domingo, 16 de outubro de 2011

Kurt Cobain: A Lenda que não morreu! 4ª Parte



O SALSICHEIRO DE PRAIRIE BELT

Aberdeen, Washington,
Março de 1982 - março de 1983

Não tenha medo de cortar fundo, ponha um pouco de força nisso.
Do cartum "Meet jimmy, the Prairie Belt Sausage Boy"
["Conheça Jimmy, o salsicheiro de Prairie Belt"].
FOI POR SUA PRÓPRIA INSISTENCIA QUE, em março de 1982,
Kurt deixou a rua fleet, 413, e a atenção de seu pai e madrasta. Passaria os
próximos anos pulando de galho em galho na metafórica selva de Grays
Harbor. Embora fizesse duas paradas de seis meses cada, durante os quatro
anos seguintes ele moraria em dez casas diferentes, com dez famílias
diferentes. Nenhuma delas seria para ele um lar.
Sua primeira escala foi o território familiar do trailer de seus avós
paternos nos arredores de Montesano. Dali, toda manhã ele podia tomar o
ônibus para a cidade, o que lhe permitia ficar na mesma escola e classe, mas
até seus colegas sabiam que a transição era difícil. Na casa dos avós contava
com o ouvido solidário de sua amada Íris e houve momentos em que ele e
Leland compartilhavam de intimidade, mas ele passava grande parte de seu
tempo sozinho. Foi mais um passo em direção a uma maior e mais profunda
solidão.
Certo dia ele ajudava seu avô a construir uma casa de bonecas
para o aniversário de Íris. Kurt participava grampeando sistematicamente
telhas de cedro em miniatura no telhado da estrutura. Com a madeira que
sobrou, Kurt montou um tabuleiro de damas rústico. Começou desenhando
as formas das peças na madeira e depois entalhou-as laboriosamente com
um canivete. Na metade desse processo, o avô mostrou a Kurt como operar a
serra tico-tico e deixou o rapaz de quinze anos entregue a seus próprios
recursos, embora observando da porta. O rapaz olhava de vez em quando
para o avô em busca de aprovação e Leland dizia: "Kurt, você está indo bem".
Mas Leland nem sempre era tão gentil nas palavras e Kurt se viu
de volta á mesma dinâmica pai/filho que havia experimentado com Don.
Leland foi rápido em temperar com criticas suas ordens para Kurt. A culpa
não era só de Leland, já que Kurt ás vezes era realmente um pentelho. À
medida que começavam seus anos de adolescência, ele constantemente
testava seus limites, e, com tanta figura paterna diferentes — e nenhuma
com a autoridade última sobre ele —, acabou cansado os mais velhos. Sua
família pintou um quadro de um rapaz teimoso e obstinado que não estava
interessado em ouvir os adultos ou em trabalhar. A petulância parecia ser
elemento inerente á sua natureza, tal como a preguiça, em contraste com
todos os demais membros da sua família — até sua irmã mais nova Kim
havia ajudado a pagar as contas trabalhando como entregadora de jornais.
"Kurt era preguiçoso", lembra seu tio Jim Cobain."Se por ser ele
um adolescente típico ou porque estava deprimido, ninguém sabia".
No verão de 1982, Kurt saiu de Montesano para morar com o tio
Jim ao sul de Aberdeen. Seu tio ficou surpreso por receber a
responsabilidade. "Fiquei chocado com o fato de o deixarem morar comigo",
lembra Jim Cobain. "Eu estava fumando maconha na época. Eu descuidava
de suas necessidades, para não dizer que não tinha a menor idéia do que eu
estava fazendo". Pelo menos, com sua inexperiência, Jim não era um
disciplinador que pegava pesado. Ele era dois anos mais moço que seu irmão
Don, mas muito mais "por dentro", com uma grande coleção de discos: "Eu
tinha um sistema estereofônico muito bom e carregadas de discos do
Grateful Dead, Led Zepplin e Beatles. E eu tocava aquela belezinha bem
alto". A maior alegria de Kurt durante os meses que passou com Jim foi
reformar um amplificador.
Jim e sua mulher tinham uma filhinha e, por falta de espaço, logo
pediram a Kurt que se mudasse, Dali, Kurt foi ficar com os irmãos e irmãs
de Wendy. "Kurt era empurrado de parente para parente", lembra Jim. Ele
era o supra-sumo do garoto largado. Dava-se melhor com seus tios e tias do
que com seus pais, embora os problemas de autoridade o acompanhassem.
Seus tios e tias eram menos rígidos, embora nos lares mais descontraídos
houvesse um empenho menor na coesão de uma família estruturada. Seus
parentes tinham seus próprios problemas e dificuldade — não havia
ninguém que tivesse espaço para ele, tanto em termos físicos como
emocionais, e Kurt sabia disso. Kurt passou vários meses com seu tio
Chuck, com quem começou a ter aulas de guitarra. Chuck estava numa
banda com um amigo chamado Warren Mason, um dos melhores
guitarristas do ponto. Sempre que ensaiavam na casa de Chuck — ensaios
que sempre incluíam maconha e uma garrafa de Jack Daniel's —, Kurt
ficava no canto observando, olhando fixo para Warren como um homem
faminto que olha para um sanduíche de almôndega.
Certo dia, Chuck perguntou a Warren se podia ensinar o rapaz e
assim começou o treinamento formal de Kurt em musica. na versão contada
por Kurt, ele apenas tomou uma ou duas aulas e, nesse curto período,
aprendeu tudo que precisava saber. Mas Warren lembra que as aulas se
estenderam por meses e que Kurt era um aluno sério, que passava horas
tentando se aprimorar. A primeira coisa com que Warren teve de lidar foi
com a guitarra de Kurt — ela era mais adequada para mostras na escola do
que para tocar. Warren consegui uma Ibanez para Kurt por 125 dólares. As
aulas de meia hora custavam cinco dólares. Wareen fez a Kurt a pergunta
que fazia a todos os seus jovem alunos: "Quais as músicas que você quer
aprender?". "Stairway to Heaven", foi a resposta. Kurt já sabia tocar uma
versão tosca de "Louie, Louie". Os dois trabalharam em "Stairway" e depois
avançaram pára "Back in Black" do Ac/Dc. as aulas terminaram quando as
notas baixas de Kurt na escola levaram seu tio a reconsiderar essa opção de
recreação nas tardes.
