domingo, 16 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 5ª Parte



A VONTADE DO INSTINTO

Aberdeen, Washington
Abril de 1984 - Setembro de 1986

It Amazes Me, The Will of Instinct.
[Me espanta, a vontade do instinto.]
Letra de "Polly", 1989.

NO COMEÇO DAQUELA MANHÃ DE DOMINGO, Kurt andou pelas
ruas de Aberdeen aspirando o cheiro do sexo dela em seus dedos. Para uma
pessoa obcecada com cheiros, era uma experiência inebriante. Para reviver o
ato, tudo o que ele precisava fazer era esfregar os dedos na forquilha de suas
próprias pernas e, quando os cheirava, o cheiro dela ainda estava ali. Sua
mente já estava esquecendo o fato de que sua iniciação sexual fora uma
quase catástrofe e, ao contrário, em sua memória, ele a estava convertendo
em triunfo. As circunstâncias concretas não importavam — sexo malfeito ou
não, ele não era mais virgem. Sendo, no fundo, romântico, também supunha
que este primeiro encontro sexual era apenas o começo de sua experiência
sexual adulta; um bálsamo com o qual ele poderia contar, como a cerveja ou
a maconha para ajudá-lo a escapar de sua sorte. No caminho para o
Weatherwax, roubou uma flor de um jardim. Jackie viu Kurt dirigindo-se
timidamente para o fumódromo do lado de fora do colégio com aquela rosa
vermelha na mão — pensou que fosse para ela, mas Kurt a entregou para a
garota com quem dormira, que não se impressionou. o que Kurt não
conseguia entender era que Jackie é quem tinha paixão por ele. A outra
garota, por sua vez, estava embaraçada por sua imprudência e mais
embaraçada ainda pela flor. Foi uma aula dolorosa e, para alguém sensível
como Kurt, confundiu ainda sua necessidade de amor com as complicações
da sexualidade adulta.
Depois da escola, havia preocupações mais imediatas, a primeira
delas a de encontrar um lugar para morar. Buzz o levou de carro para
apanhar suas coisas.
Como Kurt corretamente suspeitava, essa desavença com a mãe
era diferente das outras — quando chegou em casa, ela ainda estava em
fúria. "A mãe dele só ficou aporrinhando o tempo todo, dizendo-lhe o
absoluto panaca que ele era", lembra Osborne. "Ele só ficava dizendo: "Tá
legal, mãe. Tá legal", Ela deixou claro que nem queria vê-lo na casa"
Enquanto juntava sua preciosa guitarra e o amplificador, colocando suas
roupas numa série de sacos de lixo, Kurt começou seu último vôo físico e
emocional para fora da sua família. Tinha havido outros vôos e seu hábito de
bater em retirada começou logo depois do divórcio, mas a maioria desses
passos fora ele quem dera. Desta vez, estava indefeso e com um temor muito
real sobre como poderia cuidar de si mesmo. Estava com dezessete anos, no
começo do colegial, mas faltando á maioria das aulas. Jamais tivera um
emprego, não tinha dinheiro e tudo o que tinha estava em quatro sacos de
lixo.
Ele tinha certeza de que estava partindo, mas sem a menor idéia
de para onde estava indo.
Se o divórcio tinha sido sua primeira traição e o novo casamento
do pai a segunda, esse terceiro abandono seria igualmente significativo.
Wendy estava farta dele. Ela se queixava para suas irmãs que "não sabia
mais o que fazer com Kurt". As brigas entre os dois estavam exacerbando
seus conflitos com Pat, com quem estava pretendendo se casar, e ela não
podia se permitir perder esse relacionamento, no mínimo por razões
econômicos. Kurt sentia, talvez com razão, que mais uma vez um dos pais
estava escolhendo um novo parceiro contra ele. Era uma marginalização que
sempre o acompanharia: associada a suas primeiras feridas emocionais, a
experiência de ser rejeitado seria algo a que ele repetidamente retornaria,
jamais conseguindo se libertar inteiramente do trauma. Ela ficaria ali, logo
abaixo da superfície, uma dor que cobriria o resto de sua vida com o medo
da carência. Jamais poderia haver dinheiro suficiente, atenção suficiente ou
— o mais importante — amor suficiente, porque ele sabia com que rapidez
este podia desaparecer completamente.
Sete anos mais tarde, ele comporia uma canção sobre esse período
e lhe daria o titulo "Something In The Way" [Alguma coisa atrapalhando"] .
Essa "alguma coisa" não era explicada pela letra enviesada, mas quase não
havia dúvida de que era ele que estava atrapalhando. A canção sugere que o
cantor está morando debaixo de uma ponte. Quando lhe pediam para
esclarecer, Kurt sempre contava uma história de ter sido chutado para fora
de casa, abandonado a escola e morado debaixo da ponte da rua Young.
Esta acabaria se tornando uma das pedras de toque de sua biografia
cultural, uma de sus peças mais poderosas de mitificação, a parte da
história de Kurt fadada a figurar em qualquer descrição de sua vida em um
único parágrafo; Este garoto era tão indesejado que morava debaixo da
ponte.
Era uma imagem forte e carregada, tornada ainda mais veemente
quando o Nirvana ficou famoso e começaram a surgir fotos nas revistas
mostrando o lado de baixo da ponte da rua Young, sendo o seu caráter de
local fétido aparente até nas fotos. Era um lugar onde viveria alguma coisa
como um duende mitológico gigante, não uma criança. A ponte ficava a
apenas duas quadras da casa de sua mãe, uma distância que, segundo
Kurt, nenhuma quantidade de amor poderia atravessar.
A história de "Morar debaixo da ponte", porém, tal como a das
"armas em troca de guitarras", foi em grande parte embelezada por Kurt no
relato. "Ele nunca morou debaixo daquela ponte", insistiu Krist Novoselic,
que conheceu Kurt na escola naquele ano. "Ele vagava por ali, mas é
impossível morar naquelas margens lamacentas, com as ondas subindo e
descendo.
Isso era seu próprio revisionismo. "Sua irmã faz coro á mesma
opinião: "Ele jamais morou debaixo da ponte. Era um ponto de encontro
onde todos os meninos do bairro iam fumar maconha, mas só isso". E se
houvesse alguma ponte em Aberdeen, sob a qual Kurt teria passado uma
única noite, os moradores afirmam que teria sido a ponte da rua Sixth, um
espaço muito maior a cerca de um quilômetro dali, sobre uma pequena
garganta e preferida pelos sem-teto de Aberdeen. Mesmo essa hipótese é
difícil de imaginar, porque Kurt era um grande lamuriento: poucos
lamurientos poderiam sobreviver ao ar livre na primavera de aberdeen, onde
o clima quase não permite um dia sem chuva de montão. A história da
ponte, porém, é importante, no mínimo porque Kurt a contou enfaticamente
muitas vezes. Em certo momento, ele mesmo deve ter começado a acreditar
nela.
A verdadeira história de onde ele passou seus dias e noites durante
esse período é mais pungente ainda do que a versão dos acontecimentos
dada por Kurt. Sua jornada começou na varanda de Dale Crover, onde ele
dormia numa caixa de geladeira, enrolado como um gatinho. Quando não foi
mais bem-vindo ali, a criatividade e a astúcia não o abandonaram: havia
muitos prédios velhos de apartamentos em Aberdeen com aquecimento
central nos corredores e era para lá que ele se retirava na maioria das noites.
Entrava furtivamente tarde da noite, encontrava um corredor espaçoso,
desatarraxava a lâmpada do teto, esticava seu acolchoado, ia dormir mas se
certificava de acordar antes que os moradores começassem seu dia. Foi uma
vida que encontrou seu melhor resumo num verso de uma canção que ele
comporia alguns anos depois" "Me espanta, a vontade do instinto". Suas
habilidades instintivas de sobrevivência o ajudavam bastante e sua vontade
era forte.
Quando tudo o mais falhava, Kurt e outro garoto chamado Paul
White subiam o morro até o Hospital comunitário de Grays Harbor. Ali eles
dormiam na sala de espera. Kurt, o mais ousado dos dois, ou talvez o mais
desesperado, descaradamente entrava na fila da lanchonete do hospital, e
encomendava comida para números de quartos inventados. "Havia um
televisor na sala de espera e podíamos ficar assistindo o dia inteiro", lembrou
White. "As pessoas sempre pensavam que estávamos esperando um paciente
que estava doente ou morrendo e nunca duvidavam da gente quando se
tratava disso." Esta foi a história real por trás da verdade emocional
capturada em "Something In the Way" e talvez a maior ironia em sua vida-
Kurt acabara voltando ao lugar de onde ele havia nascido a dezessete anos
antes. Ali estava ele, dormindo na sala de espera como um fugitivo, levando
sorrateiramente pãezinhos de lanchonete, fingindo ser um parente
consternado de alguém que estava doente, mas a única doença real era a
solidão que sentia em seu coração.
Depois de cerca de quatro meses morando na rua, Kurt finalmente
voltou a morar com seu pai. Não foi fácil para Kurt e o simples fato de ter
considerado voltar morar com um dos pais mostra o seu grau de desespero.
Don e Jenny souberam que Kurt estava sem casa e o encontraram dormindo
em um velho sofá numa garagem no beco logo em frente á casa de Wendy.
"Ele estava muito irritado com todos naquela época e queria que pensassem
que ninguém o aceitaria, o que não estava muito longe da verdade". lembra
Jenny.
Em Montesano, Kurt voltou a seu quarto de porão na casa da rua
Fleet. Os conflitos de autoridade com seu pai aumentaram muito — era
como se o tempo que passou afastado de Don apenas tivesse tornado sua
decisão mais forte. Todas as partes sabiam que a presença de Kurt ali não
era um arranjo permanente — cada um havia superado a necessidade ou a
vontade que tinha de estar com o outro. A guitarra de Kurt tornava a vida
suportável e ele praticava durante horas. Seus amigos e sua família
começaram a notar que ele estava se tornando hábil em tocá-la. "Ele
conseguia tocar qualquer canção depois de ouvi-la apenas uma vez,
qualquer coisa, de Air Supply a John Cougar Mellencamp", lembrou seu
meio-irmão James. A família alugou This Is Spinal Tap e Kurt e James o
assistiram cinco vezes em seguida — logo ele começou a recitar o diálogo do
filme e a tocar as canções da banda.
Enquanto Kurt estava de novo com Don e Jenny, houve ainda
outro suicídio na família. Kenneth Cobain, único irmão remanescente de
Leland, cada vez mais desanimado com a morte de sua mulher, deu um tiro
na própria testa com uma pistola calibre 22. A perda foi quase excessiva
para Leland suportar: o efeito cumulativo das mortes trágicas de seu pai, de
seu filho Michael e de seus três irmão temperaram sua confusão com uma
severa melancolia. Se considerando a morte de Ernest como um suicídio pelo
álcool, os três irmãos de Leland haviam morrido por sus próprias mãos, dois
deles atirando em si mesmos.
Kurt não era chegado a esse tios, mas havia um mortalha fúnebre
sobre a casa; parecia que a família estava amaldiçoada em todas as frentes.
Sua madrasta fazia esforço para encontrar um trabalho de cortador de
grama para Kurt, já que esse era o único trabalho que podia ser encontrado
em Monte além de cortar madeira. Kurt aparou alguns gramados, mas logo
ficou entediado. Procurou uma ou duas vezes nos classificados, mas não
havia muitos empregos em Montesano. A maior empresa econômica do
condado — a usina nuclear de Suaz vezes mais alto do que o restante do
estado. A coisas chegaram ao ponto crítico quando Don anunciou que se
Kurt não fosse para a escola nem trabalhasse teria de fazer o serviço militar.
Na noite seguinte Don convidou um recrutador da Marinha para conversar
com seu filho.
Em vez de um homem forte e teimoso — que mais tarde na vida
poderia agarrar o sujeito da Marinha pelo colarinho e atirá-lo de cabeça pela
porta da rua —, o recrutador encontrou um rapaz triste e prostrado. Kurt,
para surpresa de todos, ouviu a conversa-fiada. Ao final da noite, para
grande alivio do pai, Kurt disse que consideraria a idéia. Para ele, o serviço
militar parecia um inferno, mas era um inferno com um código postal
diferente. Conforme contou Kurt a Jesse Reed, "pelo menos a Marinha podia
lhe dar três PFs e uma cama". Para um garoto que vinha morando na rua e
dormindo em salas de espera de hospital, a segurança de abrigo e comida
sem ter de pagar um preço aos pais pareciam tentadora. Mas quando Don
tentou convencê-lo a deixar o recrutador voltar na noite seguinte, Kurt disse
a ele que esquecesse.
Desesperado em busca de alguma coisa, Kurt descobriu a religião.
Ele e Jesse haviam se tornando inseparáveis durante o ano de 1984 e isto
incluía ir Junto á igreja. Os pais de Jesse, Etherl e Dave Reed, eram cristãos
evangélicos e a família ia para igreja batista Central Park, a meio caminho
entre Monte e Aberdeen. Kurt começou a freqüentar regulamente a missa de
domingo e até chegou a comparecer ás reuniões do grupo de jovens cristão
nas noites de quarta-feira.
Foi batizado na igreja naquele mês de outubro, embora nenhum
dos membros de sua família estivesse presente. Jesse ainda se lembra de
Kurt passando pela experiências de conversão evangélica: "Uma noite
estávamos caminhando pela ponte do rio Chehalis e ele parou e disse que
aceitava Jesus Cristo em sua vida. Pediu a Deus para "Entrar em sua vida".
Em me lembro claramente dele falando sobre as revelações e a tranqüilidade
a que todos se referem quando aceitam Cristo". Nas duas semanas
seguintes, Kurt exibia o caráter de um cristão evangélico. Começou a
castigar Jesse por ele fumar maconha, negligenciar a Bíblia e ser um cristão
fraco. A conversão religiosa de Kurt coincidiu com um de seus muitos
períodos sóbrios: sua histórias com as drogas e o álcool sempre consistiria
em um bebedeira, seguida por uma abstinência. Ele escreveu uma carta a
sua tia Mari naquele mês defendendo suas opiniões sobre a maconha: Acabo
de assistir a Reefer Madness [Loucura de Maconheiro] na MTV [...] Foi feito
nos anos 30 e, se as pessoas dessem uma tragada da droga do diabo, a
marijuana, elas ficavam chapadas, matavam-se entre si, tinham casos,
atropelavam vítimas inocentes com seus carros. Tinha um adolescente que
parecia o Beaver, que vinha com um papo de assassinato. Uau, isso é mais
emoção do que dou conta. Era como um superexagero. Mas admito á idéia
toda por trás disso. A maconha é péssima. Sei disso por experiência pessoal,
porque por algum tempo eu ficava quase tão letárgico como um pedaço
mofado de queijo. Acho que era um grande problema para minha mãe e para
mim.
Entretanto, logo que postou a carta e se viu acomodando-se ao
padrão de vida da igreja, Kurt descartou sua fé como uma calça que lhe
ficara pequena. "Ele estava faminto daquilo", disse Jesse, "mas foi um
momento transitório ocasionado pelo medo. "Quando o medo diminuiu, Kurt
começou a fumar maconha novamente. Ele freqüentou a igreja por mais três
meses, mas sua conversa, como lembra Jesse, "estava se voltando mais
contra Deus. Depois disso, ele entrou num lance anti-Deus".
Os pais de Jesse se haviam apegado a Kurt e, uma vez que ele
estava na casa deles com tanta freqüência, sugeriram-lhe que se mudasse
para lá. Eles moravam em North River, uma área rural a 22 quilômetros de
Aberdeen. Na época, os dois rapazes pareciam trocar entre si alguma coisa
que valia a pena tentando em faltando em suas vidas. Os Reed discutiam a
possibilidade de Kurt se mudar para North River, e Wendy, Don e Jenny
concordaram que valia a pena tentar. Wendy disse aos Reed que ela "não
sabia mais o que fazer", com o que Don e Jenny fizeram coro. "Dave Reed
nos procurou", lembra Jenny, "e disse que achava que podia fazer alguma
coisa por ele. Eles eram uma família religiosa e Dave achava que poderia
discipliná-lo quando ninguém mais conseguia." "Nós gostávamos muito de
Kurt", explica Ethel Reed. "Era um menino muito meigo; parecia apenas
perdido." Em setembro, Kurt empacotou mais uma vez suas coisas — desta
vez ele tinha uma mochila de Lona — e mudou-se para North River.
Os Reed moravam numa casa de 370 metros quadrados e os
rapazes tinham a liberdade de um vasto espaço no andar de cima. Talvez o
melhor da casa fosse o fato de ficar tão distante que eles podiam tocar suas
guitarras o mais alto que quisessem. Tocavam o dia inteiro. Embora Dave
Reed fosse conselheiro dos jovens cristãos — parecia o Ned Flanders de Os
Simpsons, com seu cabelo curto e bigode -—, ele não era quadrado. Reed
havia tocado Rock-And-Roll durante vinte anos e participara dos
Beachcombers com Chuck, tio de Kurt, e por isso era conhecido da família.
A casa tinha um grande sortimento de amplificadores, guitarras e
discos. Os Reed também eram menos severos que Don: deixavam Kurt viajar
para Seattle com Buzz e Lukin para verem a influente banda punk Black
Flag. A revista The Rocket considerou o show como o segundo melhor de
1984, mas, para Kurt, era segundos apenas em relação ao show dos Melvins
no estacionamento. Em todas entrevistas que ele deu mais tarde em sua
vida, afirmou que este foi o primeiro concerto que havia visto. Foi ali na casa
dos Reed que Kurt fez sua primeira Jam session com Krist Novoselic.
Novoselic era dois anos mais velho que Kurt, mas era impossível não vê-lo
em Grays Harbor: com dois metros de altura, ele parecia Abraham Lincoln
jovem. Krist era de origem croata e vinha de uma família marcada pelo
divórcio e que, em termos de disfunção, podia competir com a de Kurt (Krist
ficara conhecido com "Chris" em Aberdeen: em 1992, ele voltou a escrever
seu nome conforme sua origem croata).
Kurt havia conhecido Krist no colégio e no local de ensaio dos
Melvins, mas suas vidas também se cruzaram em um lugar que nenhum dos
dois mencionaria novamente — a Igreja Batista Central Park. Krist vinha
freqüentando a igreja, mas mesmo os mais velhos como sr. Reed sabiam que
ele estava ali "só pelas garotas". Jesse convidou Krist para ir a sua casa
certa tarde e os três fizeram uma sessão de improvisação. Krist estava
tocando guitarra, assim como Jesse e Kurt, e por isso a sessão soava como
uma gravação de Wayne's World á medida que eles passavam pelas
habituais imitações de Jimmy Page. Krist e Jesse trocaram de guitarra por
um tempo: o canhoto Kurt ficou apenas na dele. Tocaram algumas canções
originais de Kurt com a carga das três guitarras.
Depois que Kurt passou a morar com os Reed, fez diversas
tentativas breves de voltar ao colégio Weatherwax. Ele estava tão atrasado
em suas aulas que era inevitável que não se formasse com sua turma. Kurt
contou a seus amigos que podia fingir ser retardado para freqüentar classes
de alunos especiais. Jesse provocava Kurt e o chamava de "Slow Brain"
["Cérebro Lento"] devido a suas notas baixas. Sua única participação real na
escola era na aula de arte, o único lugar em que ele não se sentia
incompetente. Apresentou um de seus projetos de cursos no Show de Arte
Colegial Regional de 1985 e seu trabalho entrou para a coleção permanente
do Superintendente da Instrução Pública. O sr. Hunter disse a Kurt que se
ele se inscrevesse poderia conseguir uma bolsa de estudos para uma escola
de arte. Uma bolsa e a universidade exigiam a formatura em Weatherwax.
algo que Kurt não via como possibilidade a menos que lhe fosse concedido
um ano adicional (mais tarde em sua vida, ele afirmou falsamente ter
recebido diversas ofertas de bolsas de estudos). Por fim, Kurt abandonou
completamente o colégio, mas não sem antes se matricular numa espécie de
colégio alternativo de Aberdeen. O currículo era semelhante ao do
Weatherwax, mas não havia aulas formais: os estudantes trabalhavam com
os professores numa base individual. Mike Poitras deu aulas particulares a
Kurt durante cerca de uma semana, mas o rapaz não ficou tempo suficiente
para completar a orientação. Duas semanas depois, Kurt abandonou a
escola.
Quando Kurt deixou totalmente de ir á escola, Dave Reed
encontrou um emprego para ele no restaurante Lamplighter em Grayland. O
salário era de 4,25 dólares por hora e ele trabalhava como lavador de pratos,
ajudante de cozinha, cozinheiro de reserva e ajudante de garçom. Era
inverno e o restaurante normalmente estava deserto, o que era bem
conveniente para Kurt.
Foi por intermédio de Dave Reed, bem como do tio Chuck e da tia
Mari, que pela primeira vez Kurt começou a imaginar que um dia poderia ter
futuro no ramo da música. Dave e Chuck haviam gravado um compacto
simples com os Beachcombers no inicio da carreira deste grupo — "Purple
Peanuts", tendo no verso "The Wheelie" — e esta era uma posse valorizada
na casa dos Reed. Kurt e Jesse tocavam constantemente o disco,
arremedando-o nas guitarras. O próprio Kurt estava compondo canções
religiosamente — ele tinha diversos cadernos recheados de folhas de letras.
Alguns títulos era "Wattage in the Cottage", "Samurai Sabotage" e uma
música sobre o sr. Reed chamada "Diamond Dave", Kurt chegou a compor
uma canção zombando de um colega de classe de Aberdeen que havia
cometido suicídio. O nome do rapaz era Beau — a canção era intitulada "Ode
to Beau" e era cantada em estilo country e Western.
Um ex-membro dos Beachcimbers havia prosseguido no ramo e se
tornara encarregado de promoção da Capitol Records em Seattle. No instante
em que Kurt descobriu este fato, agarrou-se a ele com unhas e dentes. Ficou
na cola de Dave para que este o apresentasse, sem saber na época que um
encarregado de promoção não era um caçador de talentos. "Ele sempre quis
conhecê-lo porque achava que isto lançaria sua carreira", lembra Jesse. Era
o começo incipiente de Kurt Cobain, o músico profissional, e seu constante
pedido para ser apresentado — o que nunca aconteceu — é prova de que,
aos dezessete anos, ele já estava imaginando uma carreira em música. No
barracão de ensaios dos Melvins, se Kurt tivesse admitido suas ambições
maiores de conseguir uma gravadora, teria sido tratado como herege. Ele
guardava sua ambição para si mesmo, mas jamais deixou de considerar
maneiras de ir além das suas condições.
A vida com os Reed se aproximava da recriação da família que ele
havia perdido no divórcio. Os Reed jantavam juntos, freqüentavam a igreja
como um grupo e os talentos musicais dos rapazes eram incentivados. Uma
verdadeira relação de afeto e amor era óbvia e tangível entre todos os
membros da casa, inclusive Kurt.
Quando Kurt completou dezoito anos em fevereiro de 1985, os
Reed fizeram uma festa de aniversário. Sua tia Mari lhe enviou dois livros:
Hammer Of The Gods, a biografia do Led Zeppelin, e uma coleção de
ilustrações de Norman Rockwell. Em um bilhete de a de agradecimento para
tia, Kurt descreve a festa de aniversário:
"Todos os rapazes do grupo de jovens da igreja vieram, trouxeram
bolo para mim e Jesse, depois participamos de jogos estúpidos e o pastor
Lloyd cantou algumas canções (ele é a cara do sr. Rogers). Mas foi legal
saber que as pessoas gostam da gente".
No entanto, mesmo com um grupo de jovens de igreja, o pastor
Lloyd e a família substituta dos Reed, Kurt não conseguia escapar
psicologicamente do abandono que sentia em relação a sua fraturada família
original.
"Ele era duro consigo mesmo", disse Dave Reed. Embora Kurt
tivesse pouco contato com a mãe, Dave Reed mensalmente punha Wendy a
par da situação. Em agosto de 1984 ele havia se casado com Pat O' Connor,
e na primavera seguinte estava grávida. Durante a gravidez, Kurt passou
pela casa, e quando Wendy viu o quanto ele parecia perdido, desatou a
chorar. Kurt caiu de joelhos, abraçou a mãe e disse a ela que estava bem.
E ele estava, pelo menos por enquanto, mas ai a crise voltou. Em
março de 1985, Kurt cortou o dedo lavando pratos no trabalho e num acesso
de pânico se demitiu. "Ele teve de dar pontos", lembra Jesse, "e me disse
que, se perdesse o dedo e não pudesse mais tocar guitarra, iria se matar."
Sem trabalho e com um ferimento que o afastava da guitarra, Kurt
hibernava na casa.
Convenceu Jesse a abandonar a escola e os dois passavam o dia
todo bebendo ou se drogando. "Ele se retraia cada vez mais", lembra Ethel
Reed. "Tentávamos fazer Kurt sair, mas não conseguíamos, à medida que o
tempo passo, concluímos que não o estávamos ajudando e que tudo o que
estávamos fazendo era fornecer um lugar para ele se afastar mais das
pessoas." A dissociação de Kurt chegou ao ápice em abril, quando certa
tarde esqueceu sua chave e quebrou uma janela para entrar em casa. Isso
foi a gota d'água para os Reed, que disseram a Kurt que ele tinha de
encontrar outro lugar para morar. Foi um mês de abril chuvoso naquele ano
em Grays Harbor, e, enquanto a maioria dos rapazes de sua idade estava
preocupada com a festa de formatura ou se preparando para se formar, Kurt
estava mais uma vez procurando um pouso.
De volta ás ruas, Kurt retomou o ciclo interminável de alojar-se em
garagens de amigos e dormir pelos corredores. Desesperado, finalmente
recorreu a misericórdia do governo e começou a receber quarenta dólares
por mês em gêneros alimentícios. Por meio do escritório local de desemprego,
encontrou um trabalho na ACM a partir do dia 1º de maio. Era um serviço
de meio período e administrado por uma subvenção local do "Trabalho de
Jovens", mas ele descrevia este breve emprego como seu trabalho diário
favorito. O cargo tinha o titulo glorioso de zelador, mas se outros
funcionários adoecessem, ele era o substituto do salva-vidas ou do instrutor
de atividades. Kurt adorava o trabalho, particularmente de lidar com
garotos. Embora Kurt não fosse um nadador particularmente vigoroso,
gostava de fazer as vezes de salva-vidas. Kevin Shillinger, que morava a uma
quadra de distância da ACM, observou Kurt ensinando garotos de cinco e
seis anos a jogar T-Ball, uma modalidade de beisebol para crianças- durante
toda a aula havia um sorriso enorme no rosto de Kurt. trabalhando com
crianças, conseguia encontrar a auto-estima que lhe faltava em outras áreas
de sua vida; ele tinha jeito com elas e estas, por sua vez não eram
preconceituosas.
Ele assumiu ainda um segundo emprego de meio período, embora
raramente tenha falado sobre isto. Era um cargo de zelador no colégio
Weatherwax. Toda noite ele vestia um macacão marrom e passava esfregão
pelos corredores da escola que havia abandonado. Embora o ano letivo
estivesse quase encerrado no momento em que ele começou, o contraste
entre a preparação de seus colegas para a universidade e suas próprias
condições o fez sentir mais diminuído do que nunca. Ele ficou dois meses e
então se demitiu.
Depois que Kurt deixou a casa dos Reed, Jesse fez o mesmo. Por
algum tempo, a dupla ficou na casa dos avós de Jesse em Aberdeen. Então,
no dia 1º de junho de 1985, mudaram-se para um apartamento na rua
Michigan, 404, norte. Seja por qualquer padrão que se julgue, este
minúsculo conjugado de cem dólares por mês — cujas paredes eram
pintadas de cor-de-rosa e por isso recebeu o nome de "o apartamento rosa"
— era uma espelunca, mas era a espelunca deles. O apartamento era
alugado com alguns móveis modestos, que eles complementaram com
ornamentos de jardim, triciclos Big Whell e espreguiçadeiras de quintal
roubadas do vizinho. Uma janela panorâmica dava para a rua e Kurt dizia
ser ela o seu cavalete público, escrevendo com sabão sobre o vidro: "666" e
"Regras de satã".
Uma boneca gigante pendia de um laço e estava coberta de gel de
barbear. Havia latas de gel por toda parte no apartamento; tinham sido
distribuídas amostras no bairro e Kurt e Jesse descobriam que podiam
aspirar os vapores das latas e ficar doidões. Certa noite, eles haviam tomado
duas doses de ácido quando um xerife do condado de Grays Harbor bateu á
porta e mandou que retirasse a boneca.
Felizmente, o policial não entrou no apartamento: ele teria visto
três semanas de pratos empilhados na pia, diversas peças de mobília de
jardim roubadas, gel de barba esparramado por todas as paredes e o fruto
da última travessura — cruzes roubadas de lápides do cemitério e pintadas
com bolinhas.
Não seria este o único entrevero de Kurt com a lei durante o verão
de 1985. Kurt, Jesse e seus amigos esperavam como lobisomens até que a
noite caísse e depois iam aterrorizar a vizinhança roubando móveis de jardim
ou pixando prédios. Embora Kurt mais tarde afirmasse que suas mensagens
de grafites políticas ("Deus é gay" e "Abortem Cristo" eram alguns de seus
Slogans), na verdade a maioria daquilo que escrevia era non sense. Ele
deixou um vizinho furioso no casco de seu barco em letras vermelhas "Boat
Ack"; do outro lado, os dizeres "Povo do barco, vá para casa". Certa noite ele
pintava grafites na parede da ACM: sem nenhum toque de justiça poética, no
dia seguinte recebeu a incumbência de limpa-la. Na noite de 23 de julho de
1985, o policial Michael Bens estava patrulhando a rua Market — a apenas
uma quadra da delegacia de policia de Aberdeen — Quando observou três
homens e um rapaz louro num beco. Os homens fugiram quando o carro de
Ben se aproximou, mas o garoto louro ficou paralisado, parecendo um
animalzinho indefeso diante dos faróis do carro, e Bens o viu largar uma
caneta de grafiteiro. Na parede atrás dele havia uma declaração profética:
"Ain't got no how Watchamacallit" ["Não consegui nenhum jeito de coisar"]
Tipograficamente, era uma obra de arte, já que as letras estavam
aleatoriamente em caixa alta e baixa e todos os "Ts" eram quatro vezes
maiores do que as outras letras.
Subitamente, o rapaz desatou a correr até que, duas quadras
depois, o carro da radiopatrulha o alcançou. Ele foi então algemado. Deu seu
nome como "Kurt Donald Cobain" e era a imagem da boa educação. Na
delegacia, ele escreveu e assinou uma declaração, cuja integra era a
seguinte: Esta noite, estando parado atrás do Sea First Bank no beco ao lado
da biblioteca conversando com três pessoas, escrevi no prédio do Sea First,
não sei por que fiz isto, mas fiz. O que escrevi na parede foi: "Não consegui
nenhum jeito de coisar". Agora percebo como foi estúpido ter feito isto e peço
desculpas por tê-lo feito. Quando o carro da policia entrou no beco, eu vi e
deixei cair o marcador vermelho que havia usado.
Suas impressões digitais foram tiradas, fizeram fotos de seu rosto e
depois ele foi liberado, mas foi obrigado a comparecer ao tribunal para uma
audiência algumas semanas depois. Recebeu uma multa de 180 dólares,
uma sentença, que foi suspensa, de trinta dias de prisão, e foi advertido a
não se meter mais em encrenca. para Kurt, aos dezoito anos, isso era mais
fácil de dizer do que de fazer.
Certa noite, quando Jesse estava trabalhando, os habituais "Cling-
Ons" chegaram e todos improvisaram suas Guitarras Um dos vizinhos, um
grandalhão de bigode, esmurrou a parede e mandou que fizessem silêncio.
No relato posterior de Kurt sobre o caso, ele disse que o vizinho batera nele
impiedosamente durante horas.
Foi uma dentre as muitas histórias que Kurt contava sobre o
constante abuso que os caipiras reacionários de Aberdeen praticavam contra
ele. "Não foi bem assim", lembra Steve Shillinger. "O cara realmente veio,
pediu-lhe que fizesse silêncio, e quando Kurt bancou o engraçadinho, o
sujeito lhe deu dois murros e mandou que ele 'Calasse a boca'. Jesse não
estava lá naquela noite, mas, no tempo todo em que conheceu Kurt, lembra
de apenas um briga: "Ele normalmente ficava ocupado demais fazendo as
pessoas rirem. Eu sempre estava por perto para protegê-lo. Jesse era baixo
como Kurt, mas praticava Halterofilismo e tinha um físico forte.
Durante o período no apartamento rosa. Jesse provavelmente teria
matado por Kurt, um fato que este aproveitava ao máximo. Certo dia, Kurt
anunciou que ambos iam cortar o cabelo tipo índio. Foram até os Shillinger,
arranjaram tesouras apropriadas e logo Jesse tinha um corte de cabelo
indígena. Quando chegou a vez de Kurt, ele declarou que era uma idéia
idiota.
"Certa vez Kurt disse que se ele pudesse escrever alguma coisa em
minha testa eu poderia escrever algo na dele", lembra Jesse. "Ele pegou tinta
permanente e escreveu "666" na minha testa e depois saiu correndo. Eu era
sempre o idiota que todos usavam para fazer experiências. Se havia um
produto químico ou uma bebida, eles sempre queriam que eu
experimentasse primeiro." Havia um lado obscuro na tortura que Kurt
praticava em seu melhor amigo. Apesar de toda a sua patetice, Jesse tinha
conseguido se formar naquela primavera. Certa noite, quando ele estava
trabalhando no Burger King, Kurt arrancou as fotos do livro do ano do
amigo, colou-as na parede e riscou-as com um Xis vermelho. Isto denotavam
mais o seu próprio auto-desprezo do que seus sentimentos por Jesse. Talvez
devido a um surto de vergonha por sua raiva, Kurt resolveu expulsar Jesse
do apartamento.
Nem veio ao caso que foi Jesse quem havia feito o depósito da taxa
de caução. Em breve, Jesse estaria morando com sua avó e Kurt, sozinho.
De qualquer modo, Jesse pretendia entrar para a Marinha e Kurt se sentia
ameaçado por isso. Era um padrão que ele apresentaria em toda sua vida:
em lugar de perder alguém de quem gostava, ele se retirava primeiro,
normalmente criando algum falso conflito como maneira de atenuar o
abandono que sentia ser inevitável.
Kurt continuou a compor enquanto morou no apartamento rosa, e,
embora a maioria das canções fosse de histórias levemente disfarçadas dos
personagens e acontecimento a sua volta, muitas eram bem-humoradas.
Naquele verão, ele compôs uma canção chamada "Spam", sobre o enlatado
de carne, e outra intitulada "The Class Of 85", que era uma critica a Jesse e
a turma da formatura que ele havia perdido. Começava assim: ""We are all
the same, just flies on a turd" ["Somos todos iguais, apenas moscas num
monte de merda"]. Embora suas canções fossem sobre um mundo insular,
mesmo nesta etapa Kurt estava pensando grande. "Vou fazer um disco que
será ainda maior do que o U2 ou o R.E.M", gabava-se ele para Steve
Shillinger. Kurt adorava essas duas bandas e sempre falava sobre como os
Smithereens eram geniais, embora ele tomasse o cuidado de não mencionar
essas influências perto de Buzz por medo de quebrar o código Punk de que
nenhuma música popular era importante. Ele lia todo Fanzine ou revista de
música que encontrasse, que não eram muitas em Aberdeen: chegou a
escrever extensas entrevistas imaginárias consigo mesmo para publicações
inexistentes. Kurt e Steve conversaram sobre a criação de sua própria
Fanzine, chegando até a rascunhar um exemplar de amostra: Steve
abandonou o projeto quando percebeu que Kurt estava escrevendo resenhas
positivas de discos que ele jamais tinha ouvido.
Kurt também falava sobre lançar seu próprio selo de gravação e
certa noite ele e Steve gravaram um amigo chamado Scotty Karate fazendo
um monólogo. Como tantas de suas idéias na época, nada resultou disso.
Não havia dinheiro para publicação de fanzines ou selos de gravadoras e até
o aluguel era difícil de pagar. Dois meses após a partida de Jesse, Kurt foi
despejado. Seu senhorio entrou no apartamento quando Kurt não estava em
casa, encaixotou os poucos pertences que ele tinha, entre os quais as cruzes
e os triciclos roubados, e os deixou na rua.
Pela terceira vez em dois anos, Kurt estava em casa. Mais uma vez
ele considerou a Marinha. Trevor Briggs estava alistando para o serviço e
insistiu com Kurt para que tirasse partido do sistema de amizade da
Marinha, mediante o qual eles poderiam ser mandados para o mesmo campo
de treinamento. O desemprego aumentara ainda mais em Grays Harbor e as
opções eram limitadas para alguém de dezoito anos que abandona os
estudos. Kurt foi até o escritório de recrutamento da marinha na rua State e
passou três horas fazendo o teste vocacional ASVAB. Ele passou e a marinha
estava disposta a aceitá-lo; mais tarde, Kurt afirmou que tirara a nota mais
alta já registrada no teste, mas dificilmente se pode acreditar nisso, já que o
teste incluía matemática. No último minuto, como havia feito antes, Kurt
refugou quando chegou a hora de se alistar.
A maioria das noites Kurt dormia no assento traseiro do sedan
Volvo batido da mãe de Greg Hokanson, jocosamente apelidado de "Vulva".
Quando o mês de outubro se aproximava e o tempo piorando, as noites eram
péssimas no banco do carro.
Kurt logo descobriu um novo benfeitor na família Shillinger, que,
após intenso trabalho de convencimento por parte de Kurt, concordou em
abrigá-lo.
Lamont Shillinger era um professor de inglês no Weatherwax e,
como Dave Reed, também tinha antecedentes religiosos. Embora tivesse
abandonado os mórmons anos antes, Lamont ainda tentava ser, conforme
ele descreveu, "um ser humano Free-lance decente". Havia outras
semelhanças com a vida na casa dos Reed; os Shillinger jantavam juntos,
passavam tempo como uma família e seus filhos eram incentivados a tocar
música, Kurt foi aceito como parte da família e introduzido na rotação das
tarefas domésticas, o que ele fazia sem se queixar, agradecido por ser
incluido. Havia certa escassez de quartos na casa dos Shillinger — eles
tinham seis filhos —, e por isso Kurt dormia num sofá na sala de estar,
guardado seu saco de dormir debaixo dele durante o dia. Ele passou o dia de
Ação de Graças e a manhã de Natal de 1985 com os Shillinger. Lamont
comprou para Kurt uma nova e muito bem-vinda calça Levi's. Mais tarde, no
dia de Natal, Kurt fez uma visita á casa de Wendy — ela havia acabado de
dar á luz sua meia-irmã Brianne. A recém-nascida tornava o lar dos
O'Connor um lugar mais feliz, embora nem se cogitasse da volta de Kurt
para lá.
Em dezembro de 1985, Kurt começou a ensaiar algumas canções
que ele compusera, com Dale Crover no baixo e Greg Hokanson na bateria.
Ele deu ao grupo o nome de Fecal Matter [Matéria Fecal], e foi esta sua
primeira banda de verdade. Convenceu Crover a acompanha-lo numa viagem
até a casa da tia Mari para gravar num gravador de dois rolos e ele passou
direto a fazê-lo, Kurt gravou a sua voz primeiro, e depois ele e Crover
colocariam a parte da guitarra, do baixo e da bateria sobre o vocal. Mari
ficou pertubada com a letra de "Suicide Samurai" ["Samurai suicida"], mas
colocou-a na conta de um comportamento adolescente típico. Os rapazes
gravaram também "Bambi Slaughter" ["Massacre de Bambi", a história de
como um menino fez negócio com os anéis de casamento de seus pais],
"Buffy's Pregnant" ["Buffy está grávida", sendo Buffy a personagem
do programa de televisão Family Affair] "Downer, "Laminated Effect", "Spank
Thru" e "Sound Of Dentage". Quando voltou para Aberdeen, Kurt usou o
tape Deck dos Shillinger para reproduzir cópias. Ter a fita concreta nas mão
era prova tangível para ele de que tinha talento — era a primeira
manifestação física da auto-estima que encontrava pela música. Apesar
disso, o Fecal Matter se dissolveu sem jamais fazer uma única apresentação.
A despeito das condições externas, a vida artística interior de Kurt
estava crescendo aos trancos e barrancos. Ele continuou a fazer filmes
usando a câmera super-8. Um curta-metragem mudo desse período mostra
Kurt caminhando por um edifício abandonado usando uma camiseta da
Kisw "Seattle's Best Rock" e tentando se parecer com Jean-Paul Belmondo
em Acossado, com os grandes óculos escuros.
Em outro filme, ele coloca uma máscara de Mr. T e finge aspirar
uma enorme quantidade do que parece ser cocaína, um efeito especial que
ele criou com farinha e um aspirador de pó. Sem exceção, esses filmes eram
criativos e — como tudo que Kurt Criava — perturbadores. Nessa primavera,
ele tentou começar um negócio decorado pranchas de Skate com grafite.
Chegou até a distribuir panfletos pela cidade, mas apenas um adolescentes o
contatou, pedindo uma cabeça explodindo. Kurt desenhou isto com
satisfação — era sua especialidade —, mas o cliente não pagou e o negócio
fracassou.
No dia 18 de maio de 1986, Kurt mais uma vez caiu sob o cuidado
e a supervisão do departamento de policia de Aberdeen. Às 12h30 da manhã
a policia foi chamada até um prédio abandonado na rua Market, 618, oeste,e
o guarda John Green encontrou Kurt escalando um telhado, aparentemente
drogado. Green lembra de Kurt como um "garoto legal, ainda que um pouco
assustado". Kurt foi autuado por invasão de domicilio e por ser menor com
posse de álcool para consumo. Quando os tiras descobriram que ele tinha
um mandado pendente por depredação (ele não havia pago a multa pelo
grafite), além de uma detenção anterior por álcool em Seattle, e que ele não
podia pagar aquela fiança, colocaram-no na cadeia. A cela em quem ficou
parecia ter saído diretamente de um velho filme de Gângsteres: barras de
ferro, piso de concreto, nenhuma ventilação. Em seu depoimento, Kurt
mencionou "costas ruins" quando interrogado sobre suas condições médicas
e se descreveu como "19 anos de idade, 61 quilos, 1,70 metro, cabelos
castanhos e olhos azuis". Ele exagerava na descrição de sua altura e peso.
Kurt usou o único telefonema a que tinha direito para chamar
Lamont Shillinger e implorar a ele que pagasse sua fiança. Lamont concluiu
que sua paternidade sobre Kurt Cobain havia ido longe demais e que Kurt
teria de sair sozinho dessa enrascada. Mas Lamont o visitou no dia seguinte
e, ainda que fosse contra sua religião, trouxe um maço de cigarros para
Kurt. Incapaz de pagar a fiança, Kurt ficou na cadeia oito dias.
Anos depois, Kurt usou essa experiência para criar o folclore que
acentuava sua sagacidade e adaptabilidade. Segundo ele, durante esse
tempo na prisão desenhou pornografia para os outros prisioneiros se
masturbarem. Sua pornografia caseira estava em tamanha demanda,
conforme ele disse, que trocava cigarros e logo coletado todos cigarros da
cadeia. Nesse ponto, dizia a história, ele se tornou "o homem" que
"controlava a cadeia".
Ele apenas se atrevia a contar esse caso ficcional para pessoas que
não o conheciam — seus amigos de Aberdeen se lembram dele tão apavorado
todas as imagens de filmes de prisão que ele havia ao longo dos anos que
não conseguia dizer uma única palavra para outro detento durante a sua
estada.
A vida na casa dos Shillinger logo chegaria ao fim para Kurt.
Passara um ano lá e, aos dezenove anos — bem além da idade da
emancipação —, ele não eram nem parente sangüíneo nem filho adotivo
oficial. Ele também começara a brigar com Eric Shillinger, que achava que
Kurt havia ficado mais tempo do que lhe havia sido oferecido. Em certo fim
de semana, os Shillinger saíram de férias sem Kurt e ao regressaram
descobriam que ele havia coagido os dois cachorros da casa a defecarem na
cama de Eric. Mas mesmo esta desfeita não foi a gota d'água: o final
aconteceu numa noite de agosto de 1986, quando Eric e Kurt começaram a
brigar por causa de uma minipizza. Segundo todas as versões, foi a briga
mais séria em que Kurt jamais se meteu e ele tentou atingir Eric com um
pedaço de pau "Eu vi Eric no dia seguinte", lembra Kevin Shillinger, "e ele
tinha um olho roxo. Eu vi Kurt e ele tinha os dois olhos roxos." Kurt saiu
naquela noite, cuidando de um rosto inchado, e retirou-se para o espaço de
ensaio dos Melvins.
No dia seguinte ele pagou dez dólares para Steve trazer todas as
suas coisas que haviam ficado na casa de Crover. Sua vida se reduzia a um
padrão muito conhecido de intimidade, conflito e expulsão, seguida por
solidão.
Um dos únicos momentos brilhantes aconteceu quando Krist
Novoselic pareceu interessado em formar uma banda. Krist foi uma das
primeiras pessoas a quem Kurt havia presenteado sua fita do Fecal Matter.
"Ele tinha uma pequena fita demo e nela havia "Spánk Thru", lembra Krist.
"Achei a canção muito boa" Shellli Dilly, namorada de Krist, havia sido
amiga de Kurt desde o colégio e o casal começou a deixá-lo desmaiar
drogado ou bêbado atrás da casa, dormindo na Kombi de Krist.
"Eu sempre me certificava de que havia cobertores suficientes para
que ele não morresse congelado", disse Shelli, Dava-lhe também comida de
graça sempre que ele entrava no McDonald's onde ela trabalhava.
No começo de setembro de 1986, Hilary Richrod, bibliotecária da
biblioteca Timberland de Aberdeen, ouviu uma batida na porta de sua casa
no final de uma tarde. Ela olhou pelo buraco da fechadura e viu um rapaz
alto com os olhos vermelhos e Kurt, a quem ela reconheceu: ele costumava
passar as tardes na biblioteca, lendo ou dormindo. Vendo aqueles dois
personagens tão dispares na porta de sua casa — em uma cidade onde o
arrombamento e o roubo faziam parte da vida —, ela sentiu uma pontada de
alarme enquanto abria aporta. Seu alarme se identificou quando Kurt levou
a mão sob a capa. Mas o que ele tirou foi um pombo minúsculo com uma
asa quebrada. "Ele está machucado e não consegue voar", disse Kurt.
Richard momentaneamente recuou. "Você é a dona dos pássaros, não é?,
perguntou Kurt, parecendo quase irritado. Ela era de fato "a dona dos
pássaros", administrando a organização de salvamento de pássaros
silvestres de Aberdeen, mas normalmente as pessoas telefonavam pra ela
quando um pássaro estava machucado. Ninguém jamais tinha vindo direto
até sua porta antes, certamente não dois adolescentes parecendo drogados.
Kurt lhe disse que encontrara o pombo debaixo da ponte da rua
Young e que eles haviam andado quinze minutos até sua casa assim que
viram o pássaro. Como eles sabiam que ela era a dona dos pássaros jamais
foi explicado. Mas eles observaram atentamente quando ela começou a
cuidar do animal. Andando pela casa, avistaram uma guitarra que pertencia
ao marido de Richard e Kurt imediatamente a apanhou; "è uma velha Les
Paul. è uma cópia, mas uma cópia muito antiga". Ele quis comprá-la, mas
Richard disse que ela não estava. Por um momento ele se perguntou se eles
poderiam roubá-la.
No entanto, a única preocupação deles era o cuidado e a proteção
para o pequeno pombo. Na cozinha, os dois observaram enquanto Richard
lentamente movia a asa do pássaro tentando determinar a gravidade de seu
ferimento. "Ele está machucado, não está? perguntou Kurt. Richard tinha
dois curiangos na cozinha, dois dos únicos pássaros dessa espécie em
cativeiro, e ela lhe disse que os pássaros haviam aparecido num reportagem
de primeira página do Aberdeen Daily World.
"Eu estou numa banda", replicou Kurt, anunciando o fato como se
aquilo devesse ser de reconhecimento público. "Mas nem eu jamais estive na
primeira página do Daily World. Esses pássaros chegaram um quilômetro na
minha frente."

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Territorial Pissings

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