos diretos para a gravação. Isto
era contrário ao modo com a maioria dos selos de gravação trabalhava e
contrário ao modo como a Sub Pop operava com suas outras bandas.
Embora Kurt nunca tivesse enviado uma de suas cartas "estamos dispostos
a pagar para lançar nosso disco" para a Sub Pop, sua combinação entre
ansiedade e ignorância era evidente ao mais experiente Poneman. Talão de
cheque na mão, a Banda animadamente fazia planos de voltar ao estúdio
com Jack Endino no final de dezembro.
Uma vez que Kurt tinha um disco em que se concentrar,
imediatamente começou a distanciar-se do single "Love Buzz", que apenas
duas semanas antes havia sido sua posse mais preciosa no mundo. Ele
conversou sobre isso com "Slim" Moon, que disse ter ficado com a impressão
de que Kurt" não gostava nada do single, exceto o fato de que agora eles
tinham alguma coisa que estava lançada". Kurt enviou um exemplar do
single para John Purkey e incluiu o seguinte bilhete: "Aqui está nosso muito
comercializado single de astro do rock, capa estúpida, confusa, foto da Sub
Pop, edição limitada, apresentando Kurdt Kobain na frente e no verso.
Estou contente porque apenas mil foram prensados. O LP será
diferente. Muito diferente. Uma produção bruta e canções mais obscenas".
Mesmo escrevendo para um amigo, ele falava de si mesmo na terceira
pessoa. Sua relação de amor/ódio com o single espelhava sua abordagem de
todo o seu trabalho. Nada que a banda fazia, fosse no estúdio ou no palco,
se comparava ao modo como ela soava em sua cabeça.
Kurt adorava a idéia de um disco até que este saiu, e depois
imediatamente, ele tinha de descobrir alguma coisa errada nele. Ele era
apenas parte de uma insatisfação maior.
Isso era mais evidente em sua relação com Tracy. Ela o amava por
inteiro, embora ele rejeitasse seu sentimentalismo e lhe disse que não devia
amá-lo tanto. As trocas de bilhetes continuavam como o método principal de
comunicação entre eles e as listas de afazeres que ela lhe deixava se
tornavam mais longas, já que ele raramente fazia alguma coisa do que ela
pedia, ainda que estivesse desempregado e vivendo á custas dela. Em
dezembro de 1988 ela lhe deixou o seguinte bilhete:
"Oi, Kurt! Estarei em casa as duas e meia ou três. Antes de ligar a
tevê, você poderia arrumar a cama? Você pode dobrar minhas roupas e
colocá-la em minha gaveta ou dentro do armário do lado esquerdo. 1)
Coloque os jornais novos no chão, 2) Sacuda os tapetes do banheiro e da
cozinha, 3) Limpe a banheira, a pia e a privada. Eu sinto muito, muito,
muito por ter sido resmungona e estar reclamando tanto ultimamente, Eu te
amo, vamos tomar um (Semi) porre e transar hoje á noite. Eu te amo".
Kurt e Tracy brigavam pelo confuso rompimento entre Krist e
Shelli. Do ponto de vista de Kurt, isto dava mais tempo para a banda, mas,
para Tracy, a separação havia afastado seu melhor casal de amigos: era
como se Lucy e Ricky tivessem de observar o divórcio de Ethel e Fred. Tracy
se via freqüentemente preocupada de que eles seriam os próximos, no
mínimo porque ela sabia que uma ruptura permitiria que Kurt dedicasse
todas as suas horas de vigília a banda. Decidiu testar o compromisso dele
ameaçando separa-se. Não desejava realmente isto: apenas queria que ele
lhe dissesse que estava empenhado na relação. Mas qualquer teste de
vontades com Kurt era um engano. Obstinado, ele reagiu em termos práticos
quando ela lhe disse que ele tinha de se mudar. "Se você quiser que eu me
mude, vou morar no meu carro", disse ele. Ele já morava em carros antes e
moraria novamente. È claro que ela lhe disse que isso era absurdo. Mas
Tracy havia começado equivocadamente um jogo de "Quem vai piscar
primeiro?" com o campeão vitalício de Grays Harbor.
