segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 10ª Parte


ILEGAL PARA O ROCK-AND-ROLL
Olympia, Washington,
Fevereiro de 1989- setembro de 1989
"Se isto é ilegal para o rock-and-roll, pode me jogar na cadeia."
Um verso que Kurt escreveu numa guitarra, em 15 de julho de 1989.
NA VÉSPERA DE SEU VIGÉSIMO SEGUNDO ANIVERSÁRIO, Kurt
escreveu uma carta para sua mãe dizendo: "É uma tarde chuvosa de
domingo e, como sempre, não há muita coisa a fazer e, por isso, pensei em
escrever uma cartinha. Na verdade, uma vez que todo dia é chuvoso e
devagar, ultimamente estou escrevendo muito. Espero que isto seja melhor
do que nada. Ou componho uma canção ou escrevo uma carta e estou
enjoado de compor, neste momento. Bem, amanhã é o 22º aniversário (e eu
ainda não sei soletrar)"
Ele não acabou a carta e nem enviou o fragmento.
Apesar do tédio manifestado na carta, a vida artística interior de
Kurt estava prosperando. Seu vigésimo segundo ano seria quase
inteiramente dedicado á criação — na forma de música ou de arte. Havia
muito ele desistira das aspirações de ser um artista comercial, mas, em certo
sentido, essa liberdade possibilitava que sua arte se desenvolvesse solta. Ele
não teve emprego durante a maior parte do ano de 1989, a menos que se
considere emprego a administração do Nirvana. Tracy se tornara sua
benfeitora, papel que ela assumiria durante a maior parte do
relacionamento.
Alguém que entrasse em seu apartamento em alguma tarde do ano
de 1989 provavelmente o encontraria com um pincel na mão como uma
guitarra. Mas, na verdade, ele não era tanto pintor quanto era um criador.
Como pincel, ele usava qualquer instrumento que tivesse diante de si e,
como tela, qualquer objeto plano que encontrasse. Ele não tinha condições
de comprar telas nem papel de qualidade e, por isso, muitas de suas obras
eram feitas no verso de velhos jogos de tabuleiro que encontrava em brechós.
Em lugar de tinta — que ele raramente conseguia — ele usava lápis, caneta,
carvão, pincel atômico, tinta spray e, ás vezes, até sangue. Certo dia, uma
vizinha, Army Moon, passou e teve a surpresa de ser saudada na porta por
Kurt portando o sorriso arreganhado de um cientista louco que
recentemente havia gerado sua primeira criatura. Ele havia acabado de
concluir uma pintura, contou-lhe, desta vez feita com tinta acrílica, mas com
um acréscimo especial, "meu ingrediente secreto". Ele contou a Amy que
adicionava esse ingrediente a cada uma das suas pinturas como o toque
final, o fait acompli, desde que ela fosse do seu gosto, o tempero secreto,
explicou ele, era seu sêmen. "Minha semente está nesta pintura", contou-lhe
ele, "Olhe, dá para você ver como brilha!", disse, gesticulando. Amy não
ousou perguntar que método Kurt usou para aplicar sua "Semente", mas ela
não notou nenhum pincel ou espátula na área.
Esse ritual incomum não impediu Amy de contratar Kurt para
criar uma pintura para ela: foi a única encomenda que ele aceitou em sua
vida. Ela descreveu um sonho e pediu-lhe que o retratasse. Ele aceitou a
tarefa e ela pagou dez dólares para os materiais. O quadro resultante foi
toscamente pintado, mas era tão evocativo de seu sonho que Amy mal podia
imaginar que Kurt o havia criado a partir de sua descrição. "É o meio da
noite", descreve Amy, "E há uma força sinistra em operação. No fundo,
árvores não muito bem definida, apenas sombras. No primeiro plano estão
os faróis de um carro e um veado recentemente abatido. Dá para ver o
hábito saindo do animal e o calor abandonando seu corpo. Há uma figura
feminina muito magra na frente, comendo a carne do animal que
provavelmente ainda não está morto. Sua pintura é exatamente como vi o
sonho."
A maioria das criações de Kurt era desconcertante, ás vezes até de
forma chocante. Muitas eram dos mesmos temas que ele explorara no curso
de artes do colegial, mas agora havia nelas uma força mais obscura. Ele
ainda pintava alienígenas e guitarras explodindo, mas seu caderno de
esboços também incluía paisagens de tipo Salvador Dali, com relógios
derretendo, partes pornográficas do corpo em criaturas sem cabeça e
ilustrações de membros amputados.
Cada vez mais, durante o ano de 1989, sua arte começou a
assumir qualidades tridimensionais. Ele corria muitos brechós de Olympia
toda semana, e qualquer coisa barata e bizarra provavelmente entraria em
uma de suas construções. No verso da capa de um disco do Iron Butterfly ele
pintou uma imagem do Batman, afixou uma Barbie nua com uma laçada em
volta do pescoço e o deu para Tracy como presente de aniversário. Ele
começou a colecionar bonecas, modelos de carros, lancheiras, velhos jogos
de tabuleiro "Alguns ele mantinha intactos, como seu adorado jogo do Evel
Knievel), miniaturas de personagens de brinquedos e outros objetos variados
encontrados a preço baixo. Esse objeto colecionáveis não eram acumulados
ou dispostos numa prateleira: podiam ser derretidos no quintal durante um
churrasco ou colados no verso de um tabuleiro de jogo. Tracy reclama que
não conseguia se virar sem deparar com o olhar de uma boneca sobre ela. O
apartamento inteiro começou a assumir o aspecto de um museu do Kitsch
de beira viro de estrada, mas um museu em constante estado de construção
e distribuição.
