segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 8ª Parte



NO COLÉGIO, DE NOVO

Olympia, Washington,
Abril de 1987- Maio de 1988

"Droga, estou no colégio de novo! Quero voltar para Aberdeen."
Trecho de uma carta a Dale Crover.

DOIS MESES DEPOIS DO SHOW EM RAYMOND, Kurt fez outra
viagem importante: abandonou Aberdeen de uma vez por todas. Ele havia
passado os primeiros vinte anos de sua vida ali, mas, depois de partir,
raramente voltaria. Empacotou suas coisas, que na época consistiam em
pouco mais do que uma mochila de roupas, um caixote de discos e sua
agora vazia gaiola de rato, e as embarcou no carro de Tracy para a viagem de
pouco mais de cem quilômetros até Olympia. Embora Olympia fosse apenas
um pouco maior do que Aberdeen, era uma cidade universitária, a capital do
estado e um dos lugares mais excêntricos a oeste do East Village, com uma
estranha mistura de roqueiros Punk, artista, pretensos revolucionários,
feministas e tipo simplesmente esquisitos. Os estudantes do Evergreen State
College — conhecidos universalmente como "Greeners" — criavam seu
próprio currículo. Kurt não pretendia ir para a universidade, mas pelo
menos tinha a idade correta para entrar. Ele iria ter uma relação conflitante
com o público de arte da cidade — ansiava por sua aceitação, ainda que
freqüentemente se sentisse inadequado. Era um tema recorrente em sua
vida.
Kurt se mudou para Olympia para morar com Tracy em um
apartamento-escritório em uma velha casa convertida num triplex na rua
Pear, 114 1/2, dos serviços públicos. E a localização, a poucas quadras do
centro, era ideal para Kurt, que raramente tinha acesso a um automóvel.
Durante o primeiro mês procurou emprego sem muito sucesso, enquanto
Tracy o sustentava trabalhando na lanchonete da fábrica da Boeing em
Seattle. Ela fazia o turno da noite e só voltava para casa as nove da manhã.
O emprego garantia uma renda fixa — algo que ambos sabiam não poder
esperar de Kurt — e ela podia roubar comida para complementar seu
salário.
Devido ao seu horário incomum de trabalho, Tracy começou a
deixar listas de "afazeres" para Kurt, e essa forma de comunicação se
tornaria um ritual de seu relacionamento. Uma dessas listas que ela
escreveu no final de 1987 dizia; "Kurt: varra a cozinha, atrás da caixa de
areia do gato, lata de lixo, debaixo do alimentador do gato. sacuda os
carpetes, passe aspirador e limpe o quarto da frente. Por favor, por favor, por
favor". O bilhete era assinado com um coração e uma Smiley sorridente. O
bilhete de resposta de Kurt; "Por favor, ponha o despertador para as onze
que eu lavo os pratos. Tudo Bem?".
A principio, Kurt ajudou com o trabalho doméstico, lavando a
louça e até ocasionalmente esfregando o chão. Embora o apartamento fosse
minúsculo, precisava de limpeza constante devido á coleção de bichos de
estimação dos dois.
Embora a população efetiva variasse ao longo dos dois anos
seguintes dependendo do tempo de vida de cada um, eles tiveram cinco
gatos, quatro ratos, uma cacatua, dois coelhos e as tartarugas de Kurt. O
apartamento tinha um cheiro que as visitas freqüentemente comparavam
desfavoravelmente a uma Pet Shop, mas era quase um lar. Kurt chamava o
coelho de Stew [Guisado].
Ele também pintou o banheiro de vermelho-sangue e escreveu
"Redrum" na parede, uma referência a O iluminado, de Stephen King. Uma
vez que Kurt tinha a tendência de escrever nas paredes, ele prudentemente
cobriram a maior delas com pôsteres de rock, muitos com o verso para a
frente, para que assim ele tivesse mais espaço para criar. Os poucos
pôsteres que exibiam a frente tinham alguma alteração em relação ao que
eram. Um cartaz enorme dos Beatles agora exibia um Paul McCartney de
óculos e usando cabelo afro. Acima da cama havia um pôster do Led
Zeppelin ao qual Kurt acrescentara o seguinte; "Otário, meigo, alcoólatra,
nojento, lixo, degenerado, piolho, perebas, pus, pneumonia, diarréia, vômito
de sangue, urina, músculo intestinal deficiente, artrite, gangrena, doença
mental psicótica, incapaz de formar frases, provavelmente ira se virar num
caixão na neve." junto a essa ladainha estava o desenho de uma garrafa de
vinho fortificante Thunderbird e uma caricatura de Iggy Pop. A geladeira
exibia uma colagem de fotos que ele criou com imagens de carne misturada
com velhas ilustrações médicas de afecções vaginais. "Ele era fascinado por
coisas que fossem grosseiras", lembrou Tracy. E embora o próprio Kurt
raramente falasse sobre religião, Tracy disse: "Acho que ele acreditava em
Deus, mas mais no diabo do que realmente em Deus", Havia cruzes e outros
artefatos religiosos nas paredes.
Kurt gostava de roubar esculturas da Virgem Maria do cemitério e
de pintar lágrimas de sangue sob seus olhos. Tracy havia sido criada como
luterana, e a maioria das discussões religiosas entre os dois era sobre se
Deus poderia existir num mundo cheio de tanto horror, com Kurt assumido
a posição de que Satã era mais forte.