Mesmo com a banda finalmente acontecendo, a vida para Kurt
seguia muito parecida ao que era antes: levantava-se tarde e passava o dia
inteiro compondo canções ou tocando guitarra enquanto assistia á televisão.
Certa tarde, Tracy se queixou de que ele havia composto canções sobre
quase tudo de seu mundo — da masturbação aos personagens de Mayberry
R.F.D. ("Floy the Barber") —, exceto sobre ela. Ele riu da sugestão, mas a
considerou em seu diário:" Adoraria compor uma bonita canção para ela,
embora eu não tenha direito nenhum de falar por ela". Na mesma página, ele
era menos romântico quando se retratava como um personagem sem braços:
"Eu gesticulo e resmungo por seu afeto, brandindo minhas nadadeiras em
um circulo de cata-vento: meu babador está manchado por tentativas
frustradas de contatar você por meio de comunicação de saliva, a baba
secando em meu peito".
Uma de suas muitas obsessões era "bebês de nadadeiras", crianças
nascidas sem braço, ele escrevia regularmente sobre o assunto e desenhava
ilustrações bizarras sobre como ele imaginava que elas seriam.
Uma semana depois, ele compôs uma canção sobre sua namorada.
O estribilho dizia: "Eu não posso ver você toda noite de graça", uma
referência direta ás suas discussões. Curiosamente, embora ele ensaiasse e
tocasse a canção na frente dela, jamais admitiu que era sobre ela. Em vez
disso, ele lhe disse; "Eu só escrevo o que me vem á cabeças, e não escrevo
nada sobre você nem ninguém". è claro que ele estava mentindo, mas o fato
de que criaria este presente para ela, mas não estaria disposto a arriscar a
intimidade ao dar o presente, diz muito sobre a relação e sobre seu
compromisso com a relação.
Era como um garoto do inicio do colegial que deixa um presente de
Dia dos Namorados para uma garota mas não tem a coragem de assinar o
nome. Quando ele tocou a canção para Chad e Krist, eles imediatamente
gostaram dela e perguntaram o nome. "Não tenho a menor idéia", disse Kurt,
"Sobre o que é?", perguntou Chad. "É sobre uma garota", disse Kurt, e eles
decidiram que isso serviria como titulo. De qualquer modo, a maioria dos
títulos de Kurt tinha apenas uma relação secundária com a letra. "About a
Girl" foi uma canção importante no desenvolvimento de Kurt como
compositor — era sua primeira canção de amor direta e, ainda que a letra
fosse torcida, era tão equilibradamente melódica que nas primeiras
apresentações ao vivo do Nirvana as platéias a tomavam como um cover dos
Beatles.
Kurt disse a Steve Shillinger que no dia em que compôs "About a
Girl" ele tocou Meet The Beatles durante três horas seguidas para entrar no
clima. Mas isso quase não era necessário; desde garotinho ele estudara á
obra dos Beatles, ainda que eles fossem considerados passe nos círculos
punk.
Ao final de 1988, as influências musicais de Kurt eram um
estranho pot-pourri do punk que ele descobria adorando Buzz Osborne, do
Heavy metal que ele ouvia quando adolescente, e do pop que ele descobriria
na sua primeira infância, numa combinação sem pés nem cabeças. havia
enormes nacos de histórias da musica que ele perdera simplesmente porque
não havia sido exposto a eles (ainda não ouvira Patti Smith ou NEw York
Dolls), embora em outros pequenos nichos, como quando se tratava dos
Scratch Acid, ele fosse o tipo de expert capaz de citar uma das faixas que o
grupo lançara. Ele tinha a tendência a se apaixonar por um grupo e adotar
sua música acima de todas as demais, fazendo proselitismo com seus
amigos como um pastor que vai de porta em porta. Krist tinha uma
compreensão melhor do Rock mais amplo, uma das razões pelas quais ele
permanecia essencial á banda — Krist sabia o que era kitsch, ao passo que
Kurt ás vezes enveredava por essa categoria. No final de 1988, Kurt convidou
seu amigo Damon Romero para ir a seu apartamento, dizendo-lhe "Tem um
disco genial que eu descobri e que você tem de ouvir", Quando Romero
chego, Kurt apanhou o disco Get The Knack, do Knack, e caminhou até o
toca-discos com ele. Romero, que conhecia bem esse lançamento de 1979,
que não podia ser considerado mais convencional, pensou que Kurt estivesse
sendo sarcástico e perguntou: "Você está falando sério?". "Não, você precisa
ouvir isto — é um disco pop impressionante", foi a resposta impassível de
Kurt.