"Ele tinha esse lance de bagunça", lembra Krist. "Sua casa inteira
era uma bagunça e havia coisas por toda parte. No entanto, ele era um
artista sério e essa era uma das maneiras pelas quais ele se expressava: o
modo como ele filtrava o mundo. Isso acontecia de uma série de maneiras e
algumas delas eram mórbidas e distorcidas. De fato, toda a arte é decadente
e distorcida. Seu tema era bastante consistente. Tudo era simplesmente um
pouco confuso e escuro." Um dos caprichos favoritos de Kurt era a distorção
de órgão sexuais em figuras que ele desenhava. Corpos masculinos teriam
vaginas por cabeças, as mulheres poderiam ter pênis e também seio. Um
trabalho desse período mostra quatro mulheres nuas sentadas em volta de
um Satã descomunal, que exibe um gigantesco pênis ereto. Embora a
imagem seja desenhada a lápis as cabeças das mulheres são recortadas de
anúncios encontrados na revista Good Housekeeping. As figuras se tocam
em uma compacta cadeia humana: uma mulher está defecando: outra tem a
mão na vagina: uma terceira tem a mão no ânus da mulher seguinte e a
última mulher tem um bebê saindo de seu útero. Todas possuem chifres de
diabo e são desenhadas de modo tão realista que chegam a parecer obra da
cooperativa de artista da San Francisco dos anos 90.
A maioria dos trabalhos artísticos de Kurt jamais tinha título, mas
uma amostra particular desse período guardou um titulo em letras
cuidadosamente grafadas.
Desenhando em creiom preto sobre papel branco, o trabalho
mostra uma figura humana em garatuja, tendo por cabeça um enorme
Smiley ceifando sua perna esquerda com um machado. o título diz: "O Sr.
Sunshine Comete Suicídio". Embora Kurt se queixasse de tédio, 1989 foi um
dos períodos mais movimentados para a banda. Ao final de 1988, o Nirvana
havia feito apenas duas dúzias de shows ao longo dos dois anos de sua
história, sob vários nomes e usando quatro baterista diferentes (Burckhard,
Foster, Crover e Channing). No entanto, só em 1989 eles fariam cem
apresentações. A vida de Kurt se desviou para a rotina de um músico
trabalhador.
A primeira turnê em 1989 foi um vaivém na costa Oeste que os
trouxe a San Francisco, onde viram o cartaz do "Bleach Your Works". Na
época estavam em turnê com base em um single, uma proposta inédita,
considerando a matemática de sua possível base de fãns; com menos de mil
singles vendidos no mundo inteiro, a chance de uma platéia em San José,
por exemplo, ter ouvido falar deles e gostar deles o bastante para ir vê-los
era mais do que absurda. Algumas dessas primeiras apresentações atraiam
uma platéia efetiva de meia dúzia de pessoas, normalmente músicos
interessados na Sub Pop, já que o selo era um atrativo maior que a banda.
Dylan Carlson acompanhou a turnê e lembra da frustração de Kurt. "Era
meio que um fiasco", disse ele. "Havia muitos shows que eram cancelados."
A tomada era sempre puxada pelos proprietários dos clubes, já que a banda
estava disposta a tocar para o bartender e o porteiro. A maior platéia que o
Nirvana teve foi quando fez a abertura para o Living Color, uma banda de
rock mais tradicional com uma música de sucesso na Top 40, diante de
quatrocentas pessoas.
A platéia os odiou. Se houve um percalço entre os percalços nesta
primeira turnê, ele aconteceu em San Francisco. Ali a banda fez a abertura
para os Melvins no Covered Wagon, um encontro que Kurt havia muito
estava esperando. Mas quando descobriu que os Melvins não eram na
Califórnia uma atração maior do que haviam sido em Grays Harbor, sua fé
desmoronou. Com em todas as demais datas da turnê, eles batalharam para
conseguir dinheiro para gasolina, um lugar para cair no sono e comida.
Tracy havia acompanhado a banda até a Califórnia em seu carro, levando os
amigos Joe Preston e Amy Moon. Havia sete pessoas na entourage da banda
e mal tinham dinheiro para comprar uma tortilha.
Alguém na rua lhes falou sobre um lugar que servia sopa gratuita.
"Talvez fosse administrado pelos hare Krishnas: Kurt ficou realmente
arrepiado com aquilo", lembra , Amy. Enquanto todos os outros caiam de
boca na sopa, kurt apenas olhava desalento para sua tigela. "Ele nem
provou", disse Amy, "Finalmente se levantou e saiu. Aquilo o deprimia."
Comida de Hare Krishna, platéias de dez pessoas, mendicância de dinheiro
para gasolina, os Melvins como fracassos comerciais, telefonema para pedir
que tocassem seu próprio single — essas coisas representavam um nível de
degradação que Kurt não havia imaginado ou para o qual não estava
preparado. Naquela noite, as sete pessoas dormiram no cão do apartamento
conjugado de um amigo.
Voltaram para Seattle para apresentar um show mais bemsucedido
em 25 de fevereiro, na Universidade de Washington. Anunciando
com "Four bands for Four Bucks" ["Quatro bandas por Quatro Paus"], foi a
maior multidão do Nirvana até então, uma platéia de cerca de seiscentas
pessoas.