Após dois meses como dono-de-casa, Kurt assumiu um emprego
de vida curta de 4,75 dólares por hora no Lemons Janitorial Service, uma
pequena empresa familiar de serviço de faxina. Ele dizia a seus amigos que
limava consultórios médicos e odontológicos e usava a oportunidade para
roubar remédios. Mas, de acordo com o proprietário do negócio, grande parte
da rota em que Kurt trabalhava era de edifícios industriais com poucas
chances de roubar alguma coisa. Ele usou parte daquilo que ganhou para
comprar um velho Datsun enferrujado. Uma coisa era certa sobre esse
serviço de manutenção entre ele e Tracy. Mesmo depois de deixar o emprego,
aparentemente ele achou que não precisava mais fazer nenhuma limpeza na
vida.
Em Olympia, sua vida artística interior estava se desenvolvendo em
sentidos antes inexistentes. Desempregado, Kurt acionou uma rotina que ele
seguiria pelo resto de sua vida. Levantava-se por volta do mio-dia e comia
uma espécie de café-almoço. Kraft Macaroni And Cheese era seu prato
predileto. Tendo experimentado outras marcas, seu paladar delicado havia
decidido que quando se tratava de queijo e massa beneficiados, a Kraft havia
conquistado seu papel de líder do mercado. Depois de comer, ele passava o
resto do dia fazendo uma dentre três coisas: ver televisão, o que ele fazia sem
parar, praticar com sua guitarra, o que ele fazia durante horas,
normalmente enquanto via tevê, ou criar algum tipo de projeto de arte, fosse
na pintura, colagem ou instalação tridimensional. Esta última atividade
nunca era formal — Kurt raramente se identificava como artista —, Embora
ele passasse horas dessa maneira.
Ele também escrevia seus diários, embora o diálogo interno que
mantinha não fosse muito tintim por tintim do seu dia, já que isto era um
dispositivo terapêutico obsessivo-compulsivo pelo qual ele conseguia soltar
seus mais íntimos pensamentos. A escrita era imaginativa e muitas vezes
perturbadoras.
Suas canções e seus registros no diário ás vezes se fundiam, mas
ambos eram obcecados pelas funções corporais humanas: parto, urina,
defecação e sexualidade eram tópicos em que ele era bem versado. Um
pequeno segmento ilustra os temas familiares que ele constantemente
revistaria: Chef Boyardee é mais insignificante, mais forte, menos suscetível
á doença e mais dominador do que um gorila macho. Ele vem me ver a noite.
Abrindo obstinadamente as fechaduras e curvando as grades de minha
janela. Custando-me terríveis somas de dinheiro em dispositivos domésticos
antifurto. Ele vem me ver em meu quarto. Nu, barbeado e untado. Os pelos
pretos do braço eriçam sua pele como frango arrepiado. Parado em uma
poça de gordura de pizza. Vomitando farinha. Ele entra em meus pulmões.
Eu tusso. Ele ri. Monta em cima de mim. Eu gostaria de chutar seu maldito
rabo machista quente e fedorento.
Esses pensamentos íntimos, muitas vezes cheios de violência,
estavam em contraste marcante com o mundo esterno de Kurt. Pela primeira
vez em sua vida ele tinha uma namorada firme que o idolatrava e atendia a
cada uma de suas necessidades. Às vezes a atenção que Tracy lhe dava
beirava o cuidado maternal e, em certo sentido, ele precisava disso. Kurt
comentava com seus amigos que ela era "a melhor namorada do mundo".
Como casal, os dois demonstravam sinais de tranqüilidade
doméstica. Iam juntos para a lavanderia e, quando podiam, Compravam
pizza para viagem na Fourth Avenue Tavern (Eles moravam vizinhos a um
ponto de pizza diferente, mas Kurt insistia que ela não prestava). Kurt
gostava de cozinhar e freqüentemente fazia para Tracy o rato que era sua
especialidade, "vanilla Chicken", ou fettucine Alfredo.
"Ele comia o tipo de coisa que faria outras pessoas ganharem peso,
mas ele nunca engordava", comenta Tracy. Seu tamanho sempre havia sido
motivo de preocupação e ele escrevia para diversos anúncios das ultimas
páginas de revistas pedindo formulas para ganhar peso, mas estes surtiam
pouco efeito. "Os ossos de seus quadris saltavam para fora e ele tinha
joelhos protuberantes", lembra Tracy.
"Não usava short a menos que tivesse fazendo muito calor, por que
ele se retraia por saber que suas pernas eram muito finas." Para um passeio
até a praia, Kurt vestiu uma ceroula, uma calça Levi's, uma segunda Levi's
sobre a primeira, uma camisa de manga comprida, uma camiseta e dois
pulôveres de manga comprida "Ele queria parecer maior", disse Tracy.
A única coisa em sua vida que conseguia fazê-lo sentir-se maior
era sua música, e no verão de 1987 a banda estava se consolidando. Eles
ainda não haviam definido um nome permanente, chamado-se de tudo:
desde" Throat Oyste" até "Ted, Ed, Fred", em homenagem ao namorado da
mãe de Greg Hokanson. Eles tocaram em duas festas no inicio de 1987 e, em
abril, chegaram a tocar na emissora de rádio KAOS da universidade em
Olympia. Tracy deu uma fita do Show no rádio para Jim May, da Community
World Theater (CWT) de Tacoma, e insistiu com Jim para que os
programasse. Tracy e Shelli contribuíram para a banda naqueles primeiros
tempos em vários sentidos que não podem ser subestimados; elas
desempenhavam os papéis informais de assessoras de imprensa,
empresárias, promotoras e agentes de merchandising, além de seu trabalho
de garantir que seus homens estivessem alimentados, vestidos e ensaiados.