Ele colocou o disco para tocar e Romero, incomodado, ouviu os
dois lados do disco, perguntando-se o tempo todo se havia algum tipo de
graça ainda por vir, mas Kurt fechou os olhos e ficou calado enquanto o
disco girava, tocando bateria no ar com as mãos em uma quieta
homenagem.
Logo depois que "Love Buzz" foi lançado, Kurt fez uma fita mixada
para sua amiga Tam Orhmund, apresentando suas músicas favoritas no
momento O lado A continha canções de Redd Kross, Ozzy Osbourne, Queen,
Bay City Rollers, Sweet, Saccharine Trust, Velvet Underground, Venom,
Beatles e Knack: ele rebatizou "My Sharona" do Knack como "My Scrotum". o
lado B incluia faixas de bandas tão diferentes quanto Soundgarden, Blondie,
Psychedelic Furs, Metallica, Jefferson Airplane, Melvins e "Ac-Fucking-Dc",
conforme ele escreveu o nome. Levava horas para fazer uma fita como esta,
mas tempo era tudo o que Kurt possuía. Com o presente ele esperava
interessar Orhmund a empresariar o Nirvana.
Percebendo que a Sub Pop não estava cuidando de seus interesses
ele achou que Orhmund, que não tinha experiência anterior mas era
expansiva, poderia representá-los melhor. A certa altura, ele e Tracy
consideraram mudar-se para Tacoma com Tam. Depois de ver várias casas,
Kurt desistiu da idéia quando viu um buraco de bala numa parede.
Orhmund, por sua vez, mudou-se para Seattle, o que para Kurt parecia ser a
única qualificação requisitada para o gerente da banda. No dia que eles
apanharam o single de "Love Buzz", pararam na casa dela e Kurt anunciou
que ela seria a nova empresária do grupo. Deu-lhe uma pilha de discos e
pediu-lhe que os enviasse á Touch and Go e a todos que ela achasse que
ficariam interessados. Ela montou um tosco Kit para a imprensa, que incluía
fotos do show no K-Dorm e insignificantes recordes de matérias publicadas.
Já no dia em que o single saiu, lembra Orhmund, "Kurt agia como se odiasse
a Sub Pop".
Naquele outono, Kurt havia retirado na biblioteca o livro de Donald
Passaman, All You Need to Know About the Music Business. Depois de lê-lo
e compartilhar as informações com Krist, ele passou a desconfiar mais de
sua gravadora e decidiu que precisavam de um contrato. Na semana
seguinte, Krist foi de carro até Seattle e, embriagado, esmurrou a porta de
Bruce Pavitt, gritando: "Seus sacanas, nós queremos um contrato!". A Sub
Pop minutou um breve contrato que entrou em vigor em 1º de janeiro de
1989. Ele exigia três discos no curso de três anos — uma programação que
Kurt achou demorada demais —, e a gravadora pagaria 6 mil dólares para a
banda no primeiro ano, 12 mil no segundo e 24 mil no terceiro.