Estavam tocando com o Fluid, Skin Yard e o Girl Trouble, todos
grupos que naquele momento estavam melhores, mas foi durante a
apresentação do Nirvana que a platéia se agitou. As platéias de Seattle
haviam começado a slam-dance no final dos anos 80: isso acarretava uma
espécie de Twist violento e louco, normalmente realizado em frente ao palco
por uma massa rodopiante de adolescente. Quando a multidão era muito
grande, ondas de pessoas começavam a chocar-se entre si, como se um
furação tivesse se formado no interior da platéia. O som frenético do Nirvana
fazia a trilha sonora perfeita para o slam-dancing, já que nunca reduzia o
ritmo e raramente chegava a fazer uma pausa entre as músicas. Quando o fã
ocasionalmente subia no palco depois saltava de volta para á platéia —
chamado o mergulho de palco —, a dança ritualista era completa. Kurt
cantava e tocava tranqüilamente enquanto dezenas de garotos saltavam
sobre o palco, só para imediatamente mergulhar de volta á platéia. Às vezes
havia tantos garotos saltando do palco que parecia que Kurt estava em pé no
meio de algum tipo de instalação de treinamento aéreo para aspirantes a
pára-quedistas. Era bagunça organizada, mas era exatamente com isso que
Kurt havia sonhado: usar sua música para criar o caos. Muitas outras
bandas atraiam uma platéia slam-dancing parecida, mas poucos músicos
eram capazes de permanecer languidamente no meio dessa invasões de
palco como Kurt. Ele transmitia a sensação de que estava acostumado a
tocar enquanto a platéia tomava conta do palco: e em Seattle isso havia se
tornado tão lugar-comum que ele se acostumou.
Nesse dia, Kurt concedeu uma breve entrevista ao Daily, o jornal
estudantil da Universidade de Washington, na qual ele se referiu ao meio
artístico do Noroeste, chamando-o de "a última onda do rock" e "O rearranjo
final". Kurt disse ao escritor Phil West que a música da banda tinha um
"elemento sombrio, vingativo, baseado no ódio". Esse artigo foi a primeira
ocasião do que se tornaria um dos esportes favoritos de Kurt vomitar
mitologia para jornalistas ingênuos. "Em Aberdeen, eu odiava meus
melhores amigos com paixão, porque eles eram idiotas", anunciou Kurt.
"Muito desse ódio ainda está vazando" Kurt dava crédito a Tracy por
sustentá-lo, mas jurava que algum dia ele iria "viver da banda". Senão,
garantia ele, "simplesmente vou me retirar para o México ou Iugoslávia com
algumas centenas de dólares, plantar batatas e aprender a história do rock
com os números atrasados da revista Creem".
Naquela primavera a banda incorporou Jason Everman como um
segundo guitarrista, pela primeira vez tornando-os um grupo de quatro
integrantes.
Kurt queria que jason cobrisse partes da guitarra que ele achava
que não estavam fazendo justiça quando suas canções se tornavam mais
complicadas.
Jason já havia tocado em bandas anteriores com Chad e tinha
reputação de excelente guitarrista. Ele também havia caído nas graças da
banda por emprestar seiscentos dólares a Kurt, usado para pagar a conta da
gravação de Bleach. O empréstimo não tinha nenhuma condição anexa — na
verdade, ele jamais foi pago —, mas Kurt relacionou Jason na capa do disco
Bleach, ainda que este não tivesse tocado nas gravações.
Com Jason na formação, o Nirvana tocou na "Lamefest" da Sub
Pop no dia 9 de julho, no Moore Theater de Seattle. Eles faziam a abertura
para o Mudhoney e o Tad, os dois maiores grupos da Sub Pop, e o show
marcou o lançamento oficial de Bleach. O Nirvana tocou primeiro — sua
apresentação foi rotineira, exceto pelo fato de que Kurt embaraçou os
cabelos nas cordas de sua guitarra. o ponto alto da noite foi quando Kurt
presenciou os garotos fazendo fila para comprar Bleach.
Em meados de 1989, o cenário musical do noroeste começou a
despertar a atenção internacional, azeitada por iniciativas espertas de Pavitt
e Poneman, que estavam demonstrando que seu verdadeiro brilho não
estava tanto em administrar um selo quanto em comercializá-lo. Seu
conceito mesmo de chamar seu pacote anual de apresentação de "Lamefest"
[festival dos estropiados] era uma tacada de gênio: desarmava
imediatamente qualquer crítica possível, ao mesmo tempo que apelava aos
fãns de música insatisfeitos que trajavam camisetas onde se lia "Loser
[perdedor] (o selo vendeu dessas camisetas a mesma quantidade que vendeu
de discos. apesar da situação deficiente da conta bancária da Sub Pop, no
inicio de 1988 ela desembolsou dinheiro em passagens de avião para que
alguns críticos ingleses de Rock passassem um feriado em Seattle. Foi
dinheiro bem empregado: em poucas semanas, as bandas da Sub Pop
estavam nos semanários de música da Inglaterra e bandas como Mudhoney
eram estrelas do movimento "Grunge", pelo menos na Inglaterra. O termo
servia para descrever o Punk alto e distorcido, mas logo foi empregado para
classificar praticamente toda banda do Noroeste, mesmo aquelas como o
Nirvana, que na verdade eram mais Pop. Kurt detestava o termo, mas a
máquina publicitária havia começado a funcionar para valer e o cenário do
noroeste cresceu. Embora houvesse poucos lugares para se tocar em Seattle,
cada show se tornava um acontecimento e as multidões começaram a
crescer exponencialmente.