Jim May propiciou á banda sua primeira apresentação extra festa, para a
qual tocaram sob o nome de Skid Row — na época, Kurt não sabia que uma
banda lite-metal de Nova York tinha o mesmo apelido. Não importava: eles
mudavam de nome a cada show, do mesmo jeito que uma socialite
experimenta chapéus. Essa apresentação, embora não muito depois da festa
em Raymond, mostrou a banda crescendo aos trancos e barrancos. Mesmo
Tracy que era tendenciosa já que estava apaixonada pelo cantor, ficou
impressionada pelo tanto que eles haviam se desenvolvido: "Quando
começaram a tocar, minha boca caiu. Eu disse: "Esses caras são bons".
Eles podiam ter um bom som, mas certamente pareciam
estranhos. Para essa apresentação, Kurt havia tentando ser glamuroso.
Como fez em diversos shows naquele ano, ele vestia calça brilhante, uma
camisa de seda havaiana e sapatos de plataforma de quatro polegadas para
parecer mais alto. O músico John Purkey, por acaso, estava na CWT naquela
noite e, apesar dos trajes estranhos do grupo, lembra: "[...] fiquei tomado.
Ouvi a voz da pessoa cantando e ela me deixou totalmente impressionada.
Eu nunca ouvira uma voz como a dele antes. Era uma voz distinta. Havia
uma canção, "Love Buzz", que definitivamente pegava".
"Love Buzz" tinha sido um dos elos perdidos de que a banda
precisava, Krist havia descoberto a canção num disco de uma banda
holandesa chamada Shocking Blue, e Kurt a adotou imediatamente e fez
dela uma marca de seu grupo. Ela começava com uma batida de bateria em
meio andamento, mais rapidamente passava para uma frase rodopiante de
guitarra. A interpretação da canção mesclava partes iguais de transe
psicodélico com uma densidade surda e reduzida da parte do baixo de Krist.
Kurt tocaria o solo de guitarra atrás dele, no chão.
Começaram a tocar regularmente no CWT, embora seja exagero
sugerir que tenham formado ali uma audiência. O cinema em si era uma
antiga sala de exibição de filmes pornô, e a única fonte de calor era uma
estufa com uma turbina movida a gás que girava ruidosamente, mesmo
durante as apresentações da banda. Kurt comentou que havia o "cheiro
onipresente de urina" no lugar. A maioria da platéia de seus primeiros shows
vinha para ver outros grupos — na noite antes de Kurt tocar, a programação
era Bleeder, Panic e Lethal Dose. "Jim may programava esses caras quando
ninguém mais lhe daria espaço", explicou Buzz Osborne. "Era ali que eles
perdiam seus dentes de leite." Kurt, sempre aprendendo com Buzz, percebeu
que até uma apresentação diante de seus amigos era uma chance para
crescer. "Eu podia contar com eles para tocar a qualquer momento", lembrou
May." Kurt nunca recebia dinheiro nenhum, o que também era bom para
mim porque eu estava fazendo somente cerca de doze shows por mês, e
apenas dois deles davam dinheiro." Kurt havia sabiamente captado sua
situação e percebeu que a banda conseguia mais apresentações e mais
experiência se eles tocassem de graça. Afinal, para que eles precisavam de
dinheiro? Eles tinham Tracy e Shelli.
Shelli havia assumido um emprego ao lado de Tracy na lanchonete
da Boeing. Ela e Krist haviam se mudado para um apartamento em Tacoma,
a 48 quilômetros ao norte de Olympia. Com a mudança, a banda em breve
se dissolveu. Anteriormente, com Krist e Aaron morando na área de
Aberdeen, Kurt tomava o ônibus de volta para os ensaios. Mas com Krist em
Tacoma e trabalhando em dois empregos (na Sears e como pintor industrial),
o único que parecia ter tempo para a banda era Kurt. Ele escreveu uma
carta a Krist para convencê-lo a voltar para o grupo. "Era engraçada: era
como um comercial", lembra Krist. "Ela dizia: 'venha, junte-se a banda. Sem
compromisso. Nenhuma obrigação (Bem, algumas)'. Ai eu liguei para ele e
disse: "Tá bem, vamos fazer de novo". O que fizemos foi montar um espaço
para ensaios no porão da nossa casa. Demos um giro por canteiros de
construção, apanhamos restos e o construímos com velhos caibros de duas
por quatro polegadas e carpetes velhos." Kurt e Krist já eram amigos havia
algum tempo, mas esta segunda formação da banda cimentaria mais
profundamente sua relação.
Embora nenhum fosse particularmente bom para falar sobre suas
emoções, forjaram um laço fraterno que parecia mais forte do que todos os
demais relacionamentos de suas vidas.
Mas mesmo com um local de ensaio em Tacoma, á medida que se
encerrava o ano de 1987 novamente se defrontaram com o problema do
baterista, que os atormentaria pelos próximos quatro anos. Burckhard ainda
morava em Grays Harbor e, com um novo emprego como gerente assistente
no Burger King de Aberdeen, ele não podia mais tocar com eles. Em
resposta, Kurt colocou um anúncio de "Procuram-se Músicos" na edição de
outubro de 1987 da The Rocket: "Procuram-se Baterista Sério. Atitude
ungergrond, Black Flag, Melvins, Zeppelin, Scratch Acid, Ethel Merman.