A banda passou a maior parte do mês de dezembro ensaiando para
a futura sessão de gravação. Uma vez que seu espaço de ensaio era em
Aberdeen, a viagem podia consumir a maior parte do dia. Chad apenas
ocasionalmente tinha carro e era difícil se poder contar com o veiculo de
Kurt. Na maioria dos dias, Krist dirigia sua van de Aberdeen até Olympia
para apanhar Kurt, rumava para o norte até Seattle para apanhar Chad, que
tomava a balsa vindo de Bainbridge, e então voltaram todos de carro para
Aberdeen. Ao final do dia, o trajeto seria o inverso. Alguns dias eles
chegaram a percorrer quase 650 quilômetros para realizar um ensaio de três
horas. No entanto, havia benefícios para essas viagens: elas passaram a
alimentar um sentido de companheirismo e lhe propiciava tempo
ininterrupto para ouvir música. "Ouvíamos Mudhoney, Tad, Coffin Break,
Pixies e Sugarcubes", lembra Chad. A lista de bandas que eles ouviam era
tão boa quanto qualquer outra para descrever o som do Nirvana em 1988.
Eles conseguiam um som que era ao mesmo tempo derivado e original, ás
vezes dentro da mesma canção. Mas Kurt estava aprendendo, aprendendo
depressa.
No dia 21 de dezembro de 1988, a banda retornou para o seu
primeiro show oficial como Nirvana na cidade natal de Grays Harbor.
Embora estivessem começando a atrair multidões em Olympia e Seattle,
nessa apresentação eles tocaram para uma platéia de vinte pessoas, em sua
maioria "Cling-Ons".
O local era o salão Hoquiam Eagles, a apenas duas quadras do
posto da Chevron, onde o pai de Kurt trabalhara. Krist se despiu ficando
apenas de cueca e novamente derramou sangue sobre si mesmo. Tocaram a
"Immigrant Song" do Led Zeppelin pela primeira e única vez em concerto e a
interpretação provocou uma reação maior do que qualquer uma das
composições de Kurt. O show marcou a primeira vez que a irmã de Kurt,
ainda no colégio viu seu irmão em concerto.
"Sentei-me na beirada do palco, cantando junto", lembra Kim.
"Perdi a voz. No dia seguinte eu deveria apresentar um relatório de um livro
em sala de aula, mas não consegui."
Naquela semana, Kurt enviou aos avós Leland e Íris um cartão de
Natal da Hallmark. Dentro do cartão, ele acrescentou um bilhete, pondo-os a
pa de seu progresso profissional:
"Queridos avós ha muito perdidos: Sinto muita saudades de vocês.
O que não é nenhuma desculpa por não visitá-los. Estou muito ocupado
morando em Olympia, quando não estou em turnê com minha banda.
Acabamos de lançar um single e ele já se esgotou. Estamos gravando para
um LP de estréia nessa segunda-feira, que será lançado em março. Em
fevereiro, sairemos em turnê novamente na Califórnia e, depois, voltaremos
em abril, só para dar um descanso. Depois, de novo na estrada. Estou mais
feliz do que jamais estive. Seria ótimo saber noticias de vocês também."
Feliz Natal, com amor, Kurt.
Kurt exagerou a programação de viagens da banda — seus shows
ainda não eram freqüentes, mas estavam aumentando de ritmo. Mas ele não
estava exagerando quando se disse "Mais feliz do que jamais estive". A
expectativa de um marco próximo na carreira era sempre mais alegre para
ele do que o acontecimento concreto, e a idéia de ter seu próprio disco
completo — alguma coisa muita mais significativa do que um single,
segundo ele supunha — o enchia de tal leveza que ele falava sobre suas
emoções interiores, o que era raro. Era raro para ele admitir como se sentia
sobre si mesmo — mais raro ainda ele se descrever como feliz.
Dois dias depois da apresentação no Hoquiam, a banda foi de carro
até Seattle para gravar seu disco. Era véspera de Natal. "Não tínhamos mais
nada a fazer", explica krist. Eles passaram a noite anterior na casa de Jason
Everman, um amigo de Chad e de Dylan. Kurt, como era de costumes, havia
composto as melodias mas poucas letras e, por isso, passou a maior parte
da noite finalizando as letras. Ele disse a seus parceiros de banda que não
conseguiria dormir mesmo.