Anos depois, refletindo sobre a causa da explosão do cenário ter
acontecido naquela época, Kurt especulava em seu diário: "Muito exagero
bajulador por parte de múltiplos jornalistas ingleses especializados [...]
catapultaram o regime da Sub Pop á fama (Pasta acrescentar água ou
exagero0 instantânea". O Nirvana normalmente era mencionado na primeira
onda da imprensa de 1989, mas na maioria dos artigos — como em um na
onda da imprensa de 1989, intitulado "Seattle: Rock City" ["Seattle cidade do
Rock"] — o grupo era relegado a um minúsculo boxe lateral como azarão.
Quando Kurt leu as primeiras menções da imprensa inglesa, provavelmente
ficou muito chocado em ver a especulação de Everett True sobre o que os
membros da banda estariam fazendo se não estivessem fazendo isto,
estariam falando de quatro sujeitos [...] que, se não estivessem fazendo isto,
estariam trabalhando num supermercado ou numa madeireira ou
consertando carros".
Duas das três profissões listadas eram empregos em que o pai de
Kurt havia trabalhado: a terceira era o antigo emprego de Buzz. Bleach teve
muito a ver com o Nirvana ter saído da sombra de seus contemporâneos. Era
um disco inconsistente, incluindo canções que Kurt havia escrito quatro
anos antes, logo depois de "About a Girl", mas tinha lampejos de inspiração.
Em faixas lamacentas como "Sifting", a progressão dos acordes era crua,
enquanto a letra concreta — quando podia ser ouvida — era esperta e
inteligente. Quando a The Rocket resenhou o disco, Gillian Gaar destacou as
diferentes direções que a banda estava seguindo: "O Nirvana derrapa de uma
extremidade do espectro thrash para a outra, endossando o grunge de
garagem, o barulho alternativo e o metal estridente sem jurar lealdade a
nenhum deles".
Em seu diário na época do lançamento, Kurt manifestava
impressões similares; "Minhas letras são uma grande pilha de contradições.
Elas são cindidas ao meio entre opiniões e sentimentos muito sinceros que
tenho e refutações sarcásticas, promissoras e bem-humoradas em relação ao
clichê, aos ideais boêmicos que têm se exaurido durante anos. Eu pretendo
ser apaixonado e sincero, mas também gosto de me divertir e agir como um
idiota".
Kurt descrevia Bleach acuradamente como uma mistura de
sentimentos sincero e clichê, mas havia o bastante de cada um para
conseguir que ela fosse tocada em emissoras de rádio universitárias
divergentes. A banda havia usado uma das fotos tiradas por Tracy para a
capa, impressa como uma imagem invertida em negativo, e a aparência era
adequada para o extremo contraste entre as canções obscuras e as melodias
Pop. O dualismo de Kurt foi fundamental para o sucesso da banda: havia
canções que soavam diferentes o bastante para que as emissoras pudessem
tocar diversas faixas sem esgotar a banda. o disco decolou lentamente, mas,
a seu tempo, canções como "Blew", "School", "Floyd the barber" e "Love Buzz"
se tornaram correntes nas emissoras de rádio universitárias de todo o pais.
A banda ainda tinha um longo caminho a percorrer. Na véspera do
"Lamefest", o grupo entrou como substituição de última hora ao Cat Butt,
para uma apresentação em Portland. Rob Kader também estava no grupo,
um fã de dezoito anos de idade que presenciara a canção-tema de The Brady
Bunch durante a viagem na van. Mas, quando chegaram para a
apresentação, apenas doze pessoas haviam adquirido ingressos, todas elas
fãns do Cat Butt. Kurt tomou uma decisão de última hora de abrir mão da
lista de música e anunciou para Kader: "Só vamos pedir a você, ao final de
cada música, que diga qual deseja ouvir e então a tocaremos". A medida que
cada música terminava, Kurt e então a tocaremos". à medida que cada
música terminava, Kurt andava até a beirada do palco e apontava para
Kader, que gritava o próximo número. Ao contrário de Kader — que se sentia
glorioso —, o resto da platéia dava uma resposta fria para banda, exceto em
uma canção —, o resto da platéia dava uma resposta fria á banda, exceto em
uma canção do Kiss, "Do You Love Me?", que o Nirvana havia gravado
recentemente para um disco de covers e que Kader sabiamente solicitou.
No final de julho de 1989, a banda carregou a van Dogne de Krist
para sua primeira turnê importante, uma excursão programada para dois
meses que o levaria a atravessar os Estados Unidos. Kader e um grupo de
amigos organizaram para eles um bota-fora. Kader trouxe uma caixa de
duas dúzias de Mountain Dew como presente de despedida, bebida preferida
por eles por causa da cafeína estimulantes. Eles haviam enchido a van com
as novas camisetas da banda, que diziam: "Nirvana: Fugde Packin', Crack
Smokin', Satan Worshipin' Motherfuckers" ["Nirvana: Os Safados da
cobertura de Chocolate, do Crack e do Culto a Satã"]. Krist e Shelli haviam
acabado de fazer as pazes e a separação foi lacrimosa. E mesmo Kurt estava
um pouco dividido quanto a deixar tracy; seria o tempo mais longo que
estariam separados desde que começaram a namorar. não tinham
empresário e, por isso, Krist começara a assumir mais o trabalho de
agendamento e a van era domínio exclusivo seu, governada por conjunto
rígido de regras. Uma instrução estava afixada dentro da van: "Proibido o
uso de quaisquer serviços de gasolina além do da Exxon — sem exceções".