Versátil pra caramba, Kurt". Não encontraram nenhum candidato sério e,
assim, em dezembro, Kurt e Krist começaram a praticar com Dale Crover,
que estava de volta da Califórnia, e começaram a conversar sobre a produção
de uma demo. Durante o ano de 1987, Kurt tinha dezenas de canções estava
ansioso para gravá-las. Leu um anúncio do Reciprocal, um estúdio que
cobrava apenas vinte dólares por hora para gravação e marcou uma sessão
em janeiro com o produtor em ascensão, Jack Endino. Endino não tinha a
menor idéia de quem era Kurt e anotou na agenda "Kurt Cobain".
No dia 23 de janeiro de 1988, um amigo de Novoselic levou a
banda e todo seu equipamento até Seattle em um caminhão forrado de
sarrafos e aquecido por um fogão a lenha. Parecia um cabana da roça
carregada para dentro de uma pick-up, e era isto mesmo o que era. Ao
entrar na cidade grande eles pareciam a Família Buscapé, com fumaça de
lenha saindo pela traseira da carroceria; o caminhão estava tão carregado
que raspava nas saliências da pista.
O Reciprocal era administrado por Chris Hanszek e Endino. As
bandas Mudhoney, Soudgarden e Mother Lobe Bone haviam trabalhado lá e
o lugar já era lendário em 1988. O estúdio em si tinha apenas 83 metros
quadrados, com uma sala de controle tão minúscula que três pessoas não
conseguiam se acomodar dentro dela ao mesmo tempo. "Os carpetes
estavam gastos, os lambris das portas estavam todos se soltando e haviam
sido pregados de volta algumas vezes, o que demonstrava sua idade", lembra
Hanszek. "Dava para ver que o local tinha as marcas de 10 mil músicos que
haviam esfregado os cotovelos por ali." No entanto, para Kurt e Krist era
exatamente aquilo que eles estavam procurando: Tanto quanto desejavam
uma fita demo, procuravam estar na mesma liga que as outras bandas.
Rapidamente dispensaram as apresentações e passaram a gravar quase
imediatamente. Em menos de seis horas, gravaram e mixaram nove canções
e meia. A última música, "Pen Cap Chew", ficou incompleta, já que o rolo de
fita acabou durante a gravação e a banda não tinha os trinta dólares
adicionais para outro rolo. Endino ficou impressionado com a banda, mas
não muito abertamente. Ao fim do dia, Kurt pagou a conta de 152,44 dólares
á vista, com dinheiro que ele disse que havia economizado trabalhando em
seu emprego de faxineiro.
O furgão foi então recarregado com o equipamento e a banda se
dirigiu para o sul — neste mesmo dia tinha um show programado para o
Community World Theater de Tacoma. Durante o percurso de uma hora,
ouviram duas vezes a fita Demo. As dez canções eram, pela ordem, "If You
Must", "Downer", "Floyd The Barber", "Paper Cuts", "Spank Thru",
"Hairspray Queen", "Aero Zeppelin", "Beeswax", "Mexican Seafood" e a
metade de "Pen Cap Chew". Quando Chegou a hora de sua apresentação,
tocaram as mesmas dez canções, nessa ordem. Foi um dia de triunfos para
Kurt — seu primeiro dia como um "verdadeiro" músico. Ele estivera em um
estúdio em Seattle e apresentara outro show diante de um público de vinte
adoradores. Dave Foster estava em outra banda do programa daquela noite e
lembrou da apresentação como particularmente inspirada: "Eles foram
sensacionais. Crover estava arrasador, embora fosse muito difícil ouvi-lo
mais alto que a turbina a gás, já que era uma noite muito fria".
Nos bastidores, ocorreu um incidente que marcaria a noite de uma
forma que Kurt não poderia ter previsto. Comparado a Krist e Kurt, Crover
era veterano, e ele e os Melvins haviam tocado diversas vezes no CWT. Ele
perguntou a Kurt quando eles estavam ganhando pela apresentação, e
quando Kurt lhe disse que estavam tocando sem receber, Crover protestou.
May explicou que havia tentado pagar a banda por suas últimas
apresentações — o clube estava finalmente faturando um pouco mais —,
mas que Kurt continuou se recusando a receber dinheiro. Crover começou a
gritar, até que Kurt finalmente anunciou: "Nós não estamos recebendo
dinheiro nenhum".
Crover argumentou que mesmo que o pagamento fosse de irrisórios
vinte dólares, havia um principio em jogo; "Você nunca deveria ter feito isso,
Kurt. Esses caras só estão te explorando. Você vai ser sempre explorado.
Precisa receber o seu dinheiro". Mas Kurt e Krist percebiam a realidade da
situação de May. May finalmente propôs um meio-termo que permitiria a
Kurt manter sua integridade e deixar Crover feliz: ele convenceu a banda a
aceitar dez dólares para a gasolina. Kurt enfiou a nota no bolso e disse:
"Obrigado". Ele saiu do clube naquela noite pela primeira vez na vida como
um músico profissional, manuseando a nota durante todo o caminho de
volta.