Chegaram ao estúdio na tarde seguinte e trabalharam até tarde da
noite. Durante essa sessão, definiram trilhas básicas para dez canções, mas
Kurt não gostou de seus vocais. A única trilha de que gostou foi "Blew", que
havia sido vitima de um pouco de casualidade: Krist equivocadamente
baixou um tom na afinação em que a canção estava composta. O resultado
foi um som que era mais pesado e profundo do que tudo que eles haviam
feito antes, um erro perfeito. Como muitas das primeiras canções que Kurt
compôs, a letra de "Blew" não fazia sentido — eram, como Kurt explicou
mais tarde, simplesmente "coisas legais para cantar" —, mas a melodia e a
letra efetivamente comunicavam desamparo e desespero, temas dominantes
na maioria das canções de Kurt.
Por volta da meia-noite, a banda deu-se por satisfeita e tomou o
rumo de volta para Aberdeen. No longo trajeto para casa, ouvindo a gravação
seis vezes em seguida. Krist deixou Kurt em Aberdeen na casa de Wendy á
uma e meia da madrugada no dia de Natal de 1988. Ele planejava passar o
feriado lá, antes de voltar para ver Tracy. Na superfície, o relacionamento
entre Kurt e Wendy parecia ter melhorado. Naquele outono, ele escreveu em
seu diário: "Nós nos damos muito bem agora que sai de casa. Eu tenho feito
o que minha mãe deseja.
Ela acha que eu tenho um trabalho respeitável, uma namorada,
um carro, uma casa. Preciso resgatar algumas coisas velhas que deixei em
casa, meu velho lar, meu verdadeiro lar, agora simplesmente o lar de minha
mãe". Kurt normalmente fazia á mão os presentes de Natal para sua família,
tanto por preferência artística como por necessidade econômica; em 1987,
ele confeccionava chaveiros. Mas nem havia o que pensar para os presentes
em 1988: ele deu para todos, inclusive para sua tia e tios, cópias do single.
O disco criou uma espécie de volta para casa após a formatura — ele agora
tinha uma evidência ara mostrar aos parentes que estava fazendo alguma
coisa de si mesmo. Wendy tocou o single no aparelho estereofônico da
família, mas estava claro que não ficou impressionada. Ela lhe disse que ele
precisava de "algo mais a que recorrer".
Kurt não daria ouvidos a nada disso. mais animador do que o
Natal foi ainda outro show de alto nível que a banda apresentou no dia 28 de
dezembro no Underground em Seattle para o lançamento da coleção Sub Pop
200. MEsmo enfrentando dificuldades para pagar suas bandas, a Sub Pop
promovia festas perdulárias e esse evento não era exceção: era um evento
com oito bandas ao longo de dois dias num clube do bairro universitário. O
Nirvana esteve na primeira noite e foi apresentado por Steven Jesse
Bernstein como a banda com os vocais supercongelados". O Show marcou
uma das primeiras vezes em que o Nirvana estava em pé de igualdade com o
resto da lista da Sub Pop — anteriormente havia sido considerada uma
banda bebê. Os três ficaram em Seattle, e durante os três dias seguintes,
passaram quinze horas no estúdio com Endino. Trabalhando até o cair da
noite na véspera do Ano-Novo, Kurt finalmente se retirou para Olympia para
começar 1989 com Tracy.
Na segunda semana de janeiro, a banda estava de volta ao
trabalho para duas outras sessões de mixagem, e com isto ficaram próximos
da conclusão. Depois de quase trinta horas no estúdio, tinham nove faixas.
Optaram por usar três dos demos de Crover no disco e os remixaram. Kurt
havia decidido que o disco terias o título Too Many Humans, que não era
nome de nenhuma das canções mas resumia a teve obscura de seu trabalho.
No inicio de fevereiro a banda se dirigiu para uma turnê na Califórnia e, ao
passar por San Francisco, Kurt viu um cartaz de prevenção contra a Aids
que ele achou engraçado: o cartaz dizia "Bleach Your Works" [algo como
"desinfete suas agulhas"]. "Bleach", disse a seus dois parceiros enquanto a
van descia pela rua. "Esse vai ser o nome do nosso novo disco."

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Plateau

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