Para economizar dinheiro, o ar-condicionado não poderia ser ligado e
ninguém tinha permissão para dirigir a mais de 110 Km/h. Nesta primeira
excursão, dividiram a direção, mas Kurt raramente entrava no rodízio: seus
parceiros de banda achavam que ele dirigia muito devagar. "Ele dirigia como
uma velhinha", lembra Tracy. Era apenas uma das muitas contradições no
caráter de Kurt: ele podia se dispor a respirar os gases de uma lata de Edge
Shaving Gel, mas não a se envolver em um acidente de carro.
O primeiro show foi em San Francisco, onde se viram tocando para
uma platéia pequena, mas boa o suficiente para não precisar da sopa de
graça. Apesar de agora estarem excursionando escorados por um disco, a
distribuição da Sub Pop era tão ruim que eles raramente encontravam seu
disco á venda. Quando fizeram uma sessão de autógrafos na loja Rhino
Records em Los Angeles dois dias depois, o estabelecimento tinha apenas
cinco exemplares do disco em estoque. Em Los Angeles, foram entrevistados
pelo fanzine Fli-side e, ainda que o nome de Kurt estivesse grafado como
"Kirk" no impresso, eles acharam que a matéria lhes dava credibilidade
punk. No artigo, o autor perguntava a Kurt sobre drogas e este respondeu,
soando diretamente moderado: "Acho que cheguei ao fim do que eu tinha a
fazer, no que diz respeito a ácido, maconha etecétera e tal. Cheguei ao
máximo nesse lance. Depois que você passa da experiência de aprendizado,
entra no declive. Nunca tomei drogas como fuga, sempre tomei drogas para
aprender".
À medida que rumaram para leste na direção do Meio-Oeste e do
texas, tocavam para platéias progressivamente menores — algumas até de
doze pessoas —,principalmente músicos que viriam qualquer banda.
"Avaliávamos nossos shows não tanto pelo número de pessoas que estavam
lá", lembra Chad, "mas sim pelo que as pessoas diziam. E muita gente dizia
que gostava de nós." Eles estavam melhorando como show ao vivo,
conquistando platéias que não os conheciam. Como o Velvet Underground
anteriormente, logo descobriam que uma platéia de mil músicos é mais
poderosa do que 10 mil fãns casuais. Quando possível, entravam em contato
com outras banda punk que conheciam para dormir no chão de suas casas,
e essas relações pessoais eram tão importantes para melhorar seu ânimo
quanto os próprios shows. Em Denver, ficaram com John Robinson do Fluid,
que logo percebeu timidez em Kurt. "Todos ficavam na cozinha comendo,
contentes por dispor de uma comida caseira", disse Robinson. "Perguntei a
Krist onde estava Kurt. Ele disse: 'Ah, não se preocupe com ele; ele está
sempre fora em algum lugar'. Minha casa não era tão grande assim, por isso
sai procurando por ele e o encontrei no quarto de minha filha com as luzes
apagadas, olhando para o vazio." Ao passear de carro por Chicago, Kurt
comprou um enorme crucifixo em um venda de garagem — provavelmente o
primeiro artigo religioso que ele não roubou. Ele estendia o crucifixo para
fora da janela da van, agitava-o para os pedestres, depois tirava uma foto de
suas expressões enquanto o carro se afastava. Sempre que Kurt estava no
banco do passageiro na frente da van, ele segurava o crucifixo na mão como
se fosse alguma arma que ele poderia precisar de repente.
Muitas noites a banda dormia na van ou acampava ao lado da
estrada e, por isso, a solidão era rara. Eles tinham dificuldades para
arranjar dinheiro suficiente para gasolina e comida: desse modo, nem pensar
em ficar num hotel.
Só conseguiam comprar gasolina quando vendiam camisetas
suficientes — as camisetas "Fudge-Packin" salvaram a excursão. Uma noite
chegaram tarde em Washington, D.C, e encostaram a van atrás de um posto
de gasolina, na intenção de passar a noite. Estava muito quente para dormir
na van e por isso todos dormiram do lado de fora, no que eles pensaram
fosse uma faixa de grama em um bairro residencial. Na manhã seguinte,
descobriram que havia acampado no canteiro central da estrada.
"Normalmente tínhamos de escolher entre comprar comida ou gasolina, e
optávamos pela gasolina", lembra Jason. "Quase todos nós lidávamos bem
com isso, mas Kurt odiava. Ele parecia ter uma constituição frágil — ficava
doente facilmente. E quando ficava doente, deixava todos na pior." A
condição estomacal de Kurt se desencadeou na estrada, talvez por comer
irregularmente, além de parecer apanhar resfriados constantemente, mesmo
no verão. Seus problemas de saúde não se deviam a falta de cuidado:
durante o ano de 1989, ele era o membro da banda com mais consciência de
saúde, bebendo pouco e nem mesmo deixando seus parceiros fumarem perto
dele por recear perder as faculdades vocais.
Quando a banda chegou a Jamaica Plain, Massachusetts,
hospedaram-se na casa da fotógrafa J.J Gonson e seu namorado Sluggo, da
banda Hullabaloo. O show da banda naquela noite na Green Street Station
foi uma das poucas vezes que Kurt se apresentou sem guitarra — ele
quebrava seu instrumento na noite anterior. Estava nervoso por causa disso,
tinha tanta dor de estômago que chegou a beber Quik de morango para
acalmar a inflamação, e estava com saudade de casa. Ligou para tracy
depois do show e lhe contou que queria voltar para casa. na manhã
seguinte, Gonson tirou uma foto da banda dormindo no chão de sua casa:
eles dividiram um único colchão e Kurt e Krist se aconchegaram durante a
noite como dois cachorrinhos.
Sluggo tinha uma guitarra quebrada na parede e Kurt perguntouse
podia ficar com ela. "O braço não está nem rompido, eu posso consertála",
observou Kurt. Ele deu em troca a Sluggo uma velha guitarra Mustang,
autografando-a primeiro: "Ei, Sluggo, obrigado pela troca. Se for ilegal para o
rock-and-roll, pode me jogar na cadeia". Ele assinou "Nirvana", achando que
seu autógrafo pessoal não valesse nada.
Mais tarde, naquele dia, Kurt emendou a nova guitarra como
Frankenstein, bem a tempo para a próxima apresentação, que também
parecia saída de um conto de horror. Eles tinham combinado tocar numa
festa num grêmio estudantil do MIT porque pagavam melhor que os shows
em clubes. Antes do show, Kurt deitou-se numa mesa de bilhar e gritava e
esperneava como um menino de dois anos fazendo birra; "Eu não vou tocar"
Isso é estúpido. Somos melhores do que isso. Estamos perdendo nosso
tempo". Seu ataque só diminuiu quando Krist lhe disse que sem a
apresentação não teriam dinheiro suficiente para a gasolina para voltar para
casa. Como se para irritar a platéia, a banda apresentou um show frenético,
embora Krist desmontasse uma placa que escrevia o nome do grêmio com
ossos, jogando os ossos para a platéia.
Os estudantes insistiram para que Krist pedisse desculpas e
consertasse a placa. Novoselic não era do tipo que fugia de uma briga,
mesmo quando estava em desvantagem, mas ele agarrou timidamente o
microfone, pediu desculpas e solicitou que devolvessem os ossos. A platéia
acabou adorando o show. Foi também em Massachusetts que se manifestou
o primeiro conflito aberto entre jason e Kurt. Jason havia cometido o erro de
levar uma garota para casa após a apresentação, algo considerado de mau
gosto pelo resto da banda. Tanto Kurt como Krist tinham posturas
surpreendentemente antiquadas a respeito de fidelidade e tietes. Eles
consideravam suspeito um músico que tivesse numa banda em função das
garotas — uma categoria ampla, mas que não incluía Jason.
Na verdade, Kurt e Jason sabidamente jamais haviam se dado bem
porque, em diversos sentidos, os dois eram muito parecidos. Ambos tinham
a tendência a se isolar e ficar remoendo sozinho, e cada um se sentia
ameaçado pela solidão do outro. Jason. Jason tinha cabelo comprido e
encaracolado, que ficava agitando enquanto tocava e Kurt disse que achava
isso irritante, embora fizesse os mesmos movimentos de cabeça. Como
Foster antes dele, Jason representava uma parte de Kurt que o cantor não
queria ver refletida. Embora Kurt compusesse todas as músicas e se
queixasse dessa pressão, nunca permitia que os outros membros da banda
contribuíssem. "Ele não queria abrir mão de nenhum controle. Todos sabiam
que era "o show de Kurt", observou Chad. Kurt pediu a Jason que criasse
novos solos de Guitarra, mas quando fez conforme solicitado, Kurt agiu
como se ele tivesse usurpado seu papel. Em vez de conversarem a respeito,
ou até de gritarem um com o outro, ambos se puseram carrancudos e
indiferentes. Como em muitos conflitos em sua vida, Kurt trouxe o lado
profissional para o lado pessoal e uma espécie de briga de família começou.
Em Nova York, a banda apresentou um show no Pyramid Club,
como parte do New Music Seminar. Era a apresentação de mais alto nível até
então, diante de um público da industria que incluía o Sonic Youth, ídolo de
Kurt. No entanto, o desempenho ficou comprometido quando um bêbado
subiu ao palco, gritando no microfone e derrubando o equipamento da
banda. Jason jogou o sujeito para fora do palco e saltou para a platéia para
escorraçá-lo.
No dia seguinte, Kurt decidiu demitir Jason. Eles estavam
hospedados no apartamento Alphabet City de Janet Billig, que era conhecido
como Motel 6 do punk rock da cidade de Nova York. Jason e Chad tinham
saído para passear mas Kurt e Krist usaram o dinheiro que lhes restava para
comprar cocaína, quebrando a sobriedade de Kurt ao longo de toda a
excursão. Kurt decidiu que Jason estava fora da banda, embora, como típico
de seu estilo não confrontador, não anunciasse isto a ninguém além de
Krist. Ele simplesmente disse aos outros integrantes que a excursão estava
encerrada e que eles cancelou o equivalente a duas semanas de
apresentações — era a primeira vez que eles estavam desistindo de um
show. A viagem de van para casa foi infernal. "Ninguém disse uma palavra
durante todo o percurso", lembra Jason. "Dirigimos sem escalas, só parando
para abastecer o carro". Conseguiram voltar de Nova York para Seattle, um
percurso de quase 5 mil quilômetros, em menos de três dias. Kurt jamais
disse a Jason que ele estava demitido — apenas não o chamou mais.
Kurt teve um encontro caloroso com Tracy. Disse a ela que sentiu
sua falta mais do que imaginava e, embora não fosse do tipo que falasse
sobre seus sentimentos,
Tracy era uma das poucas pessoas a quem ele se revelava. Naquele
mês de agosto, Kurt escreveu uma carta para Jesse Reed e se gabou da
grande namorada que ela era: "Minha namorada agora tem uma Toyota
Tercel 88 novinha, um microondas, um processador de alimentos, um
misturador e uma máquina de café expresso. Sou um vagabundo totalmente
paparicado e mimado". Para Kurt, o Tercel parecia um carro de luxo.
Com o regresso de Kurt, a sensação de namoro voltou a seu
relacionamento, embora, depois de morar sozinho por quase dois meses,
Tracy não es estivesse muito ansiosa pela rabugice de Kurt. Ela achava que
o minúsculo apartamento conjugado havia se tornado pequeno para eles,
particularmente com o hábito de colecionador de Kurt. No começo de agosto
ela lhe escreveu um bilhete que dizia; "Não vou ficar aqui no INFERNO DE
MOFO depois do dia 15. Está uma nojeira". Ainda que fosse o meio do verão
no noroeste, o apartamento estava infestado de mofo.
Era surpreendente que ninguém tivesse notado o mofo, já que, com
todos aqueles animais, o apartamento havia incorporado o cheiro de "Um
laboratório de vivissecção", conforme Damon Romero. Havia tartarugas,
ratos e gatos, mas o odor mais forte vinha do coelho. Stew era uma fêmea e
servia como substituta de bebê para Kurt e Tracy, mimada como uma filha
única. Stew freqüentemente conseguia escapar de sua gaiola, o que sempre
os levava a fixar um aviso, advertindo as visitas de que elas poderiam estar
pisando em fezes de coelho. Certo dia, no começo de agosto, Kurt estava ao
telefone com Michelle Vlasimsky, empresária que eles haviam contratado
para ajudar a reprogramar seus compromissos cancelados, quando o
telefone ficou mudo. Kurt ligou para ela de volta um minuto depois e
explicou: "O coelho desplugou o telefone". Ele brincava que o apelido do
apartamento era "a Granja". Poucas semanas depois, "Slim" Moon viu Kurt
correndo freneticamente para colocar as gaiolas de seus bichos para fora do
apartamento. "Eu estava descongelando a geladeira com uma faca e acabei
fazendo um furo nela e não queria que o fréon matasse os animais", explicou
ele.
Quando vagou um apartamento de um quarto no mesmo prédio,
mudaram para lá o museu Cobain itinerante. Custava cinqüenta dólares a
mais por mês, mas era maior e colado á garagem do prédio, que Kurt
ocupou. havia uma bancada que ele utilizava para consertar as guitarras já
quebradas e para cortar mais braços de madeira para guitarras que ele
ainda iria quebrar. No prazo de uma semana, a garagem estava cheia de
amplificadores, caixas de alto-falante destroçadas e outros restos da
excursão do Nirvana. No meio de agosto, Kurt fez sua primeira tentativa de
procurar ajuda médica para seu problema estomacal e para aconselhar-se
sobre ganho de peso. Sua magreza se tornara uma obsessão, a ponto de ele
ter comprado muitos remédios anunciados na televisão e experimentado
todos sem sucesso. Consultou um especialista no Centro Médico St. Joseph
de Tacoma, na Clinica de Distúrbios da Alimentação, mas apesar de
inúmeros testes, nenhuma causa física foi detectada para sua dor de
estômago.
Kurt ia posteriormente consultar outro médico naquele verão, mas
tracy o encontrou em casa dez minutos depois da consulta. A explicação de
Kurt: "Eles queriam tirar sangue e eu detesto agulhas, por isso sai". Tracy
lembra que ele tinha "um medo terrível de agulhas". Seu problema estomacal
vinha e desaparecia e muitas vezes ele vomitava a noite inteira. Tracy estava
convencida de que era sua dieta, que, a despeito do conselho de seu médico,
consistia em alimentos gordurosos e fritos. A opinião de Tracy era
compartilhada na época por Krist e Chad, que estavam sempre insistindo
com Kurt para que ele comesse verdura, categoria que ele evitava
totalmente. "Eu não vou comer nada verde". anunciava ele.
Na primeira semana de agosto, a banda entrou no Music Source
Studio com o produtor Steve Fisk para gravar um EP para promover uma
turnê pela Europa, marcada para breve. As sessões duraram dois dias e a
banda já se recuperara da perda de Jason, ainda que o equipamento
estivesse um pouco pior pelo desgaste da excursão. "Eles tinham aquela
grande bateria North" lembra Fisk, "e o tambor de pedal estava amarrado
com dois rolos de fita isolante porque havia sido golpeado com muita
freqüência. Eles brincavam que era o "Tambor Liberty Bell".
Eles gravaram cinco composições novas de Cobain: "Been a Son",
"Stain", "Even in His Youth", "Polly" e "Token Eastern Song". A qualidade
dessas canções representava um enorme salto adiante no desenvolvimento
de Kurt como autor.
Muitas de suas primeiras melodias haviam sido ladainhas
unidimensionais — normalmente discursos sobre a situação lamentável da
sociedade —, e uma canção como "Polly" trazia Kurt elaborando uma história
de fundo emocional com base em um recorte de jornal. A canção,
originalmente intitulada "Hitchhiker" ["Caroneira"], tem suas raízes num
incidente real de 1987, quando uma jovem foi raptada, brutalmente
estuprada e torturada com um maçarico de solda. A canção é escrita,
surpreendentemente, da perspectiva e na voz do criminoso. Kurt conseguiu
captar o horror do estupro ("deixa eu cortar sua asas imundas"), embora, ao
mesmo tempo, destacasse sutilmente a humanidade do agressor ("ela só está
tão entediada quanto eu"). Sua força literária consistia na preocupação com
o diálogo interno, de modo muito semelhante ao que Truman Capote
encontrou quando buscou uma medida de empatia em relação aos
assassinos em seu livro A sangue frio. O tema da canção está em contraste
marcante com a melodia, que, como "About a Girl", é terna, lenta e melódica,
quase como se pretendesse desarmar a platéia, e o resultado é que o ouvinte
canta inadvertidamente uma melodia agradável sobre um crime horrendo.
Kurt encerra a canção com um verso que poderia ficar como epitáfio pra o
estuprador, para a vitima ou para si mesmo; "It amazes me, the will of
instinct" ["Me espanta, a vontade do instinto"]. Anos mais tarde, depois de
ver pela primeira vez o Nirvana em concerto, Bob Dylan classificou "Polly
como a canção mais corajosa de Kurt em todo o catálogo do Nirvana e aquela
que o inspirou a comentar sobre ele: "O garoto tem coragem".
As outras músicas gravadas na sessão eram igualmente
marcantes. "Been a Son" é uma canção sobre como Don Cobain teria
preferido que a irmã de Kurt fosse menino. Tanto "Even in His Youth" como
"Stain" são também autobiográficas sobre Don, abordando os sentimentos de
rejeição de Kurt. Em "Even in His Youth", Kurt fala de como "Daddy was
ashamed he was nothing" ["Papai tinha vergonha de não ser nada"], ao passo
que em "Stain" Kurt tem "sangue ruim e é "uma mancha" na família. "Token
Eastern Song" era a única descartável — é sobre o bloqueio do autor,
essencialmente uma versão cantada da carta de aniversário que ele havia
escrito para sua mãe e que não enviou.
Essas canções também eram as composições musicais mais
complexas de Kurt até então, com frases recheadas e variadas. "Queremos
um grande som de rock", disse Kurt a Fisk, e eles conseguiram isso. quando
ouviram a fita gravada, Kurt anunciou, animado: "Estamos num grande
estúdio e temos um grande som de bateria Top 40". Para comemorar, a
banda perguntou se poderia saltar sobre as mesas. "A fita parecia mesmo
dessa altura, significativa de alguma forma, e digna de comemoração",
lembra Fisk. Ele se uniu a Kurt, Krist e Chad quando eles subiram nas
mesas e pularam de alegria.
Mais tarde, naquele mês de agosto, Kurt formou uma ramificação
da banda com Mark Lanegan, do Screaming Trees, Krist no baixo e o
baterista Mark Pickerel do Trees na bateria. Kurt e Lanegan vinham
compondo canções em parceria durante vários meses, embora a maior parte
do tempo que passavam juntos fosse gasta falando sobre seu amor pelo
LeadBelly. A banda ensaiou diversas vezes num espaço de Seattle que o
Nirvana havia alugado em cima da estação de ônibus Continental TrailWays.
"Nosso primeiro ensaio deve ter sido exclusivamente dedicado ao LeadBelly",
lembra pickerel. "mark e Kurt trouxeram fitas do LeadBelly e nós as ouvimos
num pequeno sistema de som." Kurt e Krist queriam chamar a nova banda
de "Lithium", embora Pickerel sugerisse "The Jury", nome que acabaram
escolhendo.
Mas quando o grupo entrou no estúdio no dia 20 de agosto, com
Endino na produção, o projeto gorou. "Foi como se Mark e Kurt tivessem
muito respeito entre si para um dizer ao outro o que fazer, ou mesmo dar
sugestões sobre o que deveriam fazer", Disse pickerel. "Nenhum dos dois
queria assumir a posição quem deveria cantar qual canção. Por fim,
gravaram "Ain't It a Shame", "Gray Goose" e "Where Did You Sleep Last
Night?", todas canções do Lead Belly, mas não chegaram a concluir um
disco. Kurt ficou entretido com outro projeto não-Nirvana; fez uma viagem
curta a Portland para tocar com a banda Earth de Dylan Carlson para uma
sessão de gravação em estúdio.
O Nirvana Tinha de voltar á estrada e cumprir duas semanas de
apresentações no meio-Oeste. Nessa excursão, para grande espanto do
grupo, as platéias eram um pouco maiores e mais entusiastas. Bleach havia
começado a ir ao ar nas rádios universitárias e, em alguns shows, eles
atraíram até duzentos fãs que pareciam conhecer as canções. Venderam
muitas camisetas e de fato ganharam dinheiro pela primeira vez em sua
história. Quando voltaram a Seattle, computaram sua receita contra suas
despesas e foram para casa com algumas centenas de dólares. Kurt estava
admirado, mostrando seus ganhos para tracy como se trezentos dólares
compensassem os anos de apoio financeiro que ela lhe dera.
A Sub Pop planejava a primeira excursão do Nirvana á Europa
para aquele verão. Bleach havia sido lançado no Reino Unido e recebido
brilhantes resenhas. Kurt jamais havia viajado para o exterior e estava
convencido de que a banda seria maior na Europa. Prometeu a tracy que
voltaria para casa com milhares de dólares e que lhe enviaria postais de todo
pais que ele visitasse.

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