Um mês depois, Kurt comemorava seu aniversário de 21 anos
experimentando finalmente o rito americano de passagem, que significava
que ele podia comprar bebidas legalmente. Ele e Tracy se embriagaram —
desta primeira vez, Kurt comprou — e comeram pizza. A relação de Kurt com
o álcool era um flerte bebe-de-novo/pára-de-novo. Com Tracy, ele estava
bebendo menos e tomando menos droga do que nos tempos do barraco em
Aberdeen. Nenhum de seus amigos se lembra dele sendo o mais embriagado
do grupo — a distinção normalmente cabia a Krist ou a Dylan Carlson, que a
essa altura estava morando vizinho a Kurt na rua Pear —, e ás vezes Kurt
parecia francamente moderado. Seu outro vizinho, Matthew "Slim" Moon,
parara de beber dois anos antes e, com isso, havia exemplos da sobriedade
por perto. A pobreza de Kurt em 1988 implicava que ele mal podia comer,
por isso um luxo como o álcool era reservado para comemorações ou quando
ele podia assaltar a geladeira de alguém.
No momento em que fez 21 anos, Kurt havia temporariamente
parado de fumar era inflexível no sentido de não permitir que pessoas
acendessem cigarros perto dele (ele assinou um bilhete para um amigo
naquele ano como "o astro esnobe do rock que reclama de fumaça"). Ele
achava que fumar prejudicava sua voz para cantar e sua saúde. Kurt sempre
foi uma mistura estranha de autopreservação e autodestruição, e ao
encontrá-lo numa noite era difícil imaginar que ele era a mesma pessoa que
se encontraria duas semanas depois. "Certa vez fomos a uma festa em
Tacoma", lembra Tracy, "e na manhã seguinte ele estava me perguntando o
que ele havia feito, porque estava muito bêbado. E eu lhe disse que ele havia
fumado um cigarro. Ele ficou chocado!"
Sua irmã Kim o visitou na época em que ele completou 21 anos, e
eles se aproximaram de um jeito que durante anos não haviam feito,
conversando sobre seu trauma comum de infância. "Ele me encheu de chá
gelado Long Island na casa dele", lembra Kim. "Fiquei enjoada, mas foi
divertido." Em 1988, Kurt parou de beber antes dos shows — seu foco estava
sempre na banda, á exclusão de tudo o mais. Aos 21, ele era tão sério com a
música quanto jamais seria. Ele vivia, dormia e respirava a banda.
Mesmo antes de a banda ter um nome permanente, Kurt estava
convencido de que ter um vídeo na MTV era seu passaporte para a fama.
Com este objetivo, Kurt convenceu a banda a tocar na Radio Shack de
Aberdeen enquanto um amigo gravava a apresentação numa câmera de
vídeo de aluguel barato, usando múltiplos efeitos especiais. Quando Kurt
assistiu á fita concluída, até ele percebeu que pareciam mais amadores
fingindo ser astros do rock do que músicos profissionais.
Logo depois da apresentação na Radio Shack, Crover deixou o
emprego na banda para voltar para a Califórnia com os Melvins. Eles sempre
souberam que Crover era apenas uma solução temporária para o seu
problema de baterista. O êxodo dos Melvins era indicado daquilo em que
muitas bandas do noroeste acreditavam na época: isto acontecera tanto
tempo depois de qualquer grupo do noroeste alcançar sucesso — o Heart
tinha sido o último grande sucesso — que a mudança para um centro mais
populoso parecia ser o único caminho para a fama. Perder Crover aumentou
a frustração de Kurt, mas também o ajudou a encontrar uma identidade
própria, e seu grupo podia ser concebido como uma coisa diferente de uma
cria dos Melvins. Até a metade do ano de 1988, um maior número de
pessoas em Olympia conhecia Kurt mais como roadie dos Melvins do que
como líder de sua própria banda
Isso estava prestes a mudar. Crover havia recomendado Dave
Foster, um baterista de toque e vida pesados. Embora ter um baterista lá em
Grays Harbor continuasse a ser um problema logístico, a essa altura Kurt
tinha seu Datsun para ajudar.
Quando o carro andava, o que nem sempre acontecia, ele chegava
a Aberdeen, apanhava Foster, levava-o até Tacoma para ensaiar, e depois
refazia o caminho inteiro mais tarde naquela noite, ou pela manhã, fazendo
horas extras de direção.
O primeiro show da banda com Foster foi uma festa numa casa de
Olympia apelidada de Caddyshack.* Umas das esquisitices de Olympia era
que toda residência de estudantes nos anos 80 tinha algum tipo de apelido -
a Caddyshack ficava próxima a um campo de golfe. Diferente do programa
de rádio na KAOS e do show do Brown Cow em Gesso, esta foi a primeira
apresentação pública de Kurt em Olympia e ela seria parte de uma dolorosa
curva de crescimento. Tocar para uma sala de estar cheia de estudantes
universitários foi um choque cultural. Kurt havia tentado vestir o papel - ele
trajava sua jaqueta jeans rasgada com retalhos de A Última ceia costurados
nas costas e um macaco plástico, Chim Chim, do cartum do Speed Racer
colado no ombro. Foster vestia uma camiseta, jeans stone-washed e usava
bigode. Antes mesmo que a banda tivesse chance de começar, um garoto
com um cabelo tipo indígena agarrou o microfone e gritou: "Bateristas de
Aberdeen são esquisitos mesmo". Embora fosse Foster quem o garoto estava
criticando, o comentário também atingiu Kurt: o que ele mais queria era ser
visto como uma pessoa requintada de Olympia, não um caipira de Aberdeen.
O preconceito de classe seria algo que ele combateria durante toda a sua
vida, porque não importava o quanto se afastasse de Grays Harbor, ele
sempre se sentia marcado como um matuto. A maioria dos Greeners era de
cidades grandes — como muitos garotos privilegiados da universidade, seu
preconceito para com pessoas de comunidades rurais estava em contraste
marcante com o libertismo que eles professavam em relação a raças
diferentes. A apresentação na Caddyshack acontecia quase exatamente um
ano depois da festa em Raymond, e encontrava Kurt num paradigma que ele
não esperava: sua banda era avançada demais para Raymond, mas aqui, em
Olympia, não era avançada o bastante.
Ele discutiu isso com seus companheiros de banda, esperando
que, se eles parecessem mais sofisticados, seriam levados mais á serio.
Kurt ordenou a Foster que reduzisse sua bateria de doze peças
para seis, e depois partiu para a aparência de Foster: "Você precisa dar um
jeito nisso, Dave". Foster replicou, com raiva: "Não é justo fazer gozação
comigo como o cara de cabelo curto — eu tenho um emprego. Nós
poderíamos pintar o cabelo de verde e ainda pareceríamos caipiras". Apesar
do fato de dizer o oposto exato nas entrevistas, Kurt se importava muito com
o que as pessoas pensariam dele. Se isso implicasse livrar-se de sua jaqueta
Jeans desbotada com o colarinho branco de lã, que agora ficava no armário
do seu apartamento, que assim fosse. As roupas de Foster, além do bigode,
não eram diferentes das de Kurt dois anos antes, o que pode explicar por
que Kurt recebeu a critica em termos tão pessoais. Kurt havia descoberto
que o punk rock, além de ser anunciado como um gênero de música
libertador, era acompanhado de seus próprios costumes e estilos sociais, e
que esses muitas vezes eram mais restritivos que as convenções contra as
quais supostamente se rebelavam. Havia um código de vestuário.
Talvez em uma pequena tentativa de deixar para trás seu passado
e as associações que a banda tinha com Aberdeen, Kurt propôs um nome
final para o grupo. Foster ouviu pela primeira vez o novo nome quando viu
um panfleto na casa de Kurt para o "Nirvana". "O que é isso?", perguntou.
"Isso somos nós", replicou Kurt. "Significa conseguir a perfeição" No
budismo, nirvana é o lugar alcançado quando a pessoa transcende o ciclo
interminável de renascimento e sofrimento humano.
Renunciando ao desejo, seguido o Óctuplo Caminho e mediante a
meditação e a prática espiritual, os crentes trabalhavam para alcançar o
nirvana e com isso obtêm a liberdade da dor da vida. Kurt se considerava
budista na época, embora sua única prática desta fé fosse ter assistido na
televisão a um programa de fim de noite.
Seria sob o nome Nirvana que a banda primeiro ganharia atenção
em Seattle, uma cidade com uma população de meio milhão de pessoas,
onde Kurt se convenceu de que sua jaqueta Última Ceia devidamente se
encaixaria. Jack Endino havia remixado a sessão do dia 23 de janeiro numa
fita cassete que ele passara para alguns de seus amigos. Uma delas foi para
Dawn Anderson, que escrevia para a The Rocket e editava o fanzine
Backlash: outra foi para Shirley Carlson, que era uma Dj voluntária na
KCMU, a emissora de rádio da Universidade de Washington: e uma terceira
ele entregou para Jonathan Poneman, co-proprietário da Sub Pop, um selo
independente de uma gravadora do noroeste. As três fitas influiriam no
futuro do Nirvana. Anderson gostou da fita o bastante para planejar escrever
um artigo; Carlson pôs no ar "Floyd The Barber" na KCMU, a primeira
audição da música: e Poneman conseguiu o número do telefone de Kurt com
Endino. Quando ele ligou, Kurt estava em casa recebendo a visita de Dale
Crover.
Era a conversa que Kurt estava esperando durante toda a sua vida.
Mais tarde, ele remodelaria esses acontecimentos para sugerir que a fama
chegara sem nenhuma estocada de sua parte, mas isto não podia estar mais
longe da verdade. No instante em que recebeu a demo, ele começou a fazer
cópias e a enviá-las para gravadores em todo o país, fazendo sondagens para
um contrato. Enviou longas cartas manuscritas para todas as gravadoras
que ele conseguia imaginar; o fato de que não tivesse pensado na Sub Pop
era apenas uma indicação do baixo status da gravadora. Kurt estava mais
interessado em ser da SST ou da Touch and Go. Greg Ginn, um dos
proprietários da SST e membro da banda Black Flag, lembra de ter recebido
aquela primeira fita demo pelo correio: "Minha opinião era que eles não eram
assim tão originais, que eram regularmente alternativos. A banda não era
ruim, mas também não era sensacional". Embora Kurt tivesse enviado
dezenas de demos para a Touch And Go durante o ano de 1988, e chegasse
até a chamar essas canções de "As demos da Touch and Go" em seu
caderno, a fita despertou tão pequena impressão que ninguém na gravadora
se lembra de tê-las recebido.
A fita causou furor maior em Poneman, que a levou a seu sócio
Bruce Pavitt em seu emprego diurno — na Muzak Corporation, a empresa de
músicas para elevador. A sala de reprodução de fitas da Muzak era,
curiosamente, o emprego diurno predileto de muitos membros da elite do
rock de Seattle, e Poneman fez uma audição da fita para os presentes, entre
os quais Mark Arm, do Mudhoney. Eles lhe deram o polegar abaixado, com
Arm desqualificando o grupo como "similar ao Skin Yard, mas não tão bom".
No entanto, Poneman conseguiu marcar o Nirvana no final de uma
programação em um pequeno clube de Seattle chamado Vogue, para um dos
shows mensais "Sub Pop Sunday" da gravadora. Esses shows com couvert a
dois dólares apresentavam três bandas, embora a programação de cerveja
fosse uma parte tão grande da atração quanto a música. Poneman
perguntou se o Nirvana podia tocar no Vogue no último domingo de abril.
Kurt, tentando não aparecer entusiasmado demais, rapidamente disse sim.
O Vogue era um clube minúsculo na First Avenue de Seattle, mais
conhecido por seu bartender travesti. Numa administração anterior, o clube
tinha tido uma vida breve como clube New Wave e, antes disso, um bar de
motoqueiros gays. Em 1988, a maior atração era a noite da discoteca e a
isca da promoção de cerveja era do tipo três garrafas de "Beer Beer" por três
dólares.
Nesse sentido, o Vogue refletia a condição geralmente pobre do
cenário de clubes noturnos de Seattle na época, onde havia poucos locais
para bandas novas tocarem. Como escreveu Pavitt na The Rocket em
dezembro de 1987: "Apesar da desesperada necessidade de um bom clube,
Seattle raramente tem visto muitas bandas". O Vogue não tinha um cheiro
de urina tão forte quanto o Community World, mas sim um tênue aroma de
baunilha, resquício das muitas ampolas de vasodilatadores esmagadas no
chão durante a noite de dança.
Apesar disso, Kurt Cobain não via a hora de entrar nesse palco.
Como idosos que têm hora marcada no dentista, a banda se certificou de
chegar cedo para este importantíssimo Show — chegando quatro horas
antes da hora do show. Sem nada para fazer e conhecendo pouca gente na
cidade, ficaram rodando de carro a esmo.
Antes da passagem do som, Kurt vomitou no estacionamento
próximo ao local. "Foi só porque ele estava nervoso", lembra Foster. "Ele não
estava bebendo". Antes de serem chamados ao palco, eles tinham de esperar
na van — Foster ainda era menor de idade.
Quando chegou a hora de tocar, na descrição de Foster, Kurt ficou
"muito tenso". Quando subiram ao palco, ficaram surpresos de ver uma
platéia tão pequena como a de seus habituais shows na CWT. "Raramente
havia alguém lá", lembrou a Dj Shirley Carlson. "As poucas pessoas que
estavam lá conheciam Tracy ou Kurt das festas, ou tinham ouvido a fita. Nós
nem sequer sabíamos quem cantava." Na melhor das hipóteses foi uma
apresentação opaca. "Realmente não pisamos na bola", lembra Foster, "Isto
é, não tivemos de parar na metade da música. Mas foi muito constrangedor,
porque sabíamos que aquilo era para conseguir um contrato de gravação."
Eles tocaram catorze músicas sem bis, começando com "Love Buzz", que não
era uma música comum na época. Kurt achou prudente colocar o melhor
material primeiro, no caso de as pessoas saírem.
Parte da platéia de fato saiu e Carlson foi uma das poucas que
tinha algo de bom a dizer sobre a banda, comparando-a ao Cheap Trick:
"Lembro-me de ter pensado que não só Kurt podia cantar e tocar guitarra,
embora em conjunto não muito bem, mas ele tinha uma voz nitidamente tipo
Robin Zander". A maioria dos membros do Establishment do rock de Seattle
considerou a banda uma droga. O fotógrafo Charles Peterson ficou tão
desinteressado que não gastou nenhum filme com eles e questionou
Poneman sobre a sensatez de contratar o grupo.
Talvez o critico mais duro do desempenho da banda, como sempre,
fosse o próprio Kurt. Quando o fotógrafo Rich Hansen fotografou a banda
depois do show, Kurt, agora afagando um drinque, gritou: "Nós fomos um
fiasco!". "Eles foram muito autocríticos de sua apresentação", lembra
Hansen. "Parece que houve certa discussão em torno de que eles tivessem
perdido alguns acordes. Fiquei impressionado por ver como eles eram
verdes. Havia neles uma ingenuidade absoluta."
As fotos feitas por Hansen naquela noite fornecem muitas
indicações sobre a aparência de show esquisito do grupo. Krist, com dois
metros de altura, parece um gigante ao lado de Kurt e Foster; ele tem
costeletas longas e encaracoladas, cabelo a meia altura da cabeça. Foster,
com apenas 1,64 metros, chega á altura do peito de Krist e usa o tipo de
roupa sobre a qual Kurt devia lhe ter dado uma aula: jeans desbotado,
camiseta com um perfil de montanha em Silkscreen e um boné de beisebol
virado para trás com um logotipo da cerveja Corona. Ele está olhando para o
vazio, talvez lembrando que precisa estar no trabalho até ás sete daquela
manhã. Kurt, que Hansen convenceu a sentar-se no joelho de Krist para
algumas tomadas, veste jeans, uma camisa cinza virada do avesso e um
suéter escuro. O cabelo louro crescido mais de sete centímetros abaixo do
ombro. Com a barba de cinco dias por fazer, ele exibe uma surpreendente
semelhança com certos retratos de Jesus Cristo. Até a expressão de Kurt em
uma das fotos — um olhar dolorido e distante, como se estivesse marcando
este momento no tempo — é semelhante á imagem de Cristo em A Ultima
Ceia de Leonardo da Vinci.
Na volta para casa, Kurt discutiu o show como o primeiro
verdadeiro revés da banda e jurou que nunca mais ficariam tão
embaraçados novamente.
Chegaram a suas casas apenas ás quatro da manhã, e no longo
trajeto Kurt exortou seus parceiros de banda e a si mesmo que praticariam
mais, comporiam novas canções e não mais fracassariam. Mas quando
Poneman ligou para ele dois dias depois e sugeriu que gravassem um disco
juntos, ás próprias lembranças de Kurt sobre o show mudaram de repente.
Duas semanas depois, Kurt escreveu uma carta para Dale Crover que tinha
como cabeçalho; "Ah, e nosso nome final é Nirvana". O objetivo da carta era
gabar-se e, ao mesmo tempo, procurar conselho. Foi uma das muitas cartas
que ele escreveu, mas que nunca enviou, e seu conteúdo descreve em
detalhe as partes da noite que ele estava escolhendo lembrar e as partes que
ele havia escolhido esquecer ou reconstruir segundo seu gosto. Na íntegra,
ele escrevia:
Então, nos últimos dois meses, nossa demo foi pirateada, gravada
e discutida entre todos os notáveis do cenário de Seattle. E o cara, Jonathan
Poneman (lembra-se do cara que me ligou quando você estava lá no ultimo
dia?), o Sr. Dinheirão de Herança, braço direito de Bruce Pavitt e também
investigador financeiro da Sub Pop Records, conseguiu um show para nós
no Vogue em um Sub Pop Sunday. Grande coisa! Mas eu acho que a
badalação e ser regularmente tocado na KCMU provavelmente ajudou. A
quantidade de pessoas que vieram nos JULGAR não para estar num bar,
ficar bêbado, ver algumas bandas e se divertir, mas apenas observar o
evento da mostra. Uma hora. Havia ali um representante de cada banda de
Seattle, só assistindo, sentimo-nos com se eles tivessem ficha de notas. E
assim, depois da apresentação, Bruce aperta entusiasmado nossa mãos e
diz: "Uau, bom trabalho, vamos gravar um disco" e ai os flashes das câmeras
espoucam e a garota do Backlash diz: "Puxa, podemos fazer uma
entrevista?", sim, claro, porque não? E ai as pessoas dizem bom trabalho,
caras, vocês são geniais e agora o que se espera e que sejamos completos
socialites, conhecendo gente, apresentado etc.
DROGA, ESTOU NO COLÉGIO DE NOVO! Quero voltar para
Aberdeen. Ora, Olympia é tão chata quanto, e posso dizer orgulhosamente
que só estive no Smithfield [Café] cerca de cinco vezes neste ano. E assim,
por causa desse evento zoneando, pelo menos conseguimos um contrato
para um single com três músicas a ser lançado no final de agosto e um EP
em setembro ou outubro. Tentaremos convencê-los a fazer um LP. Agora
Jonathan é nosso empresário, consegue shows distantes para nós, no
Oregon e um Vancouver. Ele está pagando todos os custos de gravação e
distribuição e agora não precisamos ter contas telefônicas absurdas. Dave
está se saindo bem. Em algum momento do ano que vem, a Sup Pop fará
uma caravana de duas ou três bandas de Seattle para uma turnê. Isso
mesmo, veremos. Pelas nossas experiências passadas, você acha que seria
prudente exigir recibos para as despesas de gravação e prensagem? Mas
chega de discos. Ah, só que uma noite do Mês Passado, Chris e eu tomamos
um ácido e estávamos assistindo ao late Show (roubado de Johnny Carson) e
Paul Revere e os Raiders estavam lá. Eles estavam tão estúpidos! Dançando
de bigodes tentando parecer cômicos e patetas. Aquilo realmente nos encheu
o saco e eu perguntei a Chris: Você tem discos do Paul Revere e dos Raiders?
Mesmo nessa primeira fase de sua carreira, Kurt já havia
começado o processo de recontar sua própria história de uma maneira que
formava um eu distinto. Ele estava iniciando a criação de seu personagem
maior, o mítico "Kurdt Kobain", como passara a grafar seu nome. Ele
conjugaria esse fantasma cuidadosamente refinado quando precisasse se
distanciar de suas próprias ações ou circunstâncias. Ele exagerava cada
aspecto de um show que, por sua própria confissão, fracassara: a platéia era
pequena demais para que ali estivesse "um representante de cada banda de
Seattle"; os flashes das câmeras eram principalmente metafóricos, já que
Hansen apenas tirou umas duas fotos. Ao descrever os chefes da Sub Pop
chegando até ele, Kurt até tenta retratar como um participante involuntário
de seu próprio sucesso. Mas ele era um ator estreante nesse momento e
admite que pretendia "convencer [a Sub Pop] a gravar" um disco inteiro. Vale
notar que praticamente todas as expectativas comerciais que Kurt tinha em
relação á Sub Pop, pelo menos no curto prazo, não foram realizadas.
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