Kurt continuou a ir á escola em Monte até o segundo mês do
segundo colegial, mas depois se transferiu para o Colégio Weatherwax de
Aberdeen.
Era a mesma escola no qual sua mãe e seu pai haviam se formado,
mas, apesar das raízes familiares e da proximidade da casa de sua mãe —
que ficava a dez quadras de distância —, ele era um estranho ali. Construído
em 1906 Weatherwax se estendia por três quadras da cidade, com cinco
edifícios independentes. A sala de Kurt tinha trezentos alunos — três vezes
maior que a de Monte. Em Aberdeen, Kurt se viu numa escola com quatro
facções — chapadões, atletas, vestibulandos e bitolados — e a principio não
se encaixou em nenhuma delas."Aberdeen era cheia de panelinhas", observa
Rick Gates, outro menino de Monte que se transferiu para o Weatherwax.
"Nenhum de nós realmente conhecia ninguém. Embora Aberdeen fosse
Hicksville comparada a Seattle, mesmo assim ainda era um degrau
importante acima de Monte. Nunca conseguíamos descobrir onde nos
encaixar". Mudar de escola como secundarista teria sido difícil para a
maioria dos adolescentes bem adaptados: para Kurt era uma tortura.
Embora fosse popular em Monte — um vestibulando com suas
camisa Izod, um atleta por seu envolvimento com os esportes —, em
Aberdeen ele era um forasteiro.
Mantinha seus amigos em Monte, mas, apesar do fato de vê-los
praticamente todo fim de semana, seu sentimento de solidão aumentou.
Suas habilidades atléticas não eram suficientes para lhe granjear
notoriedade em uma escola grande e, por isso, ele abandonou os esportes.
Combinados á sua insegurança pela família desestruturada e pelo estilo de
vida nômade que levava, sua retirada do mundo prosseguia. Mais tarde Kurt
contaria casos recorrentes de surras tomadas em Aberdeen e do colegial. No
entanto, seus colegas de classe em Weatherwax não se lembram de nenhum
incidente desse tipo — ele exagerava o isolamento emocional que sentia
contando casos fantasiosos de violência física. Havia pelo menos uma
atração redentora em seus estudos: Watherwax tinha um excelente currículo
de artes e nesta única aula Kurt continuava a se esmerar.
Seu professor, Bob Hunter, o achava um aluno extraordinário: "Ele
tinha talento para desenhar, associado a uma grande imaginação". Hunter
permitia que seus alunos ouvissem rádio enquanto trabalhavam — ele
próprio era artista e musico —, e os incentivava a serem criativos. Para Kurt,
era o professor ideal, como sr. Kanno antes dele, mostrou ser um dos poucos
modelos de papel adulto a que o menino podia recorrer.
Nesse primeiro ano em Weatherwax, Kurt assistiu a aulas de arte
comercial e arte básica, no quinto e no sexto períodos. Essas duas aulas de
cinqüenta minutos — logo depois do almoço — eram o único momento do
dia em que certamente ele estaria na escola. Sua habilidade impressionou
Hunter e, ás vezes, chocava seus colegas de classe. Para um trabalho de
caricatura Kurt desenhou Michael Jackson com uma das mãos enluvadas no
ar e a outra segurando o gancho das pernas.
Durante outra aula, pediu-se á classe que mostrasse um objeto em
seu desenvolvimento: Kurt retratou um esperma se convertendo em embrião.
Suas habilidades para desenhar eram exemplares, mas sua mente distorcida
era o que chamava a atenção de seus colegas.
"Aquele esperma foi um choque para todos nós", lembra a colega
Theresa Vamn Camp. "Era uma atitude mental muito diferente. As pessoas
começaram a falar sobre ele, perguntando: O que ele pensa? Quando Hunter
disse a Kurt que a ilustração de Michael Jackson podia não ser apropriada
para ser exibida nos corredores da escola, ele desenhou uma ilustração nada
lisonjeira de Ronald Reagan com um rosto em forma de uva-passa.
Kurt sempre desenhava obsessivamente, mas agora, com o
incentivo de Hunter, começou a se imaginar artista. Suas garatujas se
tornaram parte integrante de sua formação. Ele era perito no cartum e, neste
caminho, começou a aprender primeiro a arte de contar histórias. Um
cartum recorrente desse período foram as aventuras de "Jimmy, o
salsicheiro de Prairie Belt", assim apelidado em referência a um produto de
carne enlatada. Essas histórias documentavam a infância sofrida de Jimmy
— um Kurt sutilmente disfarçado —, que era obrigado a tolerar pais severos.
Uma edição em quatro cores, em painés múltiplos, contava de modo não
muito sutil a história dos conflitos de Kurt com seu pai. No primeiro painel,
a figura do pai faz um sermão a Jimmy: "Este óleo está sujo. Eu consigo
sentir o cheiro de gasolina nele. Me passe uma chave de nove milímetros,
seu nojentinho escroto. Se você vai morar aqui, vai viver segundo minhas
regras e elas são tão sérias quanto o meu bigode; honestidade, lealdade,
dedicação, honra, valor, disciplina severa. Deus e a pátria, é isto o que dá
aos Estados Unidos o primeiro lugar". Outro painel mostra uma mãe
gritando: "Estou dando a luz o seu filho e abortando sua filha. Reunião da
Associação de Pais e Mestres ás sete, aulas de cerâmica ás duas e meia,
estrogonofe de carne de boi, cachorro ao veterinário ás três e meia,
lavanderia, sim, sim, hummm amor, é gostoso no rabo, hummm, eu te amo".
Não fica claro se a mãe do cartum era Jenny ou Wendy, mas a
decisão de fazer o curso em Weatherwax também acarretara voltar a morar
com a mãe na rua First, 1210. Este foi o mais próximo de um lar
permanente a que Kurt chegou, já que o quarto dele no andar de cima
permanecera intocado, um santuário dedicado aos primeiros anos com a
família nuclear. A intervalo, ele passaria ali os fins de semana, continuando
a decorar as paredes com pôsteres de bandas, muitos deles agora desenhado
á mão. E claro que a melhor parte de seu quarto, e de sua vida, era a sua
guitarra. A casa de Wendy era mais vazia do que suas outras escalas
durante esses anos, o que lhe permitia praticar sem distração. Mas a
trincheira doméstica estava apenas levemente melhora — sua mãe havia
finalmente se livrado de Frank Franich embora Kurt e Wendy ainda estivesse
brigado.
Wendy era uma mãe muito diferente daquela que Kurt deixara seis
anos antes. Ela tinha agora 35 anos, mas estava namorando homens mais
jovens e passando por uma fase que apenas pode ser descrita como o tipo de
crise da meia-idade normalmente associada a homens recém-divorciados.
Ela estava bebendo muito e se tornara cliente habitual de diversos bares de
Aberdeen — uma das principais razões pelas quais Kurt não foi colocado
imediatamente de volta a seus cuidados depois que ele deixou Don. Naquele
ano ela começou a namorar casualmente Mike Medak, de 22 anos de idade.
Durante os primeiros meses em que se viram poucas vezes, Wendy nem
mesmo mencionou a Medak que ela tinha filhos; na maioria das vezes ela
ficava na casa dele, e ele só viu seus filhos depois de vários meses de
relacionamento. "Era como se ela fosse uma mulher solteira", lembra ele
"Não era como se estivéssemos esperando a babá numa sexta-feira á noite —
era como se não existissem filhos." Namorar Wendy não era muito diferente
de namorar uma mulher de 22 anos. "Nos íamos para o bar ou para a
danceteria mais próxima. E íamos a festa." Wendy se queixava de como
Franich quebrava seu braço, das dificuldades financeiras e da distâncias de
Don. Um dos poucos casos que ela contou sobre Kurt foi como, aos cinco
anos de idade, ele havia entrado na sala exibindo uma ereção na frente de
Don e de um grupo de amigos. Don ficou embaraçado e levou seu filho para
fora da sala. O incidente se tornaria uma lenda na família, e o caso ainda
produzia uma risadinha em Wendy quando ela o contava.
Aos 22 anos, namorando uma mulher de 35, Medak estava nessa
relação principalmente por razões físicas; para ele, Wendy era uma atraente
mulher mais velha, um namoro ideal quando não se esta procurando
compromisso. Até Kurt, nos seus quinze anos, era capaz de perceber isto e
ele foi rápido em julgar.
Discutia com os amigos os namorados de sua mãe e sua palavras
eram ásperas, embora não tocassem no conflito psicológico que deve ter
sentido por ver sua mãe arranjar um namorado apenas sete anos mais velho
do que ele, "Ele disse que odiava sua mãe, que achava que ela era uma
prostituta", lembra John Fields. "Ele não concordava com o estilo de vida
dela. Não gostava nada dela, e falava em se mandar. Kurt saia de casa se ela
estivesse presente, já que ela gritava muito com ele".
Os irmão de Wendy se lembram de ter se preocupar por ela estar
bebendo, mas uma vez que o estilo de comunicação da família não era o do
confronto, isto raramente era discutido.
Os atrativos de sua mãe também se mostraram um embaraço para
Kurt. Todos os seus amigos se apaixonavam por ela e o hábito de Wendy de
tomar banho de sol de biquíni no quintal os levava a espiar pela cerca.
Quando os amigos ficavam para passar a noite, brincavam que, como não
havia espaço suficiente, eles não se incomodariam de dormir com Wendy.
Kurt esmurrava quem quer que soltasse essa brincadeira e muitas vezes o
fez. Wendy também era atraente a esses rapazes porque ocasionalmente
comprava bebida para eles. "A mãe de Kurt comprou birita para nós duas
vezes", lembra Mike Bartlett. "Ficava entendido que beberíamos na casa".
Uma vez Wendy pagou cerveja para os garotos e os deixou assistir a um
vídeo do The Wall do Pink Floyd. "Certa vez, alguns de nós estávamos
passando a noite lá", disse Trevor Briggs, "e convencemos a mãe dele a nos
comprar uma garrafa de tequila. Ficamos embriagados e saímos para dar
uma volta. Quando voltamos, a mãe dele estava no sofá transando com um
cara; "A reação bêbada de Kurt aos quinze anos foi gritar para o amante da
mãe: "Desiste, cara! Você não vai conseguir nada. Vá para casa!. Era uma
brincadeira, mas não havia nada de cômico em seu desejo por uma família
mais tradicional.
Naquele Natal, o principal pedido de Kurt foi o disco do Oingo
Boingo Nothing to Fear. Na comemoração do Natal dos Fradenburg, sua tia
tirou uma foto dele segurando o disco. De cabelo curto e com feições de
menino, ele parece ter muito menos de quinze anos. Tia Mari lhe deu o disco
Tahpoles da Bonzo Dog Band, contendo a inovada canção "Hunting Tigers
Out in Indiah". foi a canção favorita de Kurt naquele inverno e ele aprendeu
a tocá-la na guitarra. Na véspera do Natal havia visitado Mari, que se
mudara para Seattle, para pesquisar as lojas de discos. Um dos itens da
lista de pedidos de Kurt foi o disco da trilha sonora do programa de televisão
H. R. Pufnstuf, que ele adorava. Outra disco que ele procurava, sua tia
nunca tinha ouvido falar Hi-Infidelity do Reo SpeedWagon.
Kurt fez dezesseis anos no mês de fevereiro seguinte e passou no
exame de motorista. Mas o maior acontecimento daquela primavera foi
alguma coisa muito mais importante para ele do que sua licença de
motorista aprediz — foi um marco sobre o qual Kurt constantemente falou
ao longo de toda a adolescência, embora jamais na idade adulta. No dia 29
de março de 1983 Kurt fez uma viagem ao Center Coliseum de Seattle para
ver Sammy Hagar e o Quarteflash, o primeiro concerto a que assistiu. Sendo
grande fã da emissora de rádio Kisw de Seattle — o sinal podia ser bem
sintonizado á noite —, Kurt adorava o "Butt Rock" de Hagar e também
gostava muito do sucesso do Quarterflash, no carro dirigindo pela irmã mais
velha de Darrin Neathery. "De algum modo, conseguimos um pacote de meia
dúzia de Schmidt. Kurt e eu sentamos no banco de trás no caminho até lá e
nos divertimos pra valer. Quando chegamos ao show, lembro que fiquei em
pé parado nos fundos, onde eles faziam a iluminação, depois que o Quarter
flash tocado. Estávamos simplesmente embasbacados com aquilo tudo: as
luzes e a produção".
Então, uma garrafa de uísque veio voando do alto das
arquibancadas e se despedaçou bem ao nosso lado. Quase cagamos nas
calças. Saímos nos arrastando dali e encontramos um lugar nas armações
de madeira de cima para observar Sammy. Comprei uma camiseta e Kurt
também. Kurt mais tarde reformularia a história e diria que seu primeiro
concerto foi ao da banda punk Black Flag. No entanto, o que todos os seus
colegas de classe no Watherwax se lembram foi de Kurt chegar na escola no
dia seguinte vestindo uma camiseta enorme de Sammy Hagar e falando
como um peregrino que tivesse acabado de chegar da terra Santa. Quando
se encerrava o ano escolar de 1983, Kurt descobriu o punk rock e a camiseta
de Sammy Hagar ficou abandonada no fundo de uma gaveta para nunca
mais sair de lá. Naquele verão viu os Melvins, e esse foi um acontecimento
que mudaria sua vida. Ele escreveu em seu diário:
No verão de 1983 [...] lembro que estava dando umas bandas em
Montesano, no supermercado Washington Thriftway, quando um
empacotador de cabelo curto, meio parecido com o cara do Air Supply, me
passou um panfleto que dizia: "O Festival Them. Amanhã á noite no
estacionamento atrás do Thriftway. Rock ao vivo grátis".
Monte era um lugar não habituado a espetáculos de rock ao vivo,
com seu pequeno povoado de uns poucos milhares de madeireiros e suas
esposas subservientes.
Cheguei com uns amigos doidões numa van. E lá estava o
empacotador do Air supply, segurando uma Les Paul com uma propaganda
de revista dos cigarros Kool pregada nela. Eles tocavam mais depressa do
que jamais imaginei que se pudesse tocar música e com mais energia do que
meus discos do Iron Maiden podiam oferecer. Era isto que eu estava
procurando. Ah, punk rock. Os outros doidões estavam entediados e só
ficavam gritando: "Toquem alguma do Def Leppard". Meus Deus, odiei
aqueles pentelhos mais do que nunca. Cheguei á terra prometida do
estacionamento de um supermercado e descobri meu objetivo especial.
Kurt grifava com dois traços "Era isto que eu estava procurando".
Era sua epifania — o momento em que seu pequeno mundo
subitamente se tornou um mundo maior. O "empacotador do Air Supply" era
Roger "Buzz" Osborne, que Kurt conhecera como um aéreo garoto mais velho
no Colégio Montesano. Quando Kurt cumprimentou Buzz depois do show,
brincou com a vaidade de Osborne e este logo estava bancando o mentor,
emprestando discos de punk rock, um livro sobre os Sex Pistols e
exemplares surrados da revista Creem. Apesar do seu registro no diário, não
era uma transformação completa — Kurt ainda viu Judas Priest tocar em
Tacoma Dome naquele verão.
Como outros garotos em Aberdeen, ele misturava seu punk com
carradas de heavy metal, embora não se gabasse sobre isso na frente de
buzz e agora preferisse camisetas punk.
Os Melvins haviam começado um ano antes, tendo seu nome sido
dado em tom zombeteiro, em homenagem a outro empregado do Thriftway.
Buzz afirmava ter aprendido a tocar guitarra sozinho, ouvindo os dois
primeiros discos do Clash.
Em 1983, os Melvins não tinham nenhuma base real de fãns —
eram importunados e ridicularizados pela maioria dos metaleiros de Grays
harbor. Entretanto, uns dez rapazes sensíveis se juntavam em volta de seu
local de ensaios atrás da casa do baterista Dale Crover na rua Second, 609
oeste em Aberdeen. Esta miscelânea de fãns era chamada de "Cling-Ons"
("fieis"), nome cunhado por buzz para descrever tanto a bizarrice tipo fã de
jornada nas estrelas como o hábito de se apegarem a cada palavra que ele
pronunciava. Pessoalmente, buzz parecia-se mais com Richard Simmons,
com seu cabelo afro homem branco, do que com o sujeito do Air Supply.
Buzz distribuía conselhos aos "Cling-Ons", fazia fitas para eles e
atuava como o Sócrates de Montesano, um estadista mais velho arengando
suas opiniões sobre todas as coisas mundanas para seu bando de
seguidores. Era ele quem decidia quem podia ver os ensaios e quem era
proibido de fazê-lo, e cunhava apelidos aceitos por todos. Greg Hokanson se
tornou "Cokenson". Hesse Reed, que Kurt conhecera na classe do
Weatherwax e de quem logo ficara amigo, se tornou "Black Reed" em
homenagem á banda Black Flag, embora, como todos da turma, ele fosse
branco.
Kurt nunca teve um apelido que pegasse. Seus amigos nesse
período sempre o chamavam de "Cobain". O fato de não ter um apelido não
era sinal de que lhe atribuíssem algum status especial. De fato, era o
contrário — ele não tinha apelido porque era visto como o nanico que não
merecia reconhecimento.
Como Kurt, os Melvins se espraiaram geograficamente de Monte
(onde Buzz morava com os pais) até Aberdeen (o espaço de ensaio de Crover).
O baixista dos Melvins era matt Lukin, também de Monte, a quem Kurt
conhecia da luta romana e da liga Mirim, e que logo se tornou um amigo.
Toda vez que Kurt viajava para Monte, era mais provável que ele procurasse
Buzz ou Lukin do que visitasse seu pai.
Uma das viagens a Monte naquele verão foi motivada por uma
coisa diferente de seu novo amor pelo punk rock — foi por uma garota.
Andrea vance era a irmã mais nova de Darrin Neathery, um amigo de Kurt, e
estava trabalhando certa tarde como baby-sitter em Monte quando Kurt
inesperadamente apareceu. "Ele era encantador", lembra ela. "Tinha grandes
olhos azuis e um sorriso de matar. Seu cabelo era muito bonito e macio. Ele
o usava semicomprido. Não falava muito e, quando falava, sua fala era
mansa." Assistiram a The Brady Bunch e Kurt brincou de luta com os
meninos. Pontual, ele voltou na tarde seguinte e Andrea o premiou com um
beijo. Kurt voltou todos os dias durante uma semana, mas o romance nunca
passou dos amassos. "Ele era muito terno e respeitador", Lembra Andrea.
"Eu não sentia que ele fosse um hormônio ambulante."
Mas, sob a superfície, seus hormônios estavam esbravejando.
naquele mesmo verão, Kurt teve o que mais tarde ele descrevia como o seu
"primeiro encontro sexual" com uma garota com deficiência de
desenvolvimento. Conforme relatou em seu diário, ele a procurou somente
depois de ficar tão deprimido quanto á situação de sua vida que pretendia se
suicidar. "Aquele mês coincidiu com o epítome do abuso mental que minha
mãe fazia comigo", escreveu ele. "Descobri que a maconha não me ajudava
mais a fugir de meus problemas e eu estava realmente gostando de fazer
coisas rebeldes do tipo roubar bebida e detonar vitrines de lojas [...] No prazo
de um mês, decidi que não me sentaria no telhado de casa e ficaria
pensando em saltar, mas que realmente me mataria. E eu não iria embora
deste mundo sem saber de fato como era transar."
Seu único caminho parecia ser esta "garota semi-retardada". Certo
dia, Trevor Briggs, John Fields e Kurt a seguiram até sua casa e roubaram
bebida do pai dela. Eles haviam feito isso inúmeras vezes, mas desta vez
Kurt ficou depois que seus amigos partiram. Ele se sentou no colo da garota
e tocou seus seios. Ela foi para o quarto e tirou a roupa na frente dele, mas
Kurt se sentiu enojado de si mesmo e da garota. "Eu tentei transar com ela,
mas não sabia como", escreveu ele. "Fiquei com muita náusea com o cheiro
de sua vagina e seu suor, por isso si." Embora Kurt recuasse, a vergonha
ficaria com ele para o resto da vida. Ele se odiou por tirar vantagem dela,
ainda que também se odiasse por não compreender totalmente o roteiro para
o ato sexual, uma vergonha quase maior para um garoto virgem de dezesseis
anos. O pai da garota protestou para a escola que sua filha havia sido
molestada e Kurt foi citado como suspeito. Ele escreveu em seu diário que só
um pouco de acaso o livrou da acusação: "Ele vieram com um livro do ano e
iam pedir ela que me apontasse, mas ela não conseguia porque eu não
apareci para as fotos daquele ano". Ele afirmou que foi levado para a
delegacia de policia de Montesano e interrogado, mas escapou da
condenação porque a garota tinha mais de dezoito anos e "não era
mentalmente retardada" pelos estatutos legais.
De volta a Aberdeen, Kurt começou seu ano júnior no Weatherwax
iniciando um relacionamento amoroso com Jackie Hagara, de quinze anos
de idade. Ela morava a duas quadras de sua casa e ele se programava de
modo a que fossem juntos para a escola. Estava tão atrasado em matemática
que foi obrigado a freqüentar aulas da matéria como calouro, onde se
conheceram. Embora muitos garotos na classe achassem Kurt estranho por
estar atrasado, Jackie gostava de seu sorriso. Certo dia, depois da aula, ele
mostrou a ela um desenho que havia feito de um astro do rock numa ilha
deserta. O homem estava segurando uma guitarra Les Paul com uma caixa
amplificadora plugada num coqueiro. Para Kurt, aos dezesseis anos, era sua
visão do paraíso.
Jackie disse que gostava do desenho. Dois dias depois Kurt a
abordou com um presente: ele havia redesenhado a mesma imagem, mas no
tamanho de um pôster, usando até aerógrafo. "E para você", disse ele,
olhando para o chão enquanto falava. "Para min?", perguntou ela. "Eu
gostaria de sair com você uma hora dessas", explicou ele. Kurt ficou apenas
ligeiramente desiludido quando Jackie lhe disse que já tinha namorado.
Continuaram a ir juntos para a escola, ocasionalmente dando-se as mão e,
certa tarde, defronte da casa dela, ele a puxou para perto e a beijou. "Eu
achava ele tão engraçadinho", disse ela.
Durante seu ano decisivo de júnior, até sua aparência começou a
se transformar daquilo que todos descreviam como "engraçadinho" para algo
que alguns de seus colegas no Weatherwax chamariam de "medroso". Ele
deixou o cabelo crescer e raramente o lavava. Suas camisas Izod e os
pulôveres de Rugby foram deixados de lado; agora vestia camisetas feitas em
casa com os nomes de bandas punk. Uma que Kurt usava freqüentemente
dizia "Bagunça organizada", um slogan que ele fantasiava que seria o nome
de sua primeira banda. Para vestir por cima, ele sempre tinha uma capa
impermeável — usava-a o ano inteiro, quer estivesse chovendo ou fizesse um
calor de verão de mais de trinta graus. Naquele outono, Andrea Vance, sua
namorada desde o verão, deparou com Kurt numa festa e nem o reconheceu.
"Ele estava com seu impermeável preto, tênis de cano alto, e o cabelo estava
tingido de vermelho escuro", lembra ela. "Não parecia o mesmo rapaz."
Seu círculo de amigos lentamente mudou de seus chapas de Monte
para os companheiros de Aberdeen, mas com ambos os grupos a principal
atividade era se intoxicar de uma maneira ou outra. Quando não
conseguiam assaltar o estoque de bebidas do pai de algum deles,
aproveitavam uma das muitas pessoas das ruas de Aberdeen para ajudá-los
a comprar cerveja. Kurt, Jesse Reed, Greg Hokanson e Eric e Steve Shillinger
desenvolveram um comércio regular com um personagem pitoresco a quem
chamavam de "O Gordo", um alcoólatra inveterado que morava no decrépito
hotel Morck com seu filho retardado, Bobby. O Gordo estava disposto a lhe
comprar bebida desde que eles pagassem e o ajudassem a chegar até a
mercearia. Este era um processo laborioso que, na prática, parecia um
pouco com um esquete de Buster Keaton e podia consumir o dia inteiro:
"Primeiro", disse Jesse Reed, "tínhamos de empurrar um carrinho de
compras até o Morck. Depois, subíamos até seu quarto e o acordávamos. Ele
estaria com sua cueca encardida, ela fedia e havia moscas e aquilo era
terrível. tínhamos de ajudá-lo a vestir aquelas calças de lona. Depois, era
preciso fazê-lo descer as escadas e ele pesava uns duzentos quilos. Era gordo
demais para andar o caminho todo até a loja de bebidas, e por isso nós o
colocávamos no carrinho e o empurrávamos. se quiséssemos apenas beber
cerveja, nós o empurrávamos até a mercearia, a qual, graças a Deus, ficava
mais perto. E tudo o que tínhamos de fazer para ele era comprar uma
garrafa da cerveja mais barata".
O Gordo e Bobby formavam uma dupla das mais bizarras, e
inadvertidamente se tornaram os primeiros temas de algumas das histórias
de Kurt. Ele escreveu contos sobre os dois, compôs canções imaginárias
sobre suas aventuras e esboçou desenhos deles em seu diário. Seu traçado a
lápis do Gordo parecia-se com Ignatius J. Reilly, o anti-herói de a
Confederacy of Dunces, de John Kennedy toole. O que Kurt mais gostava era
imitar a voz esganiçada de Bobby, provocando acessos de gargalhada em
seus amigos. Seu relacionamento com o Gordo e Bobby não deixava de ser
afetuoso; havia um grau de empatia que Kurt sentia pela sua situação
aparente sem esperança. Para o Natal daquele ano, Kurt comprou para o
Gordo uma torradeira e um disco de John Denver em Goodwill. Ao agarrar
esses presentes em suas mãos gigantes com luvas para neve, o Gordo
perguntou, incrédulo: "São para mim?", e começou a chorar. O Gordo
passou os anos seguintes dizendo a todos em Aberdeen que amigo
maravilhoso era Kurt Cobain. Esta foi uma pequena amostra de como, ás
vezes, mesmo no mundo sombrio de Kurt, podia surgir ternura.
Com um fornecimento regular de bebida do Gordo, Kurt continuou
a abusar do álcool naquela primavera e seus conflitos com a mãe
conseqüentemente aumentaram.
As discussões era piores quando Kurt estava chapado ou pirado de
ácido, o que passou a ser constante. Greg Hokanson lembra que certa vez foi
á casa dele com Jesse Reed e ouviu Wendy gritar com Kurt Durante uma
hora, enquanto este viajando com LSD, completamente insensível aos gritos
dela. "Wendy era terrível com ele", disse Hokanson. "Ele a odiava. "Tão logo
conseguiam escapar, o trio deixou a casa e foi escalar a torre da caixa d'água
do "Morro do Think of Me".
Jesse e Hokanson. conseguiam chegar ao topo, mas Kurt ficou
paralisado na metade da escada. "Ele era medroso demais", lembra
Hokanson. Kurt jamais conseguiu escalar a torre.
Trevor Briggs lembra de certa noite na casa dos Cobain quando a
batalha entre Kurt e Wendy se estendeu por toda a noite: "Eu acho que ela
estava um pouco embriagada e subiu a escada até o quarto dele. Ela estava
tentando fazer uma festa e zoar conosco. Ele ficou puto com ela por causa
disso. E Wendy disse: "Kurt, se você não tomar cuidado eu vou dizer na
frente de seus amigos o que você me disse". E ele gritou bem alto: "Do que é
que você está falando?. Por fim, ela desistiu. Ai eu perguntei a Kurt o que ela
iria dizer. Ele respondeu: "Bem, uma vez eu comentei com ela que só porque
um cara tem cabelo no saco não significa que ele seja adulto ou maduro".
Esta questão singular — ter cabelo nos testículo — era um ponto
monumental de embaraço para Kurt. Seus pêlos púbicos chegaram mais
tarde do que para a maioria dos meninos e todo dia ele inspecionava
obsessivamente os testículos, sempre vendo seus amigos cruzarem esse
limiar antes dele. "Púbicos", conforme ele os chamava, era um tópico
freqüente em seu diário. "Ainda sem púbicos suficientes", escreveu ele. "Anos
perdidos. Ideais conquistados. Ainda não desenvolvidos. Já passou Muito
tempo desde que nossos púbicos falharam em crescer" Nas aulas de
educação física, ele preferia se trocar num boxe do banheiro do que se expor
á inspeção da ala dos armários dos meninos. Quando completou dezesseis
anos, finalmente os púbicos apareceram, embora devido a sua coloração ser
clara não fossem tão obvio quanto os dos outros rapazes.
Na época em que Kurt fez dezessete, Wendy se envolveu com Pat
O'Connor. O'Connor era da idade de Wendy e ganhava 52 Mil dólares por
ano como estivador. Seu salário foi assunto de registro publico, porque, logo
depois que ele e Wendy se envolveram, Pat foi objeto de uma das primeiras
ações judiciais de Washington para pagamento de pensão por separação. A
ação era movida por sua ex-namorada, que o acusou de tê-la convencido a
deixar seu emprego na usina nuclear local e depois abandoná-la por Wendy.
foi um processo sórdido que se arrastou pelos dois anos que se seguiram.
Nos autos do tribunal, Pat listava seus bens como uma pequena casa,
alguns milhares de dólares em poupança e um armário com três armas —
essas armas, curiosamente, iriam desempenhar um papel na carreira de
Kurt. A ex de Pat ganhou a causa, recebendo 2.500 dólares em dinheiro, um
carro e os honorários de seu advogado.
Pat se mudou para a casa de Wendy naquele inverno. Nenhum dos
filhos de Wendy gostava de O'Connor e Kurt o odiava cada vez mais. Tal
como havia feito com seu pai biológico e Franich, Kurt fez de Pat o objeto de
ridículo de muitas de suas canções que faziam as disputas entre Don e
Wendy parecerem leves e suaves.
Um incidente em particular serviu para fornecer uma da pedras
angulares da mitologia musical de Kurt. Apos uma grande briga, Wendy saiu
procurando por Pat e o encontrou, segundo Kim, "traindo-a". Ele estava
bêbado, como de costume", Wendy voltou correndo para casa num acesso de
fúria, resmungando que era capaz de matar Pat. Em pânico, mandou que
Kim juntasse as armas de Pat em um grande saco plástico. Quando pat
regressou Wendy declarou que iria assassiná-lo. Kurt afirmou, ao contar sua
própria versão do caso, que Wendy tentou atirar em Pat, mas não conseguiu
descobrir como carregar a arma: sua irmã não se lembra desse detalhe.
Depois que Pat saiu, Wendy e Kim arrastaram um saco de armas por dois
quarteirões de sua casa até as margens do rio Wishkah. Enquanto puxavam
as armas pelo chão, Wendy continuava a repetir para si mesma: "Preciso me
livrar dessas armas ou vou acabar matando ele". Ela as atirou na água.
Quando Pat e Wendy se reconciliaram na manhã seguinte, Kurt
interrogou Kim sobre o paradeiro das armas. Com a irmã de treze anos
indicando o caminho, Kurt e dois de seus amigos pescaram os rifles na água.
Quando Kurt mais tarde contou essa história, disse que trocou as armas por
sua primeira guitarras, embora na verdade ele já tivesse uma guitarra desde
os catorze anos. Kurt jamais deixava que alguém introduzisse a verdade para
atrapalhar uma boa história: o relato de que ele trocou as armas de seu
padrasto por sua primeira guitarra era simplesmente bom demais para o
contador de histórias resistir. Nesta única história estavam todos os
elementos de como ele desenhava ser percebido como artista — alguém que
transformava as espadas do relacionamento provinciano em relhas do punk
rock. Na verdade, Kurt de fato vendeu as armas, mas empregou o dinheiro
apurado para adquirir um amplificador Fender Deluxe.
O incidente das "armas no rio" foi apenas um dentre muitos
arranca-rabos de Wendy e Pat. A técnica de Kurt para evitar essas brigas —
ou para evitar torna-se motivos delas, já que não havia nada que Pat
gostasse mais de fazer do que passar sermão em Wendy sobre o que fazer
com seu filho desgarrado — era fazer um percurso rápido da porta da frente
até seu quarto.
Nesse sentido, ele era como a maioria dos adolescentes, embora
suas entradas e saídas ocorressem em um ritmo furioso. Quando Kurt
precisava aparecer para alguma tarefa doméstica — como usar o telefone ou
assaltar a cozinha —, ele tentava cronometrar suas incursões de modo a
evitar Pat. Seu quarto se tornou seu santuário e a descrição que alguns anos
depois ele fez em seu diário sobre uma volta para casa era um só tempo
emocional e física:
Toda vez que volto, é o mesmo dejavu que me dá um arrepio na
espinha, depressão total, ódio total e rancores que durariam meses, velhos
cards com desenhos de roqueiros tocando guitarra, monstros e legendas na
capa como: "This Bud's For You" ["Esta Flor é para Você"] ou "Get High" ["Vai
Fundo"], desenhos elaborados na narguilés, alterações de trocadilhos
sexuais sobre a garota feliz jogando tênis. Olhem em volta e vejam os
pôsteres do Iron Maiden com cantos rasgados e buracos preenchidos, pregos
nas paredes onde ainda hoje se exibem bonés de tratorista. Depressões na
mesa provocada por cinco anos de quarter bounce. O tapete manchado de
cusparadas sonolentas na escarradeiras, eu olho em volta e vejo toda essa
porra e a coisa de que mais me lembro da minha adolescência inútil é que,
toda vez que entro no quarto, passo o dedo pelo teto e sinto o resíduo
grudento de um acúmulo de fumaça de maconha e tabaco.
Durante a primavera de 1984, seus conflitos com os adultos na
casa chegaram a um ponto de ebulição. Kurt detestava Wendy por sua
fraqueza quando se tratava de homens, tal como discordava do desejo de seu
pai se casar novamente. Ele odiava Pat ainda mais, já que este dava
conselhos de uma maneira voltada a apontar para as deficiências de Kurt.
Os dois homens da casa também divergiam sobre o tratamento a ser dado ás
mulheres. "Pat era um mulherengo", disse Kim, "E Kurt não. Kurt tinha
muito respeito pelas mulheres, ainda que não tivesse muitas namoradas. Ele
estava procurando alguém por quem se apaixonar." Os sermões de Pat sobre
como "um homem precisa ser homem e agir como homem" eram
inesgotáveis.
Quando Kurt falhou por diversas vezes em viver de acordo com os
padrões de Pat, foi chamado de "bicha". Certo domingo de abril de 1984, as
insinuações de Pat eram particularmente veementes: "Por que você nunca
traz nenhuma garota para casa?", perguntou ele a Kurt "Quando eu tinha
sua idade, o tempo todo havia garotas entrando e saindo da minha cama."
Depois dessa gema de conselhos viril, Kurt foi para uma festa. Lá
encontrou Jackie Hagara. Quando ela e uma amiga quiseram ir embora,
Kurt sugeriu que fossem para a casa dele — talvez vislumbrasse uma
oportunidade para lavrar um tento com Pat. Silenciosamente, ele as baldeou
para cima sem perturbar os adultos. Shannon estava totalmente embriagada
e passou adiante para desmaiar numa das camas separadas na sala de jogos
ao lado do quarto de Kurt. Com a amiga incapacitada e sem conseguir
andar, Kurt disse a Jackie: "Você pode desabar aqui". subitamente chegada
o momento que Kurt estivera esperando. Por muito tempo ele havia ansiado
deixar para trás suas fantasias sexuais adolescentes e declarar
honestamente a seus colegas do colégio que não era mais virgem (de fato,
como a maioria dos rapazes de sua idade, Kurt estivera mentindo sobre o
assunto durante vários anos). Crescendo num mundo onde os homens eram
raramente tocados, a não ser com o ocasional tapinha nas costas, ele estava
faminto do contato de pele com pele. Em Jackie, ele havia escolhido uma
colega mais do que disposta. Embora com apenas quinze anos, ela já tinha
experiência e, por acaso, na noite em que se viu na cama de Kurt, seu
namorado firme estava na prisão. Ela sabia o que ia acontecer em seguida
assim que entraram no quarto de Kurt. Na lembrança de Jackie, houve um
momento em que se olharam e o desejo encheu o quarto com toda a força de
um motor de combustão interna sendo acelerado.
Kurt apagou as luzes, os dois tiraram as roupas e excitadamente
saltaram para a cama e se abraçaram. Para Kurt, seria o primeiro abraço de
uma mulher totalmente nua, um momento que havia muito sonhava, um
momento que, em muitas noites de masturbação adolescentes, nessa mesma
cama, ele havia imaginado. Jackie começou a beijá-lo. No momento em que
suas línguas se tocaram, a porta se escancarou e a mãe de Kurt entrou.
Não há como imaginar que Wendy pudesse ficar contente de ver
seu filho na cama com uma garota nua. Ela também não ficou nem um
pouco contente ao ver outra garota desmaiada no corredor. "Dá o fora!",
gritou ela. Ela havia subido para mostrar a Kurt os relâmpagos lá fora- o fato
de que estava se formando um temporal havia passando despercebido para
os jovens amantes —, mas, em vez disso, encontrou seu filho na cama com
uma garota. Enquanto descia marchando pelas escadas, Wendy gritava:
"Caia fora da minha casa!". Pat, por seu turno, estava completamente calado
sobre o assunto, sabendo que qualquer comentário enfureceria Wendy ainda
mais. Ouvindo o tumulto, a irmã Kim chegou correndo do quarto vizinho.
Ela observou Kurt e Jackie calçando sapatos numa garota que estava
desmaiada. "Que diabo...?", perguntou Kim. "Estamos saindo", disse Kurt a
sua irmã. Ele e Jackie arrastaram a outra garota escada abaixo e saíram
debaixo de uma das maiores tempestades do ano.
Quando Kurt e suas duas acompanhantes começaram a descer a
rua First — o ar fresco havia reanimado a amiga bêbada —, começou a
chover e, embora isso parecesse um sinal de mau agouro, antes que o sol
nascesse Kurt perderia sua virgindade. Ele já estava visivelmente trêmulo,
seus hormônios em fúria misturando-se com raiva, vergonha e medo. Havia
sido humilhante vesti-se na frente de Jackie, ainda ostentando uma ereção.
Tal como seu encontro com a garota retardada, o prazer e a vergonha eram
era impulsos igualmente fortes dentro dele, irremediavelmente emaranhados
e confusos.
Dirigiram-se para a casa da amiga de Jackie. Mas tão logo
entraram, o mesmo fez o namorado de Jackie, acabado de sair da prisão.
Jackie havia alertado Kurt sobre o temperamento violento do seu amantes e,
para evitar um confronto, Kurt fingiu que era namorado da outra garota.
Quando Hagara e seu namorado saíram, Kurt e a garota acabaram passando
a noite juntos. Não foi a transa mais sensacional, ou assim ele diria a Jackie
depois, mas foi uma relação sexual, que era tudo o que importava a Kurt.
Finalmente ele havia transposto aquela porta, o grande divisor de águas
vaginal, e ele não estava mais levando uma vida que era uma mentira
sexual.
Kurt saiu cedo na manhã para caminhar por Aberdeen sob a
pálida luz da aurora. A tempestade havia passado, os pássaros estavam
gorjeando e tudo no mundo parecia vivo. Ele caminhou durante horas
pensando naquilo tudo, esperando chegar a hora da escola, observando o sol
se elevar e se perguntando para onde sua vida estava indo.

Embaixo o vídeo da música Come as you are

Come as you are
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Aguardem o 5º capítulo